Cidades

Punição maior não diminuiu crimes contra as mulheres

Enquanto você lê essa matéria, uma mulher é morta no Brasil. Dados do Mapa da Violência da Organização Mundial de Saúde divulgados no dia 09 de novembro apontam que no país, 13 mulheres foram mortas por dia no ano de 2013, vítimas de feminicídio, ou seja, uma mulher a cada duas horas. Mesmo com leis de defesa à mulher, entre elas a Lei Maria da Penha e a mais nova, a Lei do Feminicídio, o respeito ao gênero feminino que deveria ser algo natural, ainda  está longe de ser o ideal. 

Em Cuiabá, por exemplo, as mortes de mulheres aumentaram em 35% após a lei do feminicídio, saltando de 17 em 2014 para 23 mortes até outubro de 2015, ou seja, o ano ainda não acabou e já há registros de seis mortes a mais que o ano anterior.

Segundo a defensora pública e presidente do Conselho Estadual de Direitos da Mulher (CEDM), Rosana Leite Antunes de Barros, a esperança é de que a lei nº 8.305/14, conhecida como Lei do Feminicídio, sancionada em 09 de março de 2015, ainda possa diminuir os números da violência contra a mulher. O feminicídio ocorre quando a agressão envolve violência doméstica e familiar, ou quando evidencia menosprezo ou discriminação à condição de mulher. A nova regra torna a morte da mulher como crime hediondo e prevê a reclusão de 12 a 30 anos ao agressor.

Contudo, o número de mortes de mulheres na última década não tem sido nada animador. Segundo dados do Mapa da Violência, no Brasil entre 2003 e 2013, o número de vítimas do sexo feminino passou de 3.937 para 4.762, o que representa aumento de 21% na década. O Brasil estava em 7° lugar em morte contra mulheres e agora ocupa a 5ª posição. A realidade fica ainda mais assustadora quando se fala em mulheres negras. O estudo aponta que o número de homicídios de mulheres negras aumentou 54% em dez anos, passando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013. "O Mapa apresentado para a sociedade não é um mapa da violência, mas um "mapa da covardia. Ele nos mostra que as mulheres estão sendo agredidas , simplesmente, por serem mulheres" lamenta Rosana Leite.

Cuiabá está na 7ª posição no ranking das capitais com mais homicídios femininos. A estatística aponta ainda que Mato Grosso ocupa a 11º posição com a maior taxa de homicídios femininos no país. No Brasil 50,3% das mortes violentas de mulheres são cometidas por conhecidos ou familiares. No Estado esse percentual é de 3,1%. De janeiro a setembro deste ano, 58 mulheres foram mortas em Mato Grosso, 23 delas em Cuiabá e 10 em Várzea Grande.

A dona de casa M.C.S, 55 anos, afirma que mesmo com as leis de proteção não se sente segura. Para ela, os direitos e as punições ao agressor acabam nem saindo do papel. Ela conta que vive com um filho usuário de drogas e constantemente é vítima de violência doméstica e revela ainda que, já agredida pelo filho, o denunciou e pediu medidas protetivas. "Ele foi preso, mas em menos de duas semanas já estava nas ruas, na verdade, em casa. Ele pode até não ter me agredido mais fisicamente, contudo sempre me agride com palavras. Se nem mesmo uma medida protetiva me deu segurança, em quem posso confiar? Sei que é meu filho, mas digo que por falta dessa resposta da justiça é que muitas mulheres acabam morrendo" lamenta.

Foi exatamente o que aconteceu com uma moradora do Distrito da Guia, de apenas 37 anos. A defensora pública conta que a mulher já havia registrado boletim de ocorrência contra o marido, mas não foi protegida. "Esse é um entre muitos casos de feminicídio que já aconteceram. Foram impostas medidas protetivas, contudo a mulher foi morta com 17 facadas e em seguida o homem se suicidou" conta.

A presidente do CEDM aponta que , apesar do feminicído ser uma lei nova, a violência contra a mulher é algo enraizado na sociedade. Esse ano a presidente do conselho participou da validação do protocolo de feminicídio, para discutir como o tema será tratado em cada Estado. Segundo ela é importante trabalhar a reeducação do agressor para mudar a realidade. Ela defende que o homem tem que passar por um processo de conscientização do que é a mulher. 

