A visão comum de uma penitenciária é, em geral, de um local perigoso, feio, sujo e cheio de pessoas ruins. Já a realidade pode ser essa, ou não.
Pagar a pena por um crime cometido sem dúvida não é como fazer turismo, mas para alguns é a chance de mudar de vida e, a partir de um erro, recomeçar do zero.
No caso da travesti Sandy (Huanderson Barbosa), que faz parte do projeto Arco-Íris, do Centro de Ressocialização Cuiabá, a cadeia foi um divisor de águas. “Minha mãe diz que foi bom eu ser presa, para mudar, tomar um rumo e se isso não tivesse acontecido eu poderia estar perdida agora, usando drogas ou até morta”, conta a detenta que foi presa em 2011, acusada e condenada por matar um cliente durante um programa, junto com seu ex-companheiro e cúmplice – também preso, porém no Pascoal Ramos.
Sandy confessa, com exclusividade, que a história contada sobre o destino da caminhonete da vítima, que seria trocada por dinheiro para que ela pudesse fazer uma cirurgia plástica, era um pouco diferente da que foi veiculada nos jornais. “A caminhonete seria trocada por pasta-base na Bolívia, mas eu não podia falar isso na época, pois seria morta. Ele (ex-namorado) organizou tudo, mas não era para ninguém ter morrido”.
Arrependimentos à parte, Sandy diz que cada dia dentro da cadeia é uma luta. Por mais que ela tenha muitas regalias por contra do projeto Arco-Íris, não consegue se acostumar e diz tolerar os dias desejando que eles passem o mais rápido possível. “A gente não pode se acostumar, a gente vai superando e aprendendo para não voltar mais, pois há pessoas que se acostumam e voltam pra cadeia sempre”.
Segundo o diretor da unidade, Winkler de Freitas Teles, o projeto Arco-Íris foi implantado há cerca de dois anos e consiste em uma ala para detentos homossexuais, com o intuito de evitar estupros, melhorar a qualidade de vida desses reeducandos e aumentar a segurança deles na vida em cárcere. “A ideia é dar mais dignidade para quem vive aqui dentro”, diz ele explicando que o projeto consiste ainda em trabalhar e estudar e que somente pessoas que praticam as duas atividades podem participar.
“Quando eu cheguei aqui passei por uma fase de opressão e isolamento, cortaram meu cabelo, recebi bilhetinhos com coisas indecentes, mas hoje as coisas estão bem diferentes, muita coisa mudou com a nova administração, desde as paredes até a forma como os presos são tratados” conta Sandy falando que, antes da ala para homossexuais, frequentou intensamente a igreja, como forma de proteção.
Winkler explica que a ala Arco-Íris, por respeito à questão de gênero e prioridade do bem-estar dos detentos, permite o uso de maquiagem, cuidados com o cabelo e similares.
Com algum distanciamento no olhar, Sandy conta como se sente depois de três anos presa: “Não tem como explicar a diferença da vida lá de fora para a daqui de dentro. Os primeiros dias era só choro e eu me perguntava por que eu fizera aquilo. Eu me julgava bastante e me achei uma idiota de ter feito, mas depois de feito não tem jeito, você tem que pagar, não tem como voltar atrás”.
Ela, que acabou se casando com um detento da mesma unidade, afirma que não tem mais nenhum contato com seu ex-parceiro e cúmplice do crime, e nem pretende ter. Durante sua prisão conheceu Luan, que agora já está solto, com quem mantém um relacionamento estável e diz sonhar com o futuro a dois: “Assim que eu sair daqui – ainda restam dois anos até que ela tenha direito à liberdade condicional – eu quero ir embora de Cuiabá e ficar perto da minha mãe e do Luan”.
Sandy diz que não pretende ficar parada quando receber a liberdade. “Quero sair e já começar a trabalhar para nem ter que usar a tornozeleira. É bem melhor trabalhar e mostrar para a justiça que você está mudando, do que ficar em casa o dia inteiro deitada no sofá sem fazer nada. Quando você está na prostituição você tem muito dinheiro e você gasta sem pensar, pois no outro dia você ganha tudo de novo, então você não guarda, não pensa no futuro. Não quero nunca mais ter essa vida, pois uma coisa leva a outra e se eu voltasse para a prostituição iria beber, usar drogas e acabar indo novamente para o mundo do crime”.
Seu companheiro de cela, o detento Rael da Silva Cisi também faz parte do projeto Arco-Íris e garante que sua vida ficou bem melhor dentro da cadeia depois do projeto. Preso há quatro anos, ele afirma que o projeto deu “liberdade” para os homossexuais que vivem no Centro de Ressocialização e que agora eles podem ser quem são de verdade, sem medo de retaliações.
Atualmente Sandy toma hormônios femininos e diz que pretende fazer a mudança de sexo assim que possível.
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