O ministro da Justiça, Torquato Jardim, 67, se diz "surpreso" com o que considera falta de preparo dos procuradores que fizeram a delação da JBS. Para ele, a prisão de Joesley Batista e Ricardo Saud trará "consequências graves" para o caso.
Torquato assumiu o cargo em maio logo após as revelações feitas pelos delatores da empresa, o que levantou suspeitas de que poderia tentar influenciar a Lava Jato. Três meses depois, classifica a afirmação como "ridícula".
À Folha de São Paulo, ele confirma a mudança no comando da Polícia Federal, mas evita adiantar nomes.
Diz ainda ser "chocante" a descoberta dos R$ 51 milhões em dinheiro vivo em um "bunker" ligado a Geddel Vieira Lima, ex-ministro de Lula e Temer.
PERGUNTA – Como o sr. avalia a prisão de Joesley Batista e Ricardo Saud?
TORQUATO JARDIM – Terá consequências graves para a credibilidade do processo. Razoável presumir que depoimentos e provas fiquem sob suspeição de manipulação pelos agora presos. O MPF por certo será ainda mais cuidadoso e minucioso ao examinar os fatos e os documentos pertinentes.
P. – O senhor considera o caso da JBS como uma vergonha?
T.J. – Não é uma vergonha. A delação é um instituto novo no Brasil. O que me surpreende é que haja vazamento. Isso quebra a dignidade do instituto. Outra coisa que não foi aprendida é a técnica de interrogatório. Basta ver cinema, que um interrogador experiente sabe ler os olhos, as narinas, a movimentação de boca, as carótidas, a respiração, tudo é indicativo de estado de espírito.
Não é possível, não seria razoável admitir, que esses dois delatores e outros mais tenham enganado tão bem tantos, tanto tempo. Agora foram pegos no tropeço. O triste, além de todas as consequências jurídicas para quem foi envolvido, é que a delação esteja sendo colocada em prática por pessoas que não se preparam para essa tarefa.
P. – Isso joga suspeita sobre o Ministério Público?
T.J. – Suspeita é uma palavra muito forte. Prefiro crer que houve só pouco preparo profissional de quem atuou.
P. – Defende a anulação dos benefícios dos delatores?
T.J. – Não me cabe opinar.
P. – O senhor acha correto o empresário Joesley Batista ter imunidade?
T.J. – Faz parte do acordo, não é? Se vai continuar, é o Ministério Público que vai decidir.
P. – 'Enquanto houver bambu, lá vai flecha', frase dita pelo procurador-geral Rodrigo Janot. O senhor acha que tem mais bambu ou mais flecha?
T.J. – Não sou índio, nunca usei flecha. Tem uma ali decorando o gabinete. Essa aqui machuca, as outras eu não sei.
P. – O sr. acha que há clima para uma segunda denúncia contra o presidente Michel Temer?
T.J. – Isso é de competência exclusiva do procurador-geral.
P. – Um aliado de Temer, Rodrigo Rocha Loures, é filmado com uma mala de dinheiro (R$ 500 mil, da JBS). É possível não vincular isso ao presidente?
T.J. – Não tem nada a ver. Nem a denúncia consegue fazer a relação. É mera ilação. Eu diria até indigna com o presidente.
P. – Qual é a data de anúncio do novo diretor da Polícia Federal?
T.J. – Não há.
P. – Quem são os três nomes que sr. disse ter para substituir Leandro Daiello?
T.J. – Não são.
P. – E qual o papel do general Sérgio Etcghoyen, ministro do gabinete de Segurança Institucional, nessa escolha?
T.J. – É conselheiro do presidente, pode opinar em todos os assuntos que o presidente pedir.
P. – A Polícia Federal cometeu erros na Lava Jato?
T.J. – Não que eu saiba.
P. – A troca no comando tem a ver com algum erro cometido?
T.J. – Não.
P. – Tem a ver com o quê?
T.J. – Com a transição natural da vida. O delegado [Leandro] Daiello está há sete anos no posto, trabalho excepcional. Ele próprio já disse que quer deixar o posto, que quer tirar férias e se aposentar.
P. – O governo procura um nome alinhado para que as operações diminuam?
T.J. – Não existe essa hipótese.
