A Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso acolheu recurso interposto por um homem acusado injustamente pela prática de furto de joias e determinou a anulação de sentença que julgara improcedente uma ação de reparação de danos morais movida contra a proprietária da loja. Com a decisão de Segunda Instância, os autos deverão retornar ao juízo de origem para normal prosseguimento (Apelação nº 145841/2017).
Conforme a relatora do caso, desembargadora Serly Marcondes Alves, a apresentação de uma noticia criminis perante a autoridade policial, com indicação de suspeito, consiste em um exercício regular de direito. Contudo, a propagação do fato, com a exposição do suspeito em seu âmbito de trabalho e social, configura um abuso de direito.
No recurso o apelante aduziu que a sentença seria nula, diante do cerceamento de defesa. Sustentou que o objeto da ação se funda em acusação indevida de prática de furto, portanto, por se tratar de fato, depende de prova, de modo que o julgamento antecipado da lide obsta ao autor de comprovar o seu direito à indenização. Asseverou que negar a produção de prova testemunhal é negar o próprio fato, o que não pode prevalecer, principalmente porque as testemunhas provarão que a imputação feita pela ré foi leviana e precária.
Consta dos autos que o apelante trabalha numa empresa que presta serviços terceirizados e que, no dia 19 de dezembro de 2012, depois de prestado serviços ao Condomínio Alphaville I, foi abordado pela ré, que solicitou ajuda para erguer um espelho no seu estabelecimento comercial situado na galeria Alpha Mall II. Sustentou que, no dia seguinte, apresentou-se na empresa para qual trabalha e estando junto da proprietária, esta recebeu uma ligação da ré, noticiando que o autor havia roubado joias de sua loja e que o prejuízo equivalia a R$ 100 mil.
O apelante disse que os dois foram até o estabelecimento da ré, a fim de esclarecer o ocorrido, sendo que lá a ré, ora apelada, ladeada por dois policiais militares, dirigiu-lhe a palavra afirmando “em alto e bom som” que o autor havia lhe roubado e que o fato estava todo registrado nas câmeras de circuito interno do centro comercial, expondo-o à calúnia e à difamação. Asseverou que em seguida foi algemado e preso, sendo levado ao CISC Planalto, ficando o dia todo detido, enquanto a ré e policiais dirigiram-se à casa de sua madrasta, que assentiu que fosse feita revista no interior da sua casa, para que se certificassem que ali não havia nenhum produto de furto/roubo, circunstância que chamou a atenção de vizinhos e curiosos.
O homem disse ainda que foi liberado somente à noite e que, no dia seguinte, teria sido novamente abordado por policiais e encaminhado a outro centro de segurança, onde teria sido agredido para confessar o roubo. O autor ainda sustentou que posteriormente foi procurado em casa, pelos mesmos policiais, com oferta financeira, pois a proprietária da loja havia encontrado as joias tidas como furtadas. A mala que continha as joias estava dentro de um veículo e não no estabelecimento onde o autor havia prestado os serviços. Por isso, o prestador de serviços ajuizou a ação indenizatória.
“As provas coligidas no caderno processual conferem verossimilhança às alegações do autor, qual seja, de que a autora não apenas relatou o sumiço das joias em seu estabelecimento e de eventual suspeita da autoria do crime aos policiais militares, mas sim afirmou de que o autor teria subtraído os aludidos objetos, acusação feita diante da patroa do autor”, destacou a relatora.
Ainda de acordo com a relatora, mesmo tendo o autor da ação antecedentes criminais, tal fato não obsta a possibilidade dele tentar se reinserir no seio social, “de modo que a injusta imputação de crime, evidentemente estará ferindo direito constitucional a ele conferido. Repisa-se, a existência de antecedentes criminais não pode ser motivo/justificativa para eximir terceiros da responsabilidade pela prática de ato lesivo contra aquele que já está pagando, ou que já tenha pago, pelo erro que anteriormente cometeu. Até porque, ao que tudo indica, na hipótese, a acusação deu-se antes mesmo da ciência pela ré da existência de tais antecedentes”.
Acompanharam o entendimento da relatora os desembargadores Rubens de Oliveira Santos Filho (primeiro vogal) e Guiomar Teodoro Borges (segundo vogal).