Medicina, fisioterapia, direito, veterinária e educação física são alguns dos cursos citados por meninas entre 13 e 17 anos sobre a vontade de entrar na faculdade, mas não se esquecendo do sonho de serem grandes jogadoras de futsal e futebol de campo. São 22 meninas e 40 meninos em situação de vulnerabilidade social, que participam do projeto “Futsal sem Drogas”, no bairro Cristo Rei, em Várzea Grande.
Há oito anos, Wanderlei Benedito Souza, autônomo, percebeu a necessidade de criar algum projeto que buscasse resgatar as crianças que estavam tendo acesso cada vez mais facilitado ao mundo das drogas.
“Foi uma necessidade! Nós sentimos que as crianças estavam vulneráveis ao tráfico e começamos a ver que podíamos perder as crianças”, conta Wanderlei.
As aulas acontecem na quadra poliesportiva da Escola Estadual Deputado Salim Nadaf e o curso é quase gratuito. A única forma de pagamento são o bom comportamento e a boa nota escolar. Se algumas dessas imposições forem quebradas, a criança é afastada do projeto, mas é feito todo um esforço para que permaneçam.
Além do futsal, há aulas de handebol e futuramente terá jiu jitsu. Podem participar crianças entre 9 e 16 anos.
O “Futsal sem Drogas” é aberto para o público em geral. No caso das meninas, a maioria mora muito longe do Cristo Rei, mas pelo menos duas vezes por semana elas se reúnem para treinar. Para se locomover, Wanderlei paga com dinheiro do próprio bolso as passagens de ônibus de algumas e outras crianças ganharam bicicleta para usar enquanto frequentarem o projeto. Fora isso, é cada um por si.
Diante da realidade e da presença das drogas na vida de vários conhecidos das crianças, Wanderlei compartilha que em 2016 três delas saíram do projeto, 2017 mais duas e em 2018 mais uma. O projeto perdeu essas crianças para o tráfico de drogas. Mas este ano, 2019, eles conseguiram recuperar uma dessas seis.
“É uma luta entre família, alunos… A gente tenta recuperar a autoconfiança da criança e explicar os benefícios do esporte”, diz sobre a reconquista de um aluno para o projeto.
“Muitos deles querem, nós já notamos, sair da área de risco para conseguir um contrato bom e salvar a família”, observa o técnico. Todavia, Wanderlei desabafa que há pouca interação com as famílias ali. Várias não procuram saber como o filho está e o que realmente está fazendo ali. “Hoje aqui, era para ter pelo menos uns cinco pais observando”. Não tinha nenhum.
O técnico diz que muitas vezes já agiu como psicólogo. As crianças chegam e compartilham suas dores e problemas familiares. Pais que vivem discutindo, pais que agridem suas esposas, alcoolismo, drogas. Wanderlei conta que já foi ameaçado e sofreu tentativa de ataque por parte de pais.
Sobre premiações, a principal conquista do “Futsal sem Drogas” foi representar Mato Grosso em um Campeonato Brasileiro, em 2017, na cidade de Natal (RN).
Os times já foram campões estudantis, regionais, estaduais, entre outros.
“Nós já tivemos várias conquistas, mas a principal delas é a criança não se envolver com drogas. A gente tenta lutar, mostrar que é possível eles terem um sonho, lutar e trabalhar por esse sonho. O sonho não é só o troféu, mas o amanhã.
Roda de meninas
“Eles falam que somos sapatão, vamos virar sapatão, que vamos nos machucar…”. “Dizem você não consegue, você é muito fraca…”. “Menina também joga bola”. Essas são palavras de meninas que tem idades entre 13 e 17 anos e que participam do “Futsal sem Drogas” há pelo menos dois anos cada.
Ali é unânime. A maioria está ali porque gosta muito de jogar bola. Todas de Várzea Grande, mas muitas moram longe. “Se a gente não gostasse não viria de tão longe. O projeto é no Cristo Rei, mas algumas moram nos bairros Alameda, Jardim Marajoara, Noise Curvo, Princesinha do Sol, Jardim das Oliveiras, entre muitos outros da cidade.
Wanderlei conta que as meninas são as mais dedicadas do projeto e que a inspiração de muitas delas é a jogadora Marta, que já foi escolhida seis vezes como a melhor futebolista do mundo. “Tem muitas mulheres que jogam melhor do que os homens, mas não são levadas a sério por serem mulheres”, reclama uma das meninas.
Elas relatam que entre os amigos meninos há os que as convidam para jogar bola, mas sempre tem outra parte do grupo masculino que não deixa e as tentam rebaixar chamando-as de fracas.
“É chato, a gente fica triste, com raiva, mas aí eu vou fazer o que? Não vou jogar, eles são muito machistas”.
Elas falam muito sobre o apoio por parte das próprias mães. Os pais se mostram ausentes na vida delas.
“O que me motiva é ver a gurizada driblando e eu chego e não consigo fazer. Mas, ai eu fico pensando ‘eu vou fazer, eu vou fazer, eu vou fazer’ e isso vai dando mais vontade. Eu começo a treinar e quando chego lá e faço um drible a gurizada fica ‘A, olha para você, é menina…’”, compartilha uma delas.
Quando questionadas sobre seus sentimentos a respeito das situações como a descrita acima uma delas simplesmente responde: “Superior”.