Cidades

Pronto Socorro Municipal de Cuiabá está em colapso

Foto: Andréa Lobo / Circuito MT

Mesmo sendo dita uma das ‘prioridades’ de todas as gestões tanto da capital quanto do Estado, a saúde tem sido o calcanhar-de-aquiles da sociedade. Em Cuiabá, um dos ‘símbolos’ do descaso por parte do poder público é o Pronto-Socorro (PSM). Com 30 anos de funcionamento, a principal unidade de saúde de Mato Grosso nunca recebeu obras de ampliação. Com isso, pacientes que precisam de internação são obrigados a se encaixar pelos corredores da unidade, além de enfrentar falta de medicamentos, de especialistas e de dignidade. A reportagem do CMT teve acesso aos aposentos do hospital e foram constatadas diversas falhas graves no setor.

Não é difícil perceber a superlotação da unidade. Logo na entrada, uma fila extensa é formada diariamente nas calçadas do PSM, por pacientes e acompanhantes que aguardam o atendimento necessário. E, ao entrar na unidade, um grande número de macas é posicionado pelos corredores, expondo pacientes com diversos tipos de patologias: seja com traumas ou outro tipo de doença.

A cozinheira Maria de Carvalho, 50, acompanha o esposo há mais de um mês no hospital, por conta de uma cirrose hepática que ele sofreu. Moradora do bairro Ribeirão do Lipa, Maria revelou que se sentia exausta com a rotina, mas que não tinha outra opção: “Aqui é muito calor. Eu já estou há mais de horas sem tomar banho, porque aqui não oferece um lugar para essas coisas. Tudo eu tive que trazer, até a cadeira pra sentar. E eu não posso sair de perto dele, porque a qualquer momento ele pode acordar e precisar da minha ajuda”, disse ela que, por vezes, afastava a cadeira de um lado para o outro para que as pessoas pudessem passar, uma vez que estava no final de um corredor.

Outro caso que chamou a atenção nos corredores da unidade foi o do eletricista Delson Magalhães de Lima, 48. Morador do bairro Tijucal, em Cuiabá, o homem se encontrava com o corpo parcialmente enfaixado e com a camisa ensanguentada, devido a um acidente automobilístico que havia sofrido há algumas horas. Ele, que estava há horas no aguardo de cirurgia, disse que estava impressionado com a falta de estrutura do local: “É a primeira vez que piso no Pronto-Socorro e estou abismado, porque pago os impostos certinho para ter este tipo de atendimento. Os médicos e os enfermeiros são bons, foram bem atenciosos, mas eu ficar aqui no corredor desse jeito é humilhante”, relatou o eletricista que estava com os dois braços quebrados e com parte da orelha arrancada.

Já uma dona de casa que não quis se identificar revelou que estava há mais de nove horas com o filho baleado nas nádegas nos corredores do hospital. O rapaz de 23 anos teria sido baleado por um suspeito, de moto, no bairro Pedra 90. A mãe estava ao lado dele na hora do crime.

“Depois que eles retiraram a bala [através de uma cirurgia de urgência], colocaram uma toalha dentro dele para conter o sangramento. Agora ele vai passar por mais uma cirurgia para a retirada dessa toalha. Eu estou muito preocupada com toda a situação, tanto com o que ocorreu que foi decorrente da falta de segurança no bairro, agora meu filho está exposto aqui nesse corredor porque não tem um quarto para que fique internado. É horrível ter de passar por isso”, desabafou.

Sem estrutura para o exercício

Além dos pacientes, servidores do Pronto-Socorro também sofrem com a falta de estrutura do local. Há relatos dando conta que profissionais são obrigados a descumprir as regras para tentar salvar a vida dos doentes que precisam de atendimento adequado. O diretor do PSM, Fabian Cuadal Navarro Magalhães, detalhou o “quadro de saúde” do hospital que definha com o passar dos anos.

