Política

Projeto de abuso de autoridade aquece discussões no mundo jurídico

Aprovado pela Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado Federal, o projeto anticorrupção, juntamente com a atualização da “lei de abuso de autoridade”, virou alvo de manifestações e discordâncias entre advogados, juízes, promotores e associações de classes. Enquanto a classe afirma de forma quase unânime que a referida lei, que data do ano de 1965, precisa de atualização, a mesma unanimidade não é encontrada quando o assunto é o momento em que ela é discutida.

Para o presidente da Associação Mato-grossense de Magistrados (Amam), José de Arimatéia, é preciso discutir melhor o projeto nas comissões, além de ouvir a sociedade e os interessados. Ele também afirma que há “intenções inconfessáveis” por trás da proposta, mas que a criminalização do abuso de autoridade “não assusta a magistratura”, pois a lei de abuso de autoridade do ano de 1965 é “até mais abrangente do que a atual”.

O magistrado acredita que se o projeto for bem debatido, bem discutido na forma como deve ser no parlamento, não vai trazer prejuízos nenhum para a magistratura. “Você vê naquele debate do Sérgio Moro no Senado, se dependesse do senador Lindbergh Farias o juiz Moro já estava preso por abuso de autoridade, isso bem indica qual é a intenção neste momento”, explicou.

Já o advogado Eduardo Mahon argumenta que na lei de abuso de autoridade, promulgada pelo então presidente Castelo Branco, não tem eficácia no mundo jurídico por que o tipo “abuso de autoridade é muito limitado e já foi superada pela modernização do judiciário”. Mahon elenca ainda o “corporativismo das próprias instituições responsáveis pela acusação e julgamento” como fator de ineficácia da lei.

O que está acontecendo na prática, contextualiza Mahon, seria o vazamento de informações, denúncias absolutamente abusivas e excessivas, excessos de prazo injustificáveis, além de proibições para progressão de regime. “A recalcitrância é um negócio incrível, a teimosia do judiciário em conceder acesso aos autos aos advogados, a limitação da manifestação em audiências, quer dizer, todas essas questões são do dia a dia do advogado, do promotor, do procurador”, afirma Mahon, que diz ainda que são “recorrentes” os casos de abuso de autoridade.

Durante palestra realizada em Cuiabá, o juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, criticou o fato de os deputados terem suprimido a maioria das medidas propostas pelo MPF, como a criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos e a recuperação do lucro derivado do crime. Ele ainda criticou a falta de objetividade do texto.

“Várias outras coisas que não eram tão polêmicas como a criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos, ampliação das possibilidades de confisco do produto do crime, regras que evitavam prescrição, tudo isso foi rejeitado. Por outro lado, inseriram, numa emenda da meia noite, um crime. Nem sei direito se é de responsabilidade ou de abuso de autoridade, tecnicamente ficou ruim também”, argumentou o juiz federal Sergio Moro durante palestra.

Deputado defende atualização da lei de abuso de autoridade

Para o deputado federal por Mato Grosso Adilton Sachetti (PSB), o projeto se faz necessário há muito tempo e que não existe momento adequado para se discutir, pois sempre haverá situações de enfrentamento e tem que se tomar uma decisão. Ele ainda disse que o projeto de lei não tem nada a ver com uma possível retaliação às operações de combate a corrupção.

“Nós temos que entender que tem coisas que precisam ser colocadas para a sociedade, não interessa a hora que ela vê isso. Já está na hora de criar uma regra única para todo mundo. Não é contra um servidor do Ministério Público ou do Judiciário, é contra esse corporativismo que temos hoje”, argumenta Sachetti.

Para o deputado, tudo que está na lei já era previsto pela Constituição Federal e nas leis que regem a magistratura, e que elas foram apenas agrupadas numa só lei. O deputado afirma ainda que se a população quiser discutir a vida política do país é preciso se aprofundar nas discussões e “debruçar em cima dos textos e estudar as medidas”.

Sachetti acha ainda que este é o momento adequado de se fazer a discussão. “A cada dia vão entrar temas mais espinhosos em debate. O que tem que haver é uma maior participação da sociedade, se ela quer efetivamente participar das discussões ela tem que aprofundar o conhecimento a ser discutido”, afirma.

Ele ainda critica o discurso do Ministério Público Federal em afirmar que o projeto é de iniciativa popular, enquanto ele é de iniciativa do próprio MPF e conta com o apoio de mais de dois milhões de brasileiros. Para ele o projeto assinado pela população e o encaminhado pelo MPF são duas propostas diferentes, pois no projeto de 126 páginas, tinha coisas “que ferem o direito individual, como a retirada do habeas corpus, criação oficial do pagamento do dedo duro e a criação dos conselhos de idoneidade”.  