P. – É possível desenvolver projetos considerando que o senhor é o terceiro a sentar nesta cadeira na Justiça em um ano?
T.J. – É razoável que haja ceticismo, mas não quer dizer que não possamos definir uma política nacional de segurança pública, como política de Estado, e, portanto, que transcenda governos.
P. – Três anos e meio de Lava Jato e a PF encontra R$ 51 milhões em espécie ligados ao ex-ministro Geddel Vieira Lima. Não choca?
T.J. – Claro que sim. Pelo tempo, que não foi possível esgotar a investigação, e terá todo o apoio do governo e do Ministério da Justiça, nunca houve e nem haverá intenção de inibir o trabalho da PF.
E que estejam acontecendo casos ainda dessa dimensão, que é chocante. Choca a cidadania, choca qualquer um.
P. – O momento é de pânico no Palácio do Planalto com a prisão de Geddel?
T.J. – Não. Nenhuma relação de causa e efeito.
P. – Há relatos de pressão do governo nesse caso. O senhor foi chamado para tentar intervir na operação?
T.J. – Especulação.
P. – O senhor esteve com o presidente Temer um dia após a apreensão, não foi para falar desse assunto?
T.J. – Não comigo.
P. – O procurador Rodrigo Janot disse que o seu ministério está atrapalhando acordos de cooperação com outros países.
T.J. – A nota do Ministério da Justiça é extremamente didática e qualquer pessoa com mínimo de boa alma e boa compreensão tê-la-á entendido muito bem. Quem assina acordos internacionais é o Estado brasileiro. Ninguém está atravancando nada.
P. – O presidente foi gravado duas vezes em um ano (por Joesley e pelo ex-ministro Marcelo Calero). Falta segurança institucional ao governo?
T.J. – Não sei.
P. – O que o senhor acha dos encontros de Temer fora da agenda?
T.J. – Não existe encontro fora da agenda. O presidente é presidente sete dias por semana, 24 horas por dia.
P. – É defensável um presidente encontrar um investigado tarde da noite em sua casa?
T.J. – Não há problema algum.
P. – O senhor chegou como quem iria salvar o presidente do processo no TSE e quem poderia frear a Lava Jato. Acha que conseguiu mudar essa imagem?
T.J. – Essa sempre foi uma assertiva completamente ridícula e eu nunca me preocupei com ela.
P. – Raquel Dodge, nova procuradora-geral, indicada por Temer, terá o mesmo trabalho do senhor, de tentar mudar a imagem em relação a freio à Lava Jato?
T.J. – Isso eu não sei. Pergunte à doutora Raquel. O Ministério Público continuará sendo Ministério Público. O que varia é o método operacional. Quem poderá falar é a doutora Raquel.
P. – O senhor não foi à pré-estreia do filme da Lava Jato. Algum motivo?
T.J. – Não. Eu gosto de ficar em casa à noite.
P .- A direção do filme diz que é uma trilogia. Com tantos fatos, o senhor acha que precisaria de quantos?
T.J. – Depende. A história da família Gambino [do filme O Poderoso Chefão] foi contada em três episódio do Coppola. Todos necessários. Depende de quem escreve e de quem conta.
P. – As decisões do STF de libertar investigados não são uma forma de frear a Lava Jato?
T.J. – Não. "Bad people make a good law". São cinco palavras mágicas do direito constitucional libertário. Gente ruim faz bom direito. O bandido ajuda a construir o direito constitucional.
P. – É possível acabar com a corrupção?
T.J. – Depende. A corrupção começa a acabar quando um pai ou a mãe tirar da cama o filho preguiçoso para ir à escola e mandá-lo para fazer prova, em vez de deixar o filhinho dormindo e pedir atestado médico para justificar a falta.
P. – O senhor tem viajado muito. Pretende ser candidato a alguma coisa?
T.J. – Eu seria candidato à presidência do Atlético Mineiro se em Minas estivesse meu título eleitoral.
P. – O governo fez promessas a deputados para barrar a primeira denúncia contra Temer. Qual é a conta que o presidente deixou para o senhor pagar?
T.J. – Nada nos envolve e não sei do que se trata.