O delegado da Polícia Civil Jeferson Botelho disse que a quadrilha presa neste domingo (23), durante o vestibular de medicina da Faculdade de Ciências Médicas em Belo Horizonte, atua há mais de 20 anos no país, praticando fraude em processos de seleção. A declaração foi dada nesta segunda-feira (24), em Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri. Segundo o delegado, o grupo fraudou ainda o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2012, 2013 e 2014.
Trinta e três pessoas foram detidas pela Polícia Civil na Operação Hemostase II, durante o processo seletivo da Faculdade de Ciências Médicas, na capital mineira, no domingo (23). Investigadores ainda fizeram diligências em Teófilo Otoni, no Vale de Mucuri, e em Governador Valadares, no Leste de Minas, além da cidade do Guarujá, no litoral de São Paulo. A investigação é feita há oito meses. A quadrilha é suspeita de vender resultados de provas do Enem e do processo seletivo da faculdade de medicina para candidatos através de micropontos eletrônicos e um moderno sistema de transmissão de dados.
De acordo com o delegado Antônio Júnio Dutra Prado, coordenador do Grupo de Combate às Organizações Criminosas da Polícia Civil, que atua junto ao Ministério Público de Minas Gerais, a quadrilha tem, entre seus membros, especialistas em várias áreas de conhecimento, que eram usados para fazerem as provas rapidamente, sair no tempo mínimo e passarem os resultados para os candidatos que ainda estavam participando dos exames. Segundo investigações da polícia, o grupo cobrava entre R$ 70 mil e R$ 200 mil dos candidatos.
A polícia informou que o grupo detido inclui 11 integrantes da quadrilha e 22 candidatos que faziam a prova. A investigação aponta que a quadrilha era chefiada por dois mineiros: Áureo Moura Ferreira, que mora em Teófilo Otoni, e Carlos Roberto Leite Lobo, empresário que reside em Guarujá. Um policial civil de Governador Valadares, na Região Leste de Minas Gerais, também está preso.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) disse, na tarde desta segunda-feira (24) que não foi comunidado oficialmente desta suspeita de fraude pela Polícia Federal, órgão que investiga casos de fraude no Enem. A Operação Hemostase II foi deflagrada pela Polícia Civil de Minas.
Suspeita engoliu microponto eletrônico
A Polícia Civil contou com a ajuda da Faculdade de Ciências Médicas para prender os suspeitos da fraude. Vários policiais à paisana acompanharam os candidatos. A escola só foi avisada da ação momentos antes da abertura dos portões.
“No dia do vestibular, a polícia compareceu ao campus onde estava sendo realizada a prova e aí sim falou que já existia uma investigação em curso e que o nosso vestibular era alvo (…). Nós colocamos à disposição toda a nossa estrutura e ao final do processo confirmou-se a suspeita”, disse o vice-diretor da faculdade, Marcelo Miranda.
Na operação, os policiais usaram coletes semelhantes aos dos fiscais de prova. À medida que os suspeitos terminavam os testes eram levados pelos agentes disfarçados de funcionários a uma sala reservada. Eles foram identificados a partir da lista de inscritos. Assim que todos foram reunidos, a polícia deu voz de prisão e apreendeu os equipamentos eletrônicos. Segundo a faculdade, uma das candidatas chegou a engolir o microponto eletrônico que estava em seu ouvido, na tentativa de escapar do flagrante. Segundo o delegado Antônio Prado, ela foi encaminhada para um hospital para exames e liberada na sequência.
Todos os suspeitos detidos dentro das salas de aula foram eliminados do vestibular. Segundo a faculdade, a operação não atrapalhou o andamento do processo seletivo e, por isso, ele não será cancelado.
A Polícia Civil já vinha investigando a possibilidade de fraude no vestibular há oito meses, segundo o vice-diretor. A desconfiança começou a partir da deflagração da Operação Hemostase I, em dezembro de 2013, quando foi descoberto esquema de venda de vagas em cursos de medicina em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. “Nós procuramos nos informar se o nosso vestibular então teria sido vítima, se a fraude que foi concretizada em outros concursos teria ocorrido aqui”, disse Miranda. Na época, não foram constatadas fraudes na Faculdade de Ciências Médicas.
Apreensões
Na casa de Áureo Moura Ferreira, em Teófilo Otoni, a polícia apreendeu dois carros e uma moto importados, aparelhos eletrônicos de escuta, computadores e documentos. "Nós encontramos aqui materiais envolvidos com a fraude, cadernos do Enem, uma grande quantidade de materiais que sinalizam para este tipo de fraude", disse o delegado Jeferson Botelho, que é superintendente de Investigação e Polícia Judiciária de Minas. Já no Guarujá, na casa de Lobo, foram apreendidos aparelhos de escuta e caderno de provas de vestibulares.
Transferidos para a cadeia
Dez integrantes de uma quadrilha suspeita de fraudar provas de uma faculdade de medicina e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foram transferidos na tarde desta segunda-feira (24) para o Ceresp Gameleira, Região Oeste de Belo Horizonte. O 11º suspeito, que é um policial civil, foi levado para a Casa de Custódia do Policial Civil.
Os 22 estudantes que foram presos em flagrante e liberados poderão responder por fraude em certame [concurso] de interesse público. O advogado Lúcio Adolfo, que defende cinco alunos detidos, diz que os clientes afirmam que não chegaram a usar o sistema de fraude. Todos eles, de acordo com o defensor, já foram liberados. Adolfo falou que três dos clientes foram soltos após pagamento de fiança. De acordo com o advogado, os outros não ficaram detidos por não ter sido encontrado nada que os incriminasse.
Já os 11 que foram transferidos para o Ceresp Gameleira e para a Casa de Custódia do Policial Civil estão com prisão temporária de cinco dias decretada. “Não se sabe se vai haver uma renovação deste pedido ou se vai haver prisão preventiva para um caso desses que são supostos chefe da situação", disse o advogado Délio Granda, que representa os suspeitos de comandar o esquema. Eles podem responder por formação de quadrilha, falsidade ideológica e também fraude em certame de interesse público.
Hemostase I
Em dezembro de 2013, durante a Operação Hemostase I, a Polícia Civil já havia desarticulado uma quadrilha que fraudava vestibulares de medicina em instituições particulares. Na ocasião, 21 suspeitos – entre estudantes, médicos e empresários – foram presos e tiveram os bens bloqueados. Ao todo, segundo a corporação, 36 pessoas foram indiciadas. Como na época foram levantados indícios de fraude no Enem, o caso foi repassado para a Polícia Federal.
G1