Texto e fotos de Valéria del Cueto
Querida cronista voluntária e sabiamente enclausurada do outro lado do túnel. Sem mais delongas eis-me aqui cada vez mais impregnado dos insuperáveis defeitos humanos para dizer (como já fiz antes) que estou em débito moral com você, amiga. Dessa vez confesso sem a menor vergonha na cara que minha ausência foi proposital.
Eu, Pluct Plact, o extraterrestre impedido de sair desse planeta informo, pela fresta de lua que nos une na minúscula janela da sua cela, que me recusei teimosa e peremptoriamente a expô-la aos horrores recorrentes e vigentes aqui do lado de fora.
Não precisei usar nenhum recurso da minha sofisticada (e inoperante no quesito deslocamento) nave interplanetária para concluir que, por maior que fosse o sofrimento da espera vã a que, reconheço, lhe submeti, ele é menor que as palavras ou o olhar de desalento e desesperança que levaria até você. Acho que fui contaminado pelo mal humano do século XXI. A tal depressão.
E olha que, imagine, escrevo diante da visão de um espetacular pôr do sol admirado da praia no meio do caminho entre o Arpoador e Ipanema. Daqueles que enchem os olhos de lágrimas dos que se dispõem a se deixar impregnar por uma beleza natural quase indescritível (olha eu, pretensioso, tentando).
Estou trazendo notícias porque jurei (tem coisa mais humana?) que não deixaria o primeiro mês do ano da graça de 2020 passar sem chegar até você. Para o bem ou para o mal, não consigo carregar minhas reservas de informações por mais tempo. Exauri parte do meu HD de efemérides terrestres. Infelizmente a dos dados negativos.
Não, não estou exagerando nem sendo dramático. Vivemos aqui fora tempos tenebrosos onde o representante governamental da cultura se traveste e ambienta suas aparições com postura, atitudes e frases retiradas do que o mundo produziu de pior, o nazismo. Em que o rock, o rap, o funk e outras manifestações artísticas populares correm risco real e palpável serem enquadrados pela censura!
Aqui a intolerância se sobrepõe e esmaga qualquer movimento ou iniciativa que discorde ou alerte sobre seu avanço. E vale tudo para se impor. A violência e a intimidação viraram a corda dissonante usada para estrangular e tentar sufocar quaisquer tentativas de reações a esse movimento que engolfa e engole o amor, vomitando diariamente sua arrogância e prepotência.
Tento evitar palavras duras para descrever inenarrável, mas reconheço minha incapacidade de amenizar tanto horror. Os humanos não parecem se dar conta de que estão num processo autofágico e irreversível de autodestruição. Jogam bombas, erguem muros, fazem expurgos enquanto desconstroem a humanidade e contaminam seu habitat. Pobre planeta!
Não irei longe para não precisar falar da Austrália que arde em chamas, nem do novo vírus letal que isolou, para iniciar sua missão mortal, uma megalópole chinesa, fechou parte da lendária Muralha da China impedindo, inicialmente, o ir e vir de dezenas de milhões de habitantes da região. No insucesso para conter sua expansão mundo a fora, até a Organização Mundial de Saúde reconheceu a barbeiragem na aplicação dos protocolos mínimos para conter o avanço da doença mortal.
Por aqui, Minas, Espírito Santo e o norte do Rio de Janeiro sofrem com chuvas torrenciais que deixam mortos, desabrigados e um rastro de destruição. O governador fuzileiro do Rio de Janeiro apelou no viva-voz pela ajuda militar ao vice-presidente. Precisam de água potável! Entendeu? Sim, eu disse água potável. Não, não é filme de ficção. Acontece que os reservatórios da CEDAE e os mananciais que abastecem a população fluminense estão contaminados por algas e outras substâncias. Enquanto o governo afirma que está tudo bem e o líquido é consumível, o mau cheiro exala do que jorra pelas torneiras com uma cor de barro quando foge.
Para sua sorte acabou meu espaço para narrar as misérias que nos afligem! Olho para o horizonte onde o sol, majestoso se põe sem medo de não nascer amanhã. Por enquanto. Pela praia vejo correndo, tentando abraçar o horizonte cor de fogo uma menina. Sim, querida. Ainda há esperança.
Ela mora na inocência e na alegria de quem não entende a maldade que soterra o presente e passa saltitante em direção ao mar tranquilo de temperatura cálida. Se junta aquela que persiste, enquanto deixarem. A natureza que, em todo seu esplendor, sobrevive e insiste em permanecer enquanto der, quase intocável…
*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Fábulas Fabulosas”, do SEM FIM… delcueto.wordpress.com