Os desafios

Todos os órgãos, movimentos e entidades de proteção à mulher são unânimes em afirmar que apesar das leis de defesa, as mulheres ainda necessitam ver a efetividade. Além de políticas públicas, as mulheres precisam de segurança e de uma rede de apoio para denunciar os casos de violência doméstica antes que eles se tornem homicídios.

Para a superintendente de Políticas Públicas para as Mulheres, Isabel Silveira, toda lei que vem em proteção à mulher é um grande avanço. Mas ela não vem de maneira imediata. Isabel diz acreditar que a lei vem quando se tem um fracasso da cultura. "Se a cultura fosse de respeito à mulher não precisaríamos ter essa lei. Apesar da Lei Maria da Penha, de 2006, e a Lei do Feminicídio, as mulheres continuam morrendo" diz.

Quanto às vítimas de violência, Isabel Silveira afirma que a sociedade também precisa romper o atual pensamento. "As pessoas acabam pensando: essa mulher não presta, ela apanha e volta. Mas não é verdade, existem estudos que mostram uma síndrome da pessoa que é vítima de violência. Ela fica numa situação de dependência emocional, física e psicológica como se ela estivesse encarcerada" diz. 

Para a superintendente, a mulher não consegue ver saída da situação e acaba denunciando num momento de desespero. A Defensora explica que depois ela fica imaginando que é pai dos filhos e o homem também a culpa por estar destruindo o casamento. "Uma série de fatores a levam a ficar neste ciclo de ir e voltar, ir e voltar. Tanto que estamos criando uma rede de enfrentamento em todo Mato Grosso para romper este ciclo, porque sozinha a mulher não consegue vencer. Ela precisa de apoio psicológico, precisa da justiça, precisa de capacitação de trabalho, enfim, de uma rede para que o ciclo de violência não comece novamente” finaliza Isabel Silveira.

Realidade local

Segundo a delegada da Delegacia de Defesa da Mulher de Cuiabá, Jozirlethe Magalhães Criveletto, a violência doméstica acontece em todas as classes sociais e nas profissões diferenciadas. Contudo ela afirma o perfil de vítima da maioria das vítimas atendidas é de poder aquisitivo baixo. No caso do agressor, na maioria das vezes são pessoas com pouco grau de escolaridade. 

"Os casos mais atendidos são caso de violência doméstica e crimes sexuais, que infelizmente vêm aumentando. Mas dentro do âmbito da violência doméstica o que mais registramos é o crime de ameaça, seguido de lesão corporal", reforça a delegada.

Dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública apontam que de janeiro a setembro deste ano, 58 mulheres foram mortas no Estado. Em 2014, 94 mulheres morreram em Mato Grosso em 2013 foram 53 em todo o Estado.

Jorzilethe revela que, como profissional e como mulher, sente muito a falta de delegacias especializadas das mulheres. Em Mato Grosso, um estado com 141 municípios, são apenas seis delegacias de defesa da mulher. Apenas uma atende exclusivamente os casos, as outras atendem também os idosos e os adolescentes. Vale ressaltar que essas delegacias não atendem após as 18 horas e nem aos fins de semana. Para a delegada seria necessário pelo menos um plantão de gênero nas delegacias.

Mesmo diante de tantas deficiências, a delegada reforça que a mulher deve continuar denunciando os casos de violência. Ela enfatiza que além da delegacia, a mulher pode procurar uma Defensoria Pública, o Ministério Público, enfim, quem ela necessitar. “A mulher precisa se conscientizar que não é ela a causadora da violência. Ela é apenas uma vítima e precisa ir à busca de seus direitos” finaliza a delegada.

A Segurança Pública de Mato Grosso (SESP) aponta que no ano de 2013, Mato Grosso registrou 17.163 mil casos de violência de toda natureza contra a mulher. Em 2014, foram 15.231 casos, e até o primeiro semestre deste ano foram 15.194 crimes contra mulheres.

No município de Cuiabá em 2013 foram 5.616, em 2014 foram 4.251, e primeiro semestre de 2015, totalizam 4.887 casos registrados. Já em Várzea Grande, foram 1.682 casos de violência contra a mulher em 2013, 1483 crimes em 2014, e, 1528 registros no primeiro semestre de 2015.

Veja a reportagem na íntegra na edição 563.

 

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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