Polícia Federal de Curitiba, quinta-feira (19). Na porta, um caminhão de mudanças. Ele traz uma carga valiosa, vinda do Rio, do apartamento de Renato Duque, diretor de serviços da Petrobras entre 2003 e 2012.
Ele foi preso em casa, pela PF, na segunda-feira, 16 de março. Na operação, um achado incomum: 131 obras de arte. Algumas, com assinaturas conhecidas.
“O número surpreendeu mesmo. Se confirmar que são obras autênticas, vamos estar diante de um valor muito grande”, afirma o delegado da Polícia Federal Igor Romário de Paula.
Nas buscas, outra surpresa. Atrás de um armário, aberta por um controle remoto, uma sala secreta, com iluminação e passagem de ar independentes. Ali ficavam documentos e joias da família. Tudo apreendido. Junto com as obras, que estavam distribuídas pelo apartamento inteiro.
Os 131 quadros apreendidos na casa do ex-executivo da Petrobras Renato Duque foram levados, com escolta, para o museu Oscar Niemeyer, de Curitiba, onde vão ser avaliados e eventualmente expostos ao público.
A Operação Lava Jato, contra a corrupção na Petrobras, está centralizada em Curitiba, onde também fica o museu Oscar Niemeyer, que tem espaço e capacidade técnica para guardar, até o julgamento, as obras apreendidas. Todas passam pela mesma sala.
Fantástico: Aqui chama-se sala de trânsito?
Juliana Vosnika, presidente do museu: Isso. Daqui, ela vai para um laboratório, onde vai ser feita uma higienização, uma limpeza. E aí nós vamos avaliar se ela vai para quarentena ou se ela tem condições de ir direto para a reserva técnica.
Fantástico: E reserva técnica é como se fosse o estoque das obras?
Juliana Vosnika: É o nosso estoque, é o nosso acervo.
O controle de temperatura e umidade é rigoroso. Obras de muito valor podem estar no local.
O Fantástico registrou um momento muito importante para a equipe do museu Oscar Niemeyer na hora de desempacotar aquele que provavelmente é o principal quadro de todas essas apreensões da Operação Lava Jato. Uma obra do artista catalão Joan Miró, um dos maiores do século XX. Se o quadro for de fato verdadeiro, ele pode valer mais de R$ 15 milhões.
Enquanto os técnicos acertavam a posição do quadro, apareceu um dado importante: uma anotação no verso, em inglês, informando que a obra chamada ‘Charivari’ não é uma pintura, mas uma gravura. Quer dizer: não é uma tela diretamente pintada pelo artista, mas uma impressão em papel.
“A gravura é um múltiplo. Uma pintura é uma obra única, que ela é pensada, ela é produzida, ela é realizada com essa intenção de ser uma única imagem”, explica o coordenador de arte da Faap Marcos Moraes.
Uma pintura de um artista como Miró tem um valor muito alto. Não sairia por menos de R$ 15 milhões, R$ 16 milhões, R$ 17 milhões. Já uma gravura vale menos. Recentemente, uma gravura também do Miró foi leiloada na Inglaterra pelo equivalente a R$ 160 mil. Ou seja, a gravura vale um centésimo de uma pintura e isso se a gravura for mesmo verdadeira.
A mesma dúvida sobre autenticidade paira sobre os outros quadros de Renato Duque. Na grande maioria de brasileiros do século XX, como Djanira, Heitor dos Prazeres, Guignard e Poteiro.
“Eu não sei se isso é exatamente uma coleção ou se isso é um conjunto de obras. Uma coleção implica um desejo de colecionar, que ela sempre tem um recorte, um viés, ou seja, não parece existir pontos tão fortes que estabeleçam essa relação com os trabalhos.”, diz Marcos Moraes.
Agora, a equipe do museu vai examinar os documentos apreendidos, para ver se eles incluem certificados de autenticidade.
Fantástico: O primeiro olhar é cético?
Estela Sandrini, diretora cultural do museu: É cético. Você pega e diz: ‘não sei, vamos pesquisar’.
Essa dificuldade para estipular o valor real de uma obra, muitas vezes é usada por criminosos. O juiz Fausto de Sanctis escreveu um livro sobre isso.
“O mistério envolvendo a obra e o valor faz com que sejam dribladas as autoridades competentes.”, conta o juiz federal Fausto de Sanctis.
Uma exemplo bem simples do que é lavar dinheiro. Uma pessoa tem um negócio aparentemente legal: uma lavanderia ou um posto de gasolina. Vamos dizer que em um mês, ela atenda 100 clientes e fature R$ 1 mil. Mas, no papel, ela mente. Diz que atendeu 300 e faturou R$ 3 mil. A diferença entre o que a pessoa realmente ganhou no negócio legal e o que ela disse que ganhou são R$ 2 mil. Daí ela pega dois mil reais 'sujos', obtidos fora da lei e passa para o caixa oficial. Pronto, o dinheiro sujo é lavado.
“É uma tentativa de esconder das autoridades que a pessoa é dona de um bem, imóvel ou móvel, ou mesmo de dinheiro, que veio à pessoa pela prática de um crime”, afirma Fausto de Sanctis.
Com obras de arte, é parecido. O criminoso vende um quadro e diz que recebeu mais dinheiro do que na verdade foi pago. Outra prática é comprar um quadro pelo valor real, mas sem nota fiscal nem nada, e guardar a obra. É como se fosse uma poupança, com a vantagem de que a obra de arte não poder ser rastreada. Na declaração de renda, entra um valor qualquer.
“O patrimônio dele em obras declarado é de R$ 50 mil. O que é totalmente incompatível com as obras encontrados”, diz o delegado da Polícia Federal Igor Romário de Paula.
O advogado de Renato Duque contesta:
“Foram cento e poucas obras apreendidas. Quase nenhuma tem valor qualquer. A maioria, valores irrisórios. E as que tem algum valor foram adquiridas com o salário que ele ganhava na Petrobras. Ele refuta as acusações.", disse Alexandre Lopes, advogado de Renato Duque.
Sobre o quadro que mais chamou a atenção, a Fundação Joan Miró, de Barcelona, informou ao Fantástico que o texto no verso da gravura é bastante parecido com as autenticações feitas pela instituição, assim como a assinatura de uma das diretoras, Rosa Maria Malet.
Mas que só com o quadro em mãos pode dizer se é verdadeiro. Ou seja, o trabalho da equipe do museu Oscar Niemeyer, reponsável pela guarda e avaliação das obras, vai ser longo. E está só no começo.
Fonte: G1