Fabian salienta que há muito tempo a unidade, por si só, não está atendendo a demanda de pacientes que recebe, e que isso prejudica bastante o atendimento dos profissionais: “O sistema que funciona em Cuiabá não supre as necessidades da população. A gente tem a UPA em alguns poucos bairros e não dá conta da demanda. Com isso, o paciente vai para a policlínica ou outro, para resolver problemas que poderiam ser sanados em unidades básicas, por conta de falta de médicos, entre outros fatores”.

Ele analisa que, devido ao fato de o hospital ser um dos principais em Mato Grosso, o espaço acaba recebendo pacientes de outras cidades e até de outros Estados. No entanto, há carência de especialidades em diversas áreas, o que prejudica o tratamento necessário.

“A unidade não atende só Cuiabá. Atende Mato Grosso inteiro e às vezes vêm pacientes de outros Estados. Então, seria impossível você ver o Pronto-Socorro sem paciente no corredor. Qualquer horário que você vier vai ter paciente no corredor. E infelizmente no PSM é onde se tem a maior parte das especialidades. Então, tudo vem para cá. A estrutura é a mesma desde que inaugurou. E a população aumentou progressivamente, então não tem como suportar”.

O que Fabian declarou não passa de verdade. Segundo dados do IBGE, na década de 1970 Cuiabá tinha 100.860 habitantes. Atualmente a Capital de Mato Grosso registra 551.098 pessoas. Número que influenciou bruscamente na demanda de atendimento da principal unidade de saúde do Estado.

Com o número alto de pacientes, o hospital sofre também com a falta de especialidades. Com este problema, médicos da rede pública acabam se expondo a situações para tentar atender a quem aguarda por atendimento. Fabian explica que uma pessoa pode apresentar diversos diagnósticos que não correspondem ao quadro de profissionais que constam na unidade. Deste modo, o médico fica impedido de enviar o paciente para outra unidade, pois não há comprovação, o que pode ser fatal para a pessoa.

“Algumas vezes também a gente precisa fazer uma receita para o paciente ir comprar, porque no hospital não tem. E, na verdade, isso é até ilegal fazer. Porque se ele está dentro da unidade e o SUS é obrigado a oferecer saúde ao paciente, se a pessoa quiser processar o médico ela pode, porque ele receitou um medicamento para ser comprado. Só que é uma situação que, se o paciente não usar o medicamento, pode dar alguma complicação”, denuncia.

Promessas e mais promessas

Fechado desde 2011, o terceiro andar do PSM é uma das promessas do prefeito Mauro Mendes (PSB). Todavia, a população está na expectativa desde então. Com diversos atrasos, o espaço seria entregue em abril deste ano, mas, pelo que a própria reportagem pôde conferir, as reformas estão longe de serem concluídas.

“O terceiro andar é outro problema. É o andar que eles estavam reformando, que iria ter UTI pediátrica e tudo mais. A última vez que ouvi a promessa, a inauguração seria em abril, mas até hoje nada. Ninguém está mexendo na reforma que não está finalizada e não tem previsão mais para ser entregue”, disse Fabian.

Na ala pediátrica do hospital estão previstos para funcionar 10 leitos de UTI, sendo dois isolamentos; cinco leitos de semi-intensivo; 23 leitos de enfermaria – dentre estes, nove serão para lactentes; e mais dois leitos de isolamento na enfermaria.

O extrato do contrato com a empresa X Nova Fronteira Construções Ltda foi publicado no Diário Oficial de Contas no dia 12 de março deste ano, e a ordem de serviço foi autorizada pelo então secretário municipal de Saúde, Werley Peres, no mesmo mês. O valor do contrato para a reforma é de aproximadamente R$ 2,9 milhões.

