Um esquema de desvio de R$ 12 milhões na Sefaz (Secretaria de Fazenda), durante o governo Blairo Maggi, teria sido respaldada por decisão do ex-procurador do Estado, João Virgílio do Nascimento Sobrinho. A fraude teria beneficiado o ex-deputado Percival Muniz e os ex-secretários Éder Moraes (Fazenda) e Emanuel Gomes Bezerra Junior, adjunto de Fazenda à época do crime, entre 2008 e 2009.
Todos foram denunciados pelo Ministério Público do Estado (MPE) na sexta (29) por corrupção passiva ou ativa, que também envolveu os empresários Jair de Oliveira Lima, José Márcio Menezes, Jurandir da Silva Vieira e a servidora da Sefaz, Lucia Alonso Correia.
Conforme denúncia do Núcleo de Competências Originárias (NACO Criminal) e do Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco), os ex-procuradores Francisco Gomes de Andrade Lima Filho e João Virgílio desconsideraram parecer técnico que indicava a falta de condições para acatar pedido da empresa Bandeirantes Construções e Terraplanagem Ltda., que cobrava pagamento por serviços realizados em 2005.
A empreiteira havia iniciado processo de cobrança de resíduos financeiros em 2003, alegando que a falta de pagamento a levou a quebra financeira. O recurso, no entanto, fora rejeitou pela então procuradora do Estado, Aíssa Karin Gehring, no parecer 1732/SGA/2003, que considerou prescrição do prazo para recurso de cobrança.
À época, a Bandeirantes Construções e Terraplanagem era representada por José Márcio Menezes, no cargo de presidente, e sua esposa, identificada pelo nome Helena. Com a rejeição do recurso pela Procuradoria Geral do Estado (PGE), o empresário apresentou pedido de reconsideração quase três anos mais tarde. E novamente houve indeferimento, desta vez pela procuradora Lúcia Alvarenga, que levou em conta os argumentos da primeira decisão no parecer 394/SGA/2006.
Em 2008, os representantes da empreiteira voltaram a pedido reconsideração pela PGE. Mas, segundo o Ministério Público, com “ajuste ilícito” envolvendo servidores da Fazenda. Na terceira vez, o então procurador João Virgílio desconsiderou os pareceres anteriores 1732/2003 e 394/2006 e um novo parecer (127/2008), que fala em impossibilidade de apontar prejuízo financeiro da Bandeirantes Construções e Terraplanagem.
A mudança de julgamento pela Procuradoria Geral do Estado apareceu em 2009, quando o assessor- chefe do Gabinete do órgão emitiu parecer exarando as análises contra o pagamento dos R$ 12 milhões. O Ministério afirma que, neste caso de pareceres divergentes, o procurador-geral deveria apresentar o recurso ao colégio de procuradores. Mas, “os autos do procedimento foram encaminhados a SEFAZ, onde, por meio dos membros da quadrilha que exerciam suas atividades naquele órgão autorizaram ilegalmente o pagamento do valor de R$ 12 milhões”. O montante teria entrado em empenho na Sefaz para pagamento em duas parcelas à empresa, em maio de 2009. Os denunciados pelo Ministério Público receberam pouco mais de R$ 9 milhões.
O esquema
Na denúncia, o Ministério Público diz que as fraudes foram cometidas com utilização de “cenário” e documentações falsas que justificaram pagamentos em torno do suposto processo de restabelecimento econômico financeiro.
Consta nas denúncias, que nos anos de 1989 e 1990, a empresa Bandeirantes venceu três licitações promovidas pela Sefaz para execução de serviços de terraplanagem, pavimentação, drenagem e realização de obras de Posto Fiscal. Na ocasião, alegando aumento da inflação a patamares exorbitantes, a referida empresa requereu o recebimento de valores a pretexto de um restabelecimento do equilíbrio econômico financeiro.
Conforme o MPE, “misteriosamente” todos os contratos e requerimentos formulados pela empresa desapareceram dos arquivos da Sefaz. “Passados mais de 15 anos, os denunciados orquestraram um verdadeiro esquema criminoso, que, com a finalidade de desviar dinheiro público, criaram um cenário envolvendo os contratos da empresa Bandeirantes com o Estado de Mato Grosso de maneira a justificar o pagamento do malfadado equilíbrio econômico financeiro, mediante corrupção de agentes públicos”, diz as denúncias.
Segundo o MPE, a participação do então procurador-geral do Estado, João Virgílio do Nascimento Sobrinho, consistiu em ilícita homologação de pareceres baseados em documentos fraudulentos, que viabilizaram o pagamento de hipotético crédito já prescrito, no valor de R$ 12 milhões, pelo Estado de Mato Grosso à empresa Bandeirantes Construções e Terraplanagem.
Através do rastreio dos valores, o MPE constatou que o dinheiro público desviado foi distribuído entre José Márcio Menezes (R$1.118.000,00); Jair de Oliveira Lima (R$ 5.000.000,00); Cláudia Angélica de Moraes Navarro (R$ 200.000,00); Emanuel Gomes Bezerra Júnior (R$ 750.000,00); Percival dos Santos Muniz (R$1.750.000,00); Lúcia Alonso Correa (R$ 50.000,00) e Éder Morais Dias (R$ 200.000,00).
O MPE argumenta que o ex-deputado estadual Percival dos Santos Muniz não justificou o montante recebido, limitando-se a negar que nunca obteve valores da empresa Bandeirantes. Suspeita-se que o “prestígio” do então deputado, tenha sido fundamental nas negociações e elos estabelecidos pela quadrilha dentro da Sefaz e Procuradoria Geral do Estado.
Cargo
José Virgílio Sobrinho permaneceu no cargo de procurador-geral do Estado entre 2003 e 2009. Ele havia nomeado pelo então governador Blairo Maggi. Ele deixou o posto em fevereiro de 2009 por diagnóstico de doença em seu filho mais velho, mas se manteve ligado ao governo como assessor especial de seu sucessor, Dorgival Veras.
Em 2017, ele foi citado em deleção do ex-diretor da Odebrecht, João Antônio Pacífico Ferreira, como um dos beneficiados de propinas em negociata entre representantes da direção do Estado em pagamento de dívida com a Odebrecht.
João Virgílio encabeçou uma comissão especial entre 2006 e 2007 de cobrança da União de pagamento de dinheiro em atraso. O pagamento da propina teria ocorrido aos membros da comissão para auxiliar na conclusão do procedimento de cobranças.