“Não é fácil ser professor nos dias atuais. Os alunos, hoje, estão tecnológicos e nós professores, muitas vezes, estamos parados no tempo. A tecnologia nos engole, essa é a verdade, e eu me vi nessa situação”, confessa a professora da rede estadual de ensino de Mato Grosso, Sirlei Rodrigues Lopes.
Professora de uma sala anexa, ou seja, uma estrutura construída dentro de uma escola municipal, que fica distante cerca de 80 Km da sede da escola em Rondonópolis (202 Km de Cuiabá), no Distrito de Boa Vista, Sirlei precisa se adaptar às necessidades de seus alunos que são moradores da zona rural e, em sua maioria, são carentes.
A professora conta que muitos de seus alunos não tem um bom acesso à internet, ela encaminha seu material de aula através do WhatsApp, com antecedência, e eles dão retorno quando podem.
“A tecnologia, hoje, não está à disposição de todos os nossos alunos, infelizmente, essa é a realidade. Uma casa pode ter dois ou três celulares, mas ele trabalha com dados móveis. Dependendo da quantidade de dados móveis que ele usa, pode não chegar a 15 dias estudando, ele precisa de um Wi-Fi”, comenta Sirlei.
Para conseguir realizar seu trabalho, a professora busca ficar à disposição a dia, a hora e o momento em que seus alunos podem.
“Só assim eu consigo atender o meu aluno. Eu recebo mensagem meia noite, uma hora da manhã e eles ainda falam ‘desculpa professora, mas só agora que eu tenho internet’ e isso dói, dói muito. Mesmo assim eu corrijo, eu devolvo e a gente tem essa ligação entre professor e aluno todos os dias, sábado, domingo e no decorrer da semana”, compartilha a professora.
Educação física online
Foi em um supermercado que Josivânia Késia da Silva, professora de educação física da Escola Estadual Tarsila do Amaral, na cidade de Colniza (1.060 km de Cuiabá), começou a gravar, com seu celular, vídeos com dicas de alimentação saudável para encaminhar aos seus alunos e incentivar uma boa qualidade de vida.
“Me despertou esse desejo de fazer algo diferente e resolvi inovar, estamos na era digital. Comecei gravando vídeos no supermercado, falando sobre alimentação saudável, e gravei com algumas alunas em uma academia para que os alunos soubessem que é possível se exercitar”, explica Josivânia.
Ao compartilhar seus vídeos no WhatsApp e na plataforma Google ClassRoom, a professora apresenta aos seus alunos a importância da atividade física, desde um simples alongamento inserido na rotina diária, até a alimentação saudável.
“Se você aprender desde cedo a ter uma boa alimentação, se movimentar, incluir atividades físicas no seu cotidiano, com certeza você terá uma boa qualidade de vida. Então, vamos usar a tecnologia a nosso favor”, defende a professora.
Inclusão tecnológica “jogada”
Fernando Lirr Rosique Pederiva é professor de biologia, em uma escola em Várzea Grande e seu primeiro ano de trabalho foi justamente 2020, período em que se iniciou a pandemia da Covid-19.
Professor do ensino médio, mesmo no centro de uma cidade localizada na Grande Cuiabá, Fernando relata que teve muitos alunos que não tinham acesso à internet ou até mesmo não tinham um celular, logo não puderam participar das aulas.
“Do meu ponto de vista a tecnologia foi incluída de uma forma ‘jogada’. Fizeram levantamentos sobre quais alunos tinham acesso a celular, computador e notebook e se tinha acesso à internet em casa, Wi-Fi ou dados móveis. Fizeram o mesmo com os professores e em seguida a Seduc (Secretaria de Estado de Educação) nos disse que a Microsoft deixaria que as escolas brasileiras tivessem acesso a plataforma Microsoft Teams gratuitamente, isso para alunos e professores, e foi ai que parte da dificuldade da pandemia começou”, explica o professor.
O profissional explica que a Seduc havia informado que os professores teriam acesso a um curso que os adaptaria ao cenário pandêmico de home office e aulas online, mas o curso de formação demorou para começar e, quando aconteceu, coincidia com os horários de aula, o que, de acordo com Fernando, não ajudou.
“Era para nós aprendermos a mexer com tecnologia do ensino híbrido e aprender a usar o teams, mas tinha profissionais que não sabiam nem usar o WhatsApp. Tínhamos que nos comunicar pelo whats com a gestão escolar, com os outros professores e com os alunos e ainda usar o teams. Logo tínhamos 10 ou mais grupos no WhatsApp para lidar e o teams que é uma plataforma super pesada, nem todo professor tinha um computador que suportava o programa/app e nem internet de boa qualidade, que é algo que já não temos aqui no estado”.
Fernando aponta que havia várias falhas que a Secretaria de Estado de Educação poderia ter resolvido antes do início das aulas, em agosto de 2020, que poderia ter facilitado tanto para os alunos, quanto para os professores. Ambos os lados sofriam com dificuldades com a internet e com as plataformas utilizadas.
