Cidades

Pronto-Socorro de Varzea Grande: descaso e sofrimento

Foto Ahmad Jarrah

“A minha história não é diferente da história de ninguém aqui. Muda o nome, a doença, e tempo de internação… Mas as dificuldades, aqui dentro, são as mesmas para todo mundo”. Conta o jovem, que prefere não se identificar, e nem se alongar sobre a dolorosa fase em que a mãe enfrenta, há meses, por um problema pulmonar.

Exames somem. Macas são alojadas nos corredores. Profissionais de saúde exaustos que tratam pacientes com descaso. E toda uma estrutura precária. Assim se encontra o Pronto-Socorro de Várzea Grande.

Não é preciso muito para ver tudo isso. A reportagem do Circuito Mato Grosso foi in loco, ouvir os desabafos de acompanhantes e pacientes.

No pronto atendimento do local, mesmo sem superlotação, a espera é de três horas. Após a triagem os pacientes padecem em macas e cadeiras à espera de atendimento. A esposa do servidor público, Fábio Silva Santos, passaria a tarde gritando de dor caso o marido não fosse à coordenação do Hospital pedir por urgência.

“Minha esposa chegou com ânsia de vômito, dor de cabeça muito forte e náuseas. Mesmo assim, foi colocada na área verde, em que é menos priorizada. Com esses sintomas, pode ser um AVC. Eu precisei subir e falar com o responsável na administração, e expliquei que além da minha esposa, eu também estava com uma filha doente. Ali está um absurdo. A pessoa chega quase morrendo e eles colocam na área verde. Parece que não querem fazer o atendimento correto”, revela Fábio.

A filha de quatro anos do servidor também usou os serviços do Pronto Socorro, pois estava com sintomas de virose. Para Fábio, o problema está na má gestão do local. “Agora, minha esposa já foi atendida, e minha filha está sendo atendida. Mas teve que ter uma insistência da minha parte. Eu sei que não é culpa dos médicos, eles estão atendendo, isso é administração do local. Os médicos são bem atenciosos”.

E ainda revela que há descaso por parte das atendentes e enfermeiras que fazem a triagem. “Parecem que não fazem nenhum curso para atender as pessoas. Tratam com muito descaso”.

Dores abdominais, desmaios, febre, é o que mais se ouve falar na recepção do local. É o caso da dona de casa, Eliete da Silva Rosa, que foi ao hospital domingo à tarde (17), e teve que retornar na terça-feira (19) após fortes dores abdominais. Segunda a paciente, os médicos suspeitam de pedra na vesícula, mas nada foi feito.

“Não me examinaram direito. Pediram um exame, para eu fica em fila de espera. Eu estou com muita dor, deveria ter feito esse exame aqui mesmo, na hora, não acha? A minha barriga está inchada, dura. Não consigo comer, nem fazer meus serviços de casa” revela.

“Eles não deveriam ter me liberado. A dor passa, você vai embora, e chega em casa e a dor volta. Mesmo com os medicamentos prescritos, a dor não para”, reclama.

A filha de Sebastiana Maria de Jesus foi ao pronto atendimento com medo de ter adquirido dengue. Rapidamente passou pela triagem, contudo, a espera a partir dali “só Deus sabe quando sairemos daqui”, disse Sebastiana.

“Aqui demora. É bom vir com tempo. Independente do que você venha fazer aqui demora demais. As enfermeiras atendem a gente parece que com pouco caso. Não prestam atenção no que fazem”, afirma.

Em meio ao descaso, uma alegria. A menina Yasmin Victoria nasceu na tarde da terça-feira (19) de parto cesariana. O pai, Emerson Medeiros, diz que a menina é um presente para a família e que a mulher passa bem e deve ter alta nos próximos dias.

INTERNAÇÃO

Enquanto no pronto-atendimento do Pronto Socorro as pessoas aguardam por atendimento para descobrirem a causa de seus desconfortos, na ala de internações elas aguardam por cirurgias e exames. Pedidos de exames que muitas vezes desaparecem no amontoado de papéis do hospital.

A mãe de operadora de caixa, Esmeraldina Monteiro, aos 85 anos aguarda por uma cirurgia no rim.  “É uma cirurgia de risco, mas não pode fazer devido ao rim dela estar muito inchado. Ela está há duas semanas aqui, pede exames para fazer o risco cirúrgico. Perderam o papel com o pedido dos raios-x, perderam o papel para tirar o eletrocardiograma, agora estou correndo atrás para ver se consigo algo”. A acompanhante não vê outra saída a não ser meios judiciais para que a mãe tenha condições de fazer cirurgia.

“O hospital está lotado, está horrível ficar aqui. Não tem como descrever como está lá dentro”, conta.

“Quando chegamos aqui, a minha mãe ficou em uma maca no corredor. Como uma idosa de 85 anos fica no corredor de um hospital? E após a imprensa vir aqui, e eu contar a história dela, na mesma hora surgiu um quarto para ela”

Para os acompanhantes, o desgaste emocional também é grande. A cadeira na qual dormem tem que ser trazida de casa. “Se você não trouxer cadeira de fio, você dorme em qualquer cadeira que estiver lá, e se não tiver cadeira, você fica sentado na beira da cama, junto com o paciente”.

