Formado na escola dos musicais londrinos e da Companhia Real Shakespeareana, o ator Richard Armitage precisou desaprender algumas lições do ofício para construir seu personagem na trilogia "O Hobbit". Na pele do anão Thorin Escudo de Carvalho, o britânico teve de perseguir "as inconsistências" do personagem que, do primeiro ao terceiro longa – que chega aos cinemas em dezembro -, vai perdendo a sanidade, vítima do que J.R.R. Tolkien batizou em sua trama de "a doença do dragão", uma espécie de paranoia movida pela ganância em botar as mãos em um enorme tesouro.
"É complicado, porque, na verdade, o que você faz quanto está construindo um papel é buscar consistência. Você tenta racionalizar tudo e fazer as suas falas fazerem sentido. Mas, quando você está tentando interpretar um tipo de loucura, você faz o oposto. Então eu deliberadamente procurava cenas que ficariam próximas umas às outras [na cronologia da história] e tentava incorporar um humor tão oposto quanto possível, quase como se fosse um personagem diferente de uma cena para a outra", explicou o ator em conversa com o UOL e outros jornalistas estrangeiros no set de "O Hobbit".
Aos 43 anos e 1,88 m de altura – não, ele não é um anão na vida real, tudo não passa de truque de perspectiva feito pela equipe do filme -, Armitage diz que está ansioso para ver como seu trabalho na última parte da trilogia, batizada de "A Batalha dos Cinco Exércitos", será mostrado por Peter Jackson na versão que chega às telas. De malas prontas para vir ao Brasil em dezembro, onde participa da première do filme na Comic Con Experience, em SP, o ator diz que durante as filmagens tenta evitar se influenciar pelos comentários dos fãs, mas que, uma vez concluído o trabalho, está pronto para voltar à mente perturbada de Thorin e responder por ele a quem interessar possa pelos "dois ou três anos" de promoção que virão pela frente.
Confira a seguir os principais momentos da conversa, realizada em junho de 2013, durante o penúltimo mês de gravações em Wellington, na Nova Zelândia, seis meses antes do lançamento do segundo capítulo da saga, "A Desolação de Smaug".
Pergunta – O primeiro filme já foi lançado e você está finalizando a última etapa de filmagens. Você se sente permanentemente preso a esse mundo de Hobbit-Nova Zelândia-Senhor dos Anéis?
Richard Armitage – Sim, hã, foram só seis meses desde que nós paramos e começamos [a filmar] de novo. Mas tenho conversado muito sobre isso nesses últimos seis meses, então não é algo que tenha ido embora. Desconfio que vamos continuar falando dele por outros dois ou três anos. É legal porque o personagem continua crescendo dentro da sua cabeça e você fica constantemente encontrando novas ideias. É bom voltar [ao set] para mais alguns momentos adicionais juntos.
Quão empolgado você está para a jornada sombria de Thorin no terceiro filme?
Estou ansioso porque não sei realmente o que Peter vai selecionar para montar. Nós gravamos tantas versões diferentes de uma cena, diferentes extremos, que fica difícil saber como elas vão se sair juntas. Porque a única coisa que eu estava realmente tentando alcançar era a inconsistência do personagem. Eu queria tentar mostrar sua instabilidade mental através de uma inconsistência no caráter, como se fosse a psicose de pessoas quando elas são imprevisíveis. Então era isso que eu estava buscando, mas não sei se [Peter] vai escolher isso.
Como ator, como foi mergulhar nessa jornada, do primeiro filme até agora? Você menciona que Thorin está meio dilacerado, perdendo a cabeça um pouco. Como é isso?
É complicado, porque, na verdade, o que você faz quando está construindo um papel é buscar consistência. Você tenta racionalizar tudo e fazer as suas falas fazerem sentido. Mas, quando você está tentando interpretar um tipo de loucura, você faz o oposto. Então eu, deliberadamente, procurava cenas que ficariam próximas umas às outras [na cronologia da história] e tentava incorporar um humor tão oposto quanto possível a elas, quase como se fosse um personagem diferente de uma cena para a outra. Às vezes ele aparece todo orgulhoso e cheio de vida, e na próxima cena está meio que apagado e sem energia. Era isso que eu buscava, esse branco e preto.
As filmagens do primeiro longa foram todas juntas, com todo o elenco, então supõe-se que dava para imaginar como ficaria no final. Agora, no entanto, as filmagens estão espalhadas por diversos lugares, em momentos diferentes. Acha que será surpreendido quando o terceiro filme chegar às telas com a cara que ele vai ter?