“A minha felicidade era dar as aulas aos meus alunos. O difícil era lidar com as reuniões e exigências da Seduc. Fazer meu papel de professor foi tranquilo. Preparar as aulas, gravar, mandar aos alunos e dialogar com eles nas aulas era a melhor parte do meu dia. Eu optei por usar o WhatsApp para as aulas, pois em algumas companhias de telefone o uso não é cobrado do pacote de dados, então facilitava para os meus estudantes”.
Mesmo a pasta sendo contra e defender que o comportamento era antiprofissional e antiético, Fernando modificou seus métodos didáticos e interage com seus alunos através de figurinhas, pergunta como todos estão, manda música para que eles possam relaxar, enquanto ele encaminha seus pedidos ao grupo da turma.
“Como que você se comunica com adolescentes? Falando a língua deles, certo? Como que eles se comunicam hoje em dia? Com memes, emojis e figurinhas. Eu pedia para eles reagirem aos vídeos que eu mandava como eles queriam e figurinhas era o que mais aparecia. Isso me ajudava a ver como eles estavam também. Se vinham muitas figurinhas ou emojis com cara de exaustão, confusão, eu sabia que tinha que mandar menos vídeos por aula e explicar o conteúdo de outra forma”.
Para aplicar seu conteúdo e criar um vínculo com seus alunos, Fernando utiliza de animes, histórias em quadrinhos, entre outros vídeos e brincadeiras que ajudam a criar teorias, debater e compreender o conteúdo cientifico.
“A minha maior dificuldade era lidar com os outros profissionais, a Seduc e lidar com a minha ansiedade. Eu já dei aula com crise de ansiedade e já dei aula chorando. Não é fácil conviver 24 horas com a família, trabalhar, estudar e tentar se manter mentalmente saudável”, desabafa.
Projetos tecnológicos em prática
Davi de Lima Bezerra é professor e coordenador pedagógico da Escola Estadual Jardim Universitário, em Alta Floresta (792 Km de Cuiabá), uma unidade localizada em um bairro periférico da cidade.
“O ano de 2020 se tornou um ano bem atípico devido a pandemia, algo não esperado, mas que mexeu com a vida de todos. Assim tivemos que nos reorganizar nas nossas ações escolares, já utilizávamos das tecnologias no processo de ensino, claro que um processo diga-se de passagem tímido”.
O coordenador comenta que com o ensino remoto as tecnologias se tornaram as grandes parceiras ao serem utilizadas e adaptadas para o processo de ensino e aprendizagem.
“Se adaptar ao ensino remoto foi um tanto desafiador, pois ver a escola sem alunos e sem professores é olhar e ver uma forma sem conteúdo, o que anima aquele espaço não estava ali, é algo desafiador, trabalhar com os alunos, mediar e auxiliar por meio remoto se torna mais delicado. Se adaptar com as mídias foi mais fácil, isso por já estar familiarizado e buscando sempre novas formas e práticas para utilizar nesse trabalho, que é também minha forma de vida”, comenta o coordenador.
Diante das dificuldades das aulas remotas e a busca pela inovação, Davi conta sobre o Projeto Biblioteca Integradora, um espaço que junta a biblioteca e o laboratório de informática, um ambiente lúdico, dinâmico e que fomenta a leitura e interação digital entre os alunos, um projeto em constante construção.
“Foi a partir desse ponto que tive a ideia de criar o site da escola, um espaço diferenciado, não só de informações dos alunos, mas de interação para toda a comunidade. Utilizando nos aplicativos da Plataforma Google Site, foi criado um espaço da escola, onde a primeira parte apresenta a escola, sua filosofia, localização em mapa, uma breve histórico”.
Conforme a explicação do coordenador, um segundo espaço do site é da Biblioteca Integradora Digital, que atualmente conta com mais de 500 volumes de livros digitais, que podem ser lidos no próprio espaço, ou baixados para lerem posteriormente, conta também com links que dão acesso a sites de museus, espaço de leituras diversos e muito mais.
“Esse espaço para leitura recebe livros que são enviados pelos professores, amigos e que pegamos em outros sites, as fontes são diversas, assim deixamos armazenados para que sejam acessados, é um forma de fomentar a leitura e o estudo nesse momento que não podem vir até a escola, ou até uma biblioteca, mas podem utilizar a internet”.
O terceiro espaço é o Blog da Escola, onde são divulgadas as informações e notícias sobre a escola e dos estudantes.
“São informações variadas e a ideia é compartilhar as ações e práticas que estamos realizando, que deram certo e que podem ajudar outros a realizarem também. Costumo falar que nossa Jardim está florescendo para um universo de possibilidades e esse florescimento é trabalho de todos, toda a comunidade escolar”, finaliza.