Esmeraldina conta que houve semana que vários medicamentos e suprimentos faltaram. “Houve uma semana que nem escalpe tinha. Eu tive que comprar um escalpe de criança para minha mãe. Eles queriam colocar aquele [escalpe] grosso, e por ela ter 85 anos, se colocar estoura a veia dela na hora.”, expõe a filha.

Muitas vezes, Esmeraldina precisou desempenhar trabalho de profissionais de saúde para que a mãe tivesse um tratamento com mais dignidade. “Quando eu estava no corredor, eu que fazia o papel de enfermeira”.

“E esse atendimento, sempre foi precário. Sempre horrível. Mau atendimento. Tem enfermeira que é ignorante, que são grossos com você. Você pede calma para elas, quando estão ‘furando’(sic) o paciente, e elas dizem ‘tá doente. Tem que tomar, mesmo’”, denuncia.

Além do descaso, e das atrocidades vistas em um dos momentos mais delicados da vida, que é cuidar de um ente, os acompanhantes ainda ficam expostos a doenças virais. “Na semana passada, eu dormi com a minha mãe e acordei com 39 graus de febre. Fiz os exames e acusou apenas que eu estava com a plaqueta muito baixa. Tem gente com dengue, com H1N1”.

E quanto aos médicos: “se achar é uma raridade”.

FOCO AEDES AEGYPTI

Em meio ao surto de doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti como dengue, vírus zika e febre chikungunya em Mato Grosso, os visitantes do Pronto-Socorro de Várzea Grande devem tomar cuidado redobrado.

Isso porque, ao lado da ala de internação do hospital uma grande vala acumula água parada e se tornou um grande criadouro do mosquito. E de nada adianta a propaganda exaustiva do Estado para que os cidadãos cuidem dos quintais e terrenos baldios se, em um local que trata da saúde, não há os mesmo cuidados.

Segundo dados da Secretária de Saúde do Estado, apenas em 2016 Mato Grosso teve 18.543 de vírus zika, 988 de febre chikungunya e 19.714 casos de dengue. Sendo que a Dengue teve aumento considerado no número de casos nos dois primeiros meses do ano. Em janeiro de 2015, 1713 casos, contra 8127 este ano.

Em Várzea Grande, segundo dados do Sistema Nacional de Informação (Sinan), até o mês de março foram notificados no município 1.516 casos de zika vírus, 221 casos de dengue e quatro casos de febre chikungunya.

A preocupação maior é que, em pacientes com doenças pré-existentes, como no caso da mãe da Esmeraldina, a dengue pode ser fatal.

OUTRO LADO

Segundo a Secretaria de Saúde de Várzea grande, a demora no atendimento se dá por que o Pronto-Socorro Municipal atende de “portas-abertas” diferente do que é realizado em Cuiabá, em que é realizada uma triagem inicial nos postos de saúde, e só assim, encaminhados para unidades secundárias e terciárias. Há ainda uma demanda vinda de Cuiabá, após a paralisação dos médicos do município.

Ainda de acordo com a Secretária, mesmo com estrutura precária, nenhum paciente fica sem atendimento. “A atual estrutura física do Pronto Socorro Municipal de Várzea Grande é da década de 80 e foi concebida para atender a uma demanda inicial da ordem de 300 pacientes/dia. Com o passar dos anos e diversas reformas, essa capacidade foi dobrada. A média das últimas semanas nos atendimentos realizados pelo Pronto Socorro de Várzea Grande está atingindo mais de 1,1 mil procedimentos médicos/dia”.

Sobre o poço de água que funciona como criador do mosquito da dengue, a secretária justifica que há obras sendo realizadas para melhoria de todo o Pronto Socorro, “e o excesso nos atendimentos acabam provocando outros transtornos como a questão das caixas de esgotamento de águas pluviais, mas está sendo realizado o monitoramento de todas elas para não se tornarem foco de insetos transmissores de doenças, enquanto perdurarem as obras de todas as alas da unidade médica”.

Ainda em nota, diz que “Para dificultar ainda mais a situação, desde maio passado quando a nova gestão assumiu a administração municipal em Várzea Grande, iniciou-se uma reforma geral do Pronto Socorro de Várzea Grande que está sendo feito por alas, sendo que no próximo sábado (23) será realizada a inauguração da segunda ala. As reformas estruturais e mais de R$ 5 milhões, em novos equipamentos adquiridos pela atual administração, sem a paralisação das atividades de atendimento acabam acarretando estresse tanto por parte de quem realiza os procedimentos médicos diante do aumento do volume de pacientes e também dos próprios pacientes que na medida do possível estão todos sendo atendidos”.

A Prefeitura Municipal de Várzea Grande também realizará neste fim de semana (23 e 24 de abril) provas do Processo Seletivo Simplificado para a contratação de pessoal por tempo determinado para as áreas de saúde, educação, social e administrativo. Contudo, alega que não existe falta de profissionais médicos nas unidades de saúde em Várzea Grande.

Veja reportagem no jornal impresso

Cintia Borges

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