Tem gente que vê um restaurante vazio e fecha as portas. Tem quem veja o mesmo restaurante vazio, uma pandemia batendo à porta e um bairro inteiro prestes a passar fome e decida abrir as janelas da cozinha para o mundo. Foi mais ou menos assim que nasceu o projeto Quebrada Alimentada, pelas mãos (e corações) de Adriana Salay e Rodrigo Oliveira, casal que não foge da luta nem do fogão.
Ela, historiadora da fome, professora da USP e ativista desde que entende o mundo. Ele, chef do premiado restaurante Mocotó, herdeiro de uma tradição nordestina que começou em 1973 com seu pai, o cearense José de Almeida, na Vila Medeiros, periferia da zona norte de São Paulo. Juntos, criaram uma das iniciativas sociais mais potentes da gastronomia brasileira nos últimos anos. E por isso, foram homenageados pelo Prêmio Paladar 2025, na trilha Honra ao Mérito, na categoria Cozinha Social.
Março de 2020. Tese recém-qualificada, pandemia estourando, o restaurante fechado por precaução. E a Vila Medeiros, como tantas outras periferias do Brasil, sob o espectro da fome. No dia seguinte ao fechamento do Mocotó, a cozinha já fervia: nascia ali a primeira leva de marmitas da Quebrada Alimentada.
De lá pra cá, foram mais de 100 mil refeições servidas. A comida? Aquela que se serve com respeito: a mesma que vai para a equipe do restaurante. De verdade, com tempero, afeto e propósito.
No início, as marmitas eram distribuídas para famílias cadastradas em um centro de acolhimento para crianças e adolescentes do bairro. Mas bastou uma foto viralizar nas redes sociais para a fila crescer. E, junto com ela, vieram as doações: de ingredientes parados, de cozinhas fechadas, de mãos estendidas. O que era provisório virou rede, virou ação contínua. E virou inspiração.
Hoje, além das 400 famílias atendidas diariamente com marmitas, o projeto também distribui cestas básicas mensalmente para cerca de 260 famílias da região. E mais: ganhou musculatura e expandiu suas ações para além da Vila Medeiros.
Na Ocupação Viva Jardim Julieta, o Quebrada Alimentada, com apoio de parceiros como o MTST, o Instituto Capim Santo e o Instituto Bia Rabinovich, montou uma Cozinha Solidária que distribui cerca de 350 refeições por dia, além de oferecer formação profissional na área da gastronomia para moradores da comunidade. A meta? Chegar a 500. E seguir crescendo.