Eu torço para que sim. Eu espero ficar surpreso, porque eu fui bastante surpreendido pelo primeiro filme. Você sabe, nós gravamos – e Peter tenta inúmeros caminhos diferentes – e nunca sabemos realmente qual vai ser a montagem que ele fará. Então fiquei positivamente surpreso no primeiro. Tinha coisas ali que eu nem sabia que nós tínhamos. Eu não sabia nem que tínhamos gravado aquilo. Às vezes, isso pode ser porque eles misturam um dublê digital com a cena filmada de verdade. Então, sim, estou esperando ficar em choque e surpreso com o que vem pela frente.
O vilão Azog está caçando seu personagem do primeiro até o terceiro filme. Você chegou a se encontrar com Manu Bennett [ator que empresta os movimentos para o monstrengo digital que vemos na tela] para fazer alguma cena de luta? Vocês terão uma luta no terceiro filme?
Essa foi uma das grandes surpresas para mim no primeiro filme, porque eu nunca fiquei cara a cara com aquele personagem. Houve várias manifestações de Azog: eu lutei contra um homem em uma roupa verde, eu lutei contra uma bola verde numa vareta, eu lutei com o nada. Mas eu nunca encontrei frente a frente com Manu no set de filmagem. Eu fiquei cara a cara com a escultura em tamanho real [de Azog] que a [empresa de efeitos] Weta criou para a Comic Con [em 2013]. Eu fui e fiquei diante dela porque eu queria ver qual imponente ele realmente é. Eu queria descobrir se eu conseguiria acertá-lo [com as próprias mãos], mas eu não alcançaria porque ele é alto demais. Então eu definitivamente preciso de uma espada. Mas, sim, essa luta entre eles me fascina porque ela está para acontecer desde quando a história começou [Nos livros de Tolkien, Azog foi quem matou o pai de Thorin em uma batalha]. É como se fosse uma briga que nunca termina e ela vai chegar ao fim no campo de batalha, espero. É interessante que estou lutando em nome do meu avô e do meu pai também, que também tentaram lutar contra esse mesmo personagem.
Há um grande número de fãs dos filmes de "O Hobbit" e "O Senhor dos Anéis". Como você, como ator, lida com isso? Você gosta de ter tantos seguidores?
Tenho que ser honesto: enquanto estou filmando, eu não mergulho muito nisso, de olhar o que estão falando na internet e afins. Prefiro ter um contato num nível mais direto [com a história]. Meu contato tem sido através de coisas como as convenções de quadrinhos. Fiz uma sessão de perguntas e repostas na Austrália que foi incrível porque, ali, você está realmente ouvindo questionamentos em primeira mão em público. É difícil para mim olhar as discussões que estão acontecendo [enquanto você ainda está gravando]. Você frequentemente vai se deparar com alguma coisa de que não gosta. Mas é legal também interagir com as pessoas que realmente dedicam suas vidas a esses personagens e pensam em detalhes sobre eles tanto quanto os atores que os estão interpretando pensam. É inspirador que eles façam essas perguntas tão detalhistas.
"O Hobbit" é talvez o primeiro filme em que vemos um anão no papel de herói. O que você acha disso? Vê alguma importância social nisso?
Acho que foi importante criar um personagem que pertencesse ao mundo dos anões da fantasia, mas que também pudesse se relacionar com uma plateia de humanos que vão se sentar e vê-los em ação. Eles não poderiam parecer estranhos demais, acredito. Ele também tinha de parecer com alguém com potencial para se tornar rei, alguém que você sinta que é capaz de reclamar seu reino e se sentar no trono de Durin outra vez. Mas é um equilíbrio tênue. Ele tem, sim, um temperamento de anão, aquela arrogância e teimosia e braveza que essas criaturas têm na fantasia. É curioso porque estamos filmando com todos os elfos agora, e tem mesmo um sentimento de "nós contra eles". Eles estão lá em cima na colina filmando em Dale e nós aqui embaixo [no cenário de] Mirkwood. Tem uma certa ansiedade quanto a isso. Os anões estão proibidos de acordar antes dos elfos, que são chamados primeiro. Tem um sentimento real de que eles são os privilegiados e nós somos essas criaturas minúsculas que têm de lutar por sua existência.
No filme, as mulheres da raça dos anões têm barbas. Você beijaria uma anã barbada?
É um pouco como velcro. Uma vez que você é pego, não tem como sair [risos]. Mas eu não acho que haja um triângulo amoroso esperando Thorin. Ele está imerso no mundo de loucura dele. Mas se tem um personagem na Terra Média com quem não encontrei ainda é a elfa Tauriel. Ela deveria ter aparecido ao fundo em uma cena, outro dia, mas ela não veio então fomos só eu e Legolas. Mas eu ainda espero por um momento, no campo de batalha, em que Thorin e Tauriel possam se cruzar, meio que de passagem, e vou dizer: "Eu sempre te amei". Esse tipo de coisa (gargalha).
UOL