Seis representantes de Mato Grosso na Câmara dos Deputados votaram favoráveis à emenda proposta pelo PDT, que prevê punições a juízes e promotores por crimes de responsabilidade. Apenas o deputado Nilson Leitão foi contra a proposta.  Ao todo, sete deputados de Mato Grosso estavam em plenário. São eles: Ságuas Moraes (PT), Adilton Sachetti (PSB), José Augusto Curvo “Tampinha” (PSD), Valtenir Pereira (PMDB), Carlos Bezerra (PMDB), Ezequiel Fonseca (PDT) e Nilson Leitão (PSDB).

Promotor diz que Câmara ‘traiu’ os anseios populares

De acordo com o Promotor de Justiça e membro auxiliar da Corregedoria Nacional do ministério Público, Fabio Galindo, a Câmara dos Deputados perdeu uma grande oportunidade de entrar em sintonia com os anseios populares e reproduzir a vibração das ruas na atividade parlamentar. De acordo com Galindo, caso o projeto seja aprovado, no outro dia serão ajuizadas Ações Direta de Inconstitucionalidade (Adin). Galindo disse que toda ou grande parte da lei é inconstitucional e que o Supremo vai fazer uma “mutilação” do projeto.

Galindo observa que os partidos políticos e a Procuradoria Geral vão questionar lá no Supremo, e o Supremo vai dar um recado e o promotor diz ter certeza absoluta de que vai recortar todas as inconstitucionalidades do projeto. O prejuízo, segundo ele, é no aspecto de intimidar o Ministério Público e Poder Judiciário, em um novo tempo da república que se abre com uma nova postura de enfrentamento à corrupção. “Uma lei muito ampla pode sinalizar uma ameaça silenciosa a este ímpeto dos promotores e juízes que fazem combate à corrupção”, argumenta.

Galindo afirma ainda que a Câmara transformou um projeto de combate à corrupção em incentivo à corrupção, pois além de segurar as medidas que fariam um cerco à corrupção, eles inseriram medidas que fragilizam o combate, havendo um desvirtuamento completo do objetivo do projeto. 

“Eu sou visceralmente contra esse projeto por dois motivos básicos. O primeiro é o momento em que é discutido. Momento em que há um avanço muito forte contra a corrupção na cúpula do poder político nacional. Começa a se discutir esse tema não para regulamentar, mas para tentar intimidar juízes e promotores que trabalham com independência”, pontua.

O segundo momento apontado pelo promotor é a forma muito ampla como o texto foi redigido, permitindo qualquer interpretação, o que por si só já vai gerar intimidação. “A redação penal é sempre uma redação clara e objetiva. E da forma que está é contrário a todas as lições de direito penal dos últimos 100 anos”, completa.

“Quem cumpre a lei não deve se preocupar”

Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Mato Grosso (OAB/MT), Leonardo Campos, os que afirmam que o projeto seria uma retaliação às operações de combate à corrupção estão surfando em ondas que não a da “transparência, da realidade e da honestidade”. Para Leonardo, os magistrados podem se tranquilizar, pois a lei está visando coibir abusos de juízes e magistrados.

Campos frisa que quem cumpre sua função de acordo com sua respectiva lei orgânica ou de acordo com o que diz a Constituição Federal não precisará ter qualquer receio de punição. “Nós não queremos em hipótese alguma tirar a autonomia e independência do Poder Judiciário e do Ministério Público, que continuarão tendo. Agora nós precisamos rever a lei de abuso de autoridade, ela é de 1965, a lei serve para reger situações de acordo com os tempos atuais, hoje a sociedade é outra, a forma de se distribuir justiça é outra, então nós precisamos, sim, de uma revisão da lei de abuso de autoridade”, explicou o presidente da OAB/MT, Leonardo Campos.

Leonardo ainda critica algumas propostas do Ministério Público Federal que não foram aceitas pelos deputados, mas que algumas medidas são apoiadas pela Ordem, com exceção a restrição do Habeas Corpus (HC), a utilização de provas ilícitas, mesmo quando adquiridas de boa fé, e diz que a criação dos conselhos de idoneidade não merece nem comentários. Para ele as medidas precisam estar em consonância com os preceitos constitucionais.

E finaliza ressaltando que essa discussão é exatamente “surfar em ondas” que não a da realidade e não da lealdade de alguns membros do Ministério Público, que estariam pregando para a sociedade o que não seria condizente com a importância do órgão.

 “Nós continuaremos a ter operações, nós continuaremos a ter autonomia na Polícia Federal para investigar, do Ministério Público para denunciar e do Judiciário para julgar. Então eu não posso conceber esse debate baixo e raso; a sociedade brasileira nos atuais tempos espera um debate mais aprofundando”, encerra.

Felipe Leonel

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