Análise da gestão

Para o diretor do PSM, há falta de gestão por parte do poder público, seja municipal ou estadual. Ele ressalta que o problema não é a falta de recursos por parte do governo e, sim, ausência de estratégias efetivas para que a saúde seja de fato melhor para a população: “Eu acredito que é falta de gestão. Porque dinheiro tem. O município tem dinheiro, o Estado tem dinheiro e o Brasil tem dinheiro para a saúde. Se você souber gerenciar isso, você consegue melhorar muito. E, claro, fiscalizar para que haja eficiência nos serviços”.

Ele avalia como positiva a atuação do novo secretário Ary Soares de Souza Júnior, entretanto há muito que se fazer: “As promessas são boas. O secretário falou que iria melhorar, que não iria faltar medicação. Logo depois que ele assumiu, realmente deu uma melhorada na falta de medicamento, mas do mês passado para cá começou a haver falhas novamente; além de outros materiais”.

Sobre a demanda de pacientes, Fabian acredita que com o funcionamento dos dois hospitais, o atendimento da população tende a melhorar. E o PSM, que sofre com a superlotação, finalmente pode estar mais aliviado em se tratando de atendimentos: “Com a inauguração dos outros dois hospitais, pode haver o atendimento da demanda de pacientes que necessitam de internação. Talvez não supra só com a inauguração de um, que foi o São Benedito, porque o fluxo de gente é muito grande. E, claro, se não organizar o setor de pronto-atendimento, vai virar caos do mesmo jeito”.

Outro lado

A Prefeitura de Cuiabá encaminhou nota esclarecendo todas as falhas apontadas pela direção do hospital e comprovadas pela reportagem do CMT. Em um dos pontos relativos à superlotação da unidade, adianta que este problema só será resolvido com o funcionamento dos demais hospitais que ainda se encontram nas promessas, que são o Central e o São Benedito.

Por meio de assessoria, a Prefeitura justificou que a internação dos pacientes pelos corredores da unidade se dá pela falta de leitos e pelo grande número de acidentes, principalmente de motocicletas: “A fiscalização no cumprimento das metas dos hospitais contratualizados (para dar suporte aos pacientes do PSM), bem como o funcionamento da São Benedito são as medidas tomadas para melhorar”.

Para o funcionamento do Hospital São Benedito, inaugurado no final de abril, a Prefeitura aguarda o posicionamento da União quanto ao custeio da unidade. A assessoria afirmou que o local será de referência em alta complexidade em ortopedia, neurológica e cardiologia, e a internação será somente através do referenciamento via Central de Regulação.

Em relação às obras do terceiro andar da unidade, a Prefeitura relatou que o espaço é reformado por meio de medidas judiciais, ou seja, todos os procedimentos devem passar pela autorização da justiça. Deste modo, resultou na demora da entrega. No entanto, mais uma vez o órgão garantiu que as obras serão finalizadas no final deste semestre.

Sobre problemas de pagamento a servidores do hospital, a Prefeitura adianta que cada caso deve ser visto pontualmente, pois com o ponto eletrônico qualquer atraso, falta ou mesmo troca de plantões não comunicados configuram como inconsistência na folha e pode resultar em descontos.

O custo mensal do PSM está em torno de R$ 7,5 milhões por mês. No PSMC há cerca de 240 médicos entre contratados e concursados, fora os terceirizados. Pelo dimensionamento, não há previsão de aumento. “Se houver justificativa, o servidor deverá solicitar administrativamente a correção. Todas as unidades têm pelo menos um funcionário para cuidar dessas situações. A princípio não consta nenhum problema de atraso de pagamentos dos profissionais da saúde”, diz nota da Prefeitura.

Já sobre a questão dos medicamentos que faltam no Pronto-Socorro, salienta-se que o problema já está equacionado: “A secretaria possui uma padronização de medicamentos; se o médico solicitar alguma medicação fora da padronização, tem que justificar a sua aquisição. Não consta falta de nenhum remédio em nossos relatórios”.

Confira a reportagem na integra

Noelisa Andreola

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