O domínio de facções criminosas nas prisões do Rio Grande do Norte está sendo apontado como a principal causa das mortes de 22 presos registradas em 2015. O número é 450% maior do que as quatro registradas no ano passado.
Para o Ministério Público Estadual, as mortes são decorrência da falta de ação efetiva do Estado nas prisões. "Existe uma insatisfação muito grande por falta dos direitos mínimos, mas o principal problema é a total falta de controle do Estado nessas unidades", afirmou o promotor de tutela do sistema prisional, Antônio Siqueira.
Por conta dos problemas, somente neste ano foram impetradas quatro ações civis públicas contra o Estado, exigindo ações no sistema prisional –nenhuma delas foi julgada. Os pedidos são para realização de concurso para contratação de agentes prisionais, aquisição de material de trabalho, compra de carros e atendimento na área de saúde.
"Somente neste ano, 400 presos deixaram de ir a audiências porque não havia carro para levar. Isso tem um custo grande para a estrutura da Justiça e é um problema do preso. Além de as audiências poderem desafogar o sistema, porque muitos desses presos poderiam ser inocentados e ir para a rua", afirmou.
Mesmo assim, o juiz da Vara de Execuções Penais, Henrique Baltazar dos Santos, determinou em 22 de outubro o fim da separação dos presos por facção criminosa e determinou que fosse feita por tipo de crime. A medida será contestada pela OAB.
Depois da decisão, duas mortes ocorreram: em 25 de outubro, na penitenciária de Caicó, um preso acusado de assalto e tráfico de drogas foi encontrado enforcado. Um dia antes, na penitenciária de Parnamirim, outro preso por tráfico e roubo também foi encontrado morto na mesma situação.
O magistrado disse ao UOL que a decisão foi tomada por conta de uma alteração na Lei de Execuções Penais e também como uma forma de frear as mortes nas unidades.
"Até o ano passado, os presídios estavam na mão dos presos. A gente acha que, com essa decisão, podemos mudar. Entregar o controle à facção é a pior forma de tentar evitar mortes, com esses grupos dizendo quem fica e quem sai", afirmou. Segundo o juiz, duas facções controlam os presídios do Estado: o PCC, com cerca de 300 pessoas, e a Máfia RN ou Sindicato RN, grupo local que possui entre 800 e 1.000 integrantes nas cadeias.
"Hoje, a facção [que controla o presídio] acaba obrigando os presos quem não são do grupo a entrar nele. Dizem: 'Ou entra, ou morre'. Já ouvi isso de alguns presos. Isso fez triplicar o número de presos em facções. O que se tem visto é que, ao se equilibrar as forças [entre as facções nos presídios], esses grupos não se atacam. Mas, se você tem cem que são de um grupo e três que não são, eles morrem", explicou.
Segundo o juiz, os quatro presídios que tiveram transferência desde a decisão não tiveram problema registrado. "Na quinta e sexta [as transferências] começaram a ser feitas. Já temos presídio em Natal só com autores de roubo; em outras unidades menores, só estão traficantes. Até agora não houve incidente em nenhum deles. Houve morte depois disso, verdade, mas em presídios em que não foi feita a mudança", disse.
A medida do juiz, porém, é questionada pela OAB, que está se preparando para impetrar um mandado de segurança. "Entendo o juiz, é o cumprimento da legislação, nas não tem como manter presos de mesmas facções no mesmo pavilhão", disse o presidente da seccional potiguar da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Sérgio Freire.
Diante dos problemas, a OAB também estuda denunciar o Brasil a instituições internacionais de direitos humanos. "Vamos provocar o Conselho Federal [da OAB] para que se mova e, se for o caso, convocar as instituições internacionais", disse o presidente da OAB no Estado.
"Há mais de três anos acompanhamos a desenvoltura dos problemas presídios, e há muito que anunciamos que o Rio Grande do Norte é a próxima 'Pedrinhas'", afirma Freire. Pedrinhas é o complexo prisional de São Luís, no Maranhão, que em 2013 registrou 60 presos mortos e levou o Brasil a condenação na OEA.
Rebeliões e promessas
Em março, ao menos 10 presídios tiveram rebelião simultânea. Logo após os problemas, o Estado decretou calamidade pública no sistema prisional para tentar reorganizar e reconstruir o sistema, que foi parcialmente destruído. A onda de protestos causou um prejuízo de R$ 15 milhões aos cofres do Estado.
Em entrevista ao UOL, o novo secretário de Justiça e Cidadania, Cristiano Feitosa, que tomou posse no dia 23, negou o controle das facções nos presídios. "Os diretores têm pleno controle, mas, em algumas unidades, os pavilhões estão destruídos e eles estão todos juntos. Isso não quer dizer que estejam controlando. Na hora que quiser o Estado entra." O secretário, no entanto, reconhece que praticamente todas as mortes foram resultado de brigas entre as facções.
Feitosa afirma que o problema nos presídios só deve ser resolvido com a construção de novas unidades. A construção de uma nova unidade para 603 vagas está na fase de fundações em Ceará-Mirim. Nesta semana, o secretário vai a Brasília pedir recursos para construção de outras pequenas unidades.
Para aliviar a tensão em curto prazo nos presídios, ele diz que medidas estão sendo tomadas. "Intensificamos as buscas para localizar armas, túneis, drogas e outros ilícitos. E já começamos a separar presos por crimes, como a lei prevê. Até agora não tivemos maiores problemas", pontuou.
Fonte: UOL