Está em tramitação na Assembleia Legislativa de Mato Grosso o projeto de lei 1.186/2021, que estabelece a obrigatoriedade de contratação de cantores, instrumentistas, bandas ou conjuntos musicais locais para a realização de shows, eventos culturais e apresentações musicais de qualquer gênero, financiados por recursos públicos.
Apresentado pela deputada estadual Janaina Riva (MDB), o projeto recebeu parecer favorável da Comissão de Trabalho e Administração Pública e foi aprovado em primeira votação. Agora, segue para análise da Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR).
Na justificativa apresentada junto ao projeto, a parlamentar afirma que “o poder público deve garantir a preservação da multiplicidade de manifestações musicais existentes no estado” e que o intuito da proposta é “oferecer mecanismo que garanta espaço para a diversidade da produção musical mato-grossense”.
Pontua ainda que os músicos, compositores e intérpretes ainda não consagrados, especialmente os que vivem longe dos grandes centros urbanos, encontram pouco ou nenhum espaço na mídia e, por consequência, têm visibilidade restrita, dificultando a conquista de patrocínios por parte de grandes empresas.
“É uma forma de valorizarmos quem é daqui, a história daqui, os líderes daqui, fazer referência a essas pessoas. Atualmente não há obrigatoriedade em relação à forma de aplicar esse recurso. Com esse projeto, a gente quer deixar o dinheiro da cultura de Mato Grosso, para quem é de Mato Grosso, para a história de Mato Grosso. É um passo muito importante para o nosso estado investir no que é daqui, valorizar o que é nosso”, explica.
Conforme texto do projeto, os artistas locais deverão estar devidamente cadastrados na Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer, os quais farão parte de uma lista a ser divulgada no site do governo do Estado de Mato Grosso.
Caso seja aprovada e sancionada, a fiscalização da lei caberá ao órgão responsável pela concessão do financiamento, conforme a regulamentação, e seu descumprimento implicará a devolução integral dos recursos públicos recebidos.
A contratação de artistas musicais com recursos públicos tem sido alvo de investigações em todo o país. A chamada “CPI do Sertanejo” teve início após declaração polêmica feita pelo cantor Zé Neto, da dupla com Cristiano, durante uma apresentação no município de Sorriso, interior de Mato Grosso, em que criticou a Lei Rouanet.
Em algumas cidades, apurou-se que os recursos destinados ao pagamento dos shows superam os investimentos em áreas como saúde e educação.
Wellington Berê, presidente do Conselho Regional da Ordem dos Músicos do Brasil em Mato Grosso, destaca os custos necessários para o desenvolvimento de uma produção musical, como de aquisição e manutenção de instrumentos e equipamentos, aluguel de estúdio, entre outros, bem como as dificuldades enfrentadas por artistas locais.
“Custa caro investir em uma produção artística musical e, quando você tem uma economia em uma situação melhor, é mais fácil viabilizar os recursos por meio de investidores e patrocínios privados. Com a crise econômica, o investidor privado acaba pisando no freio, porque precisa enxugar os custos com os seus negócios, então dificulta muito conseguir esse tipo de patrocínio. Aí o artista acaba recorrendo aos recursos públicos nesses projetos e editais de incentivo à cultura”, explica.
Em sua avaliação, a proposta apresentada por Janaina Riva é positiva, principalmente porque contribui para a economia local, uma vez que os recursos se mantêm no estado.
“Esses recursos muitas vezes são direcionados para custear uma banda caríssima de fora, que vem aqui um único dia e volta para a sua região. Quando você investe em um artista regional, esse recurso é pulverizado na economia local, pois os artistas vivem aqui, pagam impostos e reinvestem esse dinheiro aqui”, frisa.
Henrique Maluf, músico, produtor cultural e pesquisador, reforça as dificuldades vivenciadas por músicos regionais para encontrar espaços até mesmo em eventos de pequeno porte e classifica o projeto em tramitação na ALMT como positivo, no entanto destaca a necessidade de desburocratização do processo de contratação dos artistas.
“Eu tenho CNPJ, um instituto, uma associação parceira, então eu consigo prestar serviços artísticos. Mas quando a gente joga essa realidade para a periferia, é diferente. Eu conheço inúmeros músicos e artistas que têm acesso zero a essas políticas públicas culturais, então a gente precisa realmente desburocratizar isso e trazê-los para dentro dessas ações. Existem milhares de famílias que tiram seu sustento disso, então quanto mais a gente dinamizar esse acesso, é muito mais saúde, muito mais comida, muito mais equilíbrio social”, avalia.