Com Cátia Alves
Mato Grosso está na rota das facções criminosas que coordenaram chacinas em presídios de Roraima, Amazonas e Rio Grande do Norte neste mês de janeiro. Articulações para rebeliões em prisões no Estado foram identificadas no fim do ano passado, e os ataques seriam realizados na semana seguinte aos ataques em Amazonas, entre os dias 9 e 14 de janeiro.
A intercepção de contatos entre líderes nacionais e “soldados” de organização criminosos em Mato Grosso foi confirmada pelo presidente do Sindicato dos Servidores Penitenciários de Mato Grosso (Sindspen-MT), João Batista Pereira de Souza. Segundo ele, Mato Grosso está na lista de cinco Estados no País, onde os comandos do Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV) teriam mandado que ataques fossem realizados, na sequência da série de rebeliões em presídios que já atingiram outros três estados.
João Batista relata que a estratégia diferencial de atuação na Penitenciária Central do Estado (PCE) é a utilização de grupos de contenção formado por até 12 agentes penitenciários com trabalho de vasculhar as celas rotineiramente para evitar a ação implosiva de facções de dentro da prisão.
“Em Manaus, por exemplo, o presídio é fiscalizado por polícia externa, ou seja, se acontece algo lá dentro é preciso chamar a polícia de fora do presídio para resolver o que estiver acontecendo. Esse intervalo [de acionamento e formação tática para entrar] foi que deu tempo para a formação de rebelião. O que o grupo de contenção, ou de estratégia, busca evitar”, explica.
João Batista, no entanto, é claro ao comentar sobre a situação dentro da PCE, vista por ele “sob controle, mas sem tranquilidade”. Afirma que agentes penitenciários têm vivido com receio de ocorrência de ataques.
“A situação em Mato Grosso está controlada nos presídios sob a ação de facções criminosas, mas não está tranquila. Não é uma situação diferente do restante do País. Há receio de que ocorram ataques, mas estou confiante no trabalho do grupo de inteligência em andamento na polícia. A equipe consegue mapear as ações de criminosos diariamente dentro da PCE”.
O agente penitenciário afirma que os ataques ocorreram nos presídios por comando de líderes de facções criminosas, como CV e PCC. No caso de Manaus, a rebelião teve início em disputa entre facções Família do Norte e o PCC pela Rota Solimões, um corredor de tráfico de droga em fronteira tríplice (Brasil, Peru e Colômbia). A semelhança de Mato Grosso é a extensa área de fronteira com a Bolívia, por onde entram drogas no País passando por mato Grosso.
“Mato Grosso é uma sucursal, digamos assim, de facções criminosas no País. Não tem muita importância, mas não dá para negar que há o perigo do tráfico de drogas e o tráfico de armas, que abastecem essas facções”.
Em 2016, facções mostraram força em MT
Esta é a segunda vez, em prazo de sete meses, que ações de organizações criminosas chamam a atenção para Mato Grosso. A tensão atual é alimentada pelos ataques a ônibus ocorridos em junho de 2016 em cinco cidades. Os ataques começaram no dia 10, quando um ônibus foi incendiado no bairro Praeiro e outro no Pedra 90, em Cuiabá.
Foi o início de uma série de atentados ocorridos no último fim de semana em uma ação coordenada por quatro detentos da PCE, na capital, com reflexo em outros dois presídios, o Major Eldo Sá Correa, em Rondonópolis e o Oswaldo Florentino Leite, em Sinop.
Também na capital, uma base foi crivada de balas, agentes penitenciários foram ameaçados e outro teve o carro e a porta de casa alvejados. Em Primavera do Leste (240 km da capital) uma Kombi e outros dois carros de trabalhos do setor prisional foram incendiados e um agente prisional foi ferido. Em Barra do Garças (550 km de Cuiabá), dois carros do centro socioeducativo foram incendiados.
A ação teve como base de organização quatro detentos da PCE, segundo a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp). Por meio de telefones infiltrados para dentro da penitenciária, os quatro suspeitos conseguiram orquestrar as ações.
Dezoito pessoas foram presas como suspeitas de coordenar e executar os ataques. Na ficha criminal há referências de ligação delas com organizações criminosas.
Expansão do Comando Vermelho foi diagnosticada há três anos
As Secretarias de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) e de Segurança Pública (Sesp) têm informações desde 2013 sobre possíveis ataques do Comando Vermelho (CV) em Mato Grosso. O Núcleo de Inteligência da polícia montou um estudo que serviu de base para a Operação Grená (2014), sobre a estruturação e difusão da facção criminosa no Estado e indicou medidas para conter essas movimentações, principalmente de dentro dos presídios estaduais.
A informação é do presidente do Sindspen, João Batista. Segundo ele, os ataques coordenados realizados em junho de 2016 em Sinop, Barra do Garças, Barra do Bugres e Primavera do Leste, além de Cuiabá e Várzea Grande, foram possíveis pela reclusão de líderes do CV nas cadeias desses municípios.
Batista diz que há cerca de três anos a Inteligência da polícia já tinha diagnosticado a expansão do Comando Vermelho, a maior facção criminosa em Mato Grosso, em sua rede de “apadrinhados”, e estimava-se que 2,5 mil pessoas integraram a facção. Hoje, esse número não estaria abaixo de 3 mil integrantes.
“Houve irresponsabilidade de secretários em agir contra o crime organizado em Mato Grosso, porque já em 2013 foi identificado pelo Núcleo de Inteligência o crescimento do Comando Vermelho em Mato Grosso. A Operação Grená (de 2014) conseguiu diagnosticar e identificar líderes do grupo, mas nada foi feito para tentar parar esse avanço. Hoje, estamos em uma situação calamitosa”, diz.
Ele diz existirem atividades cotidianas do crime organizado dentro de presídios estaduais e, para mapeá-la com objetivo de montar estratégias de combate, são necessários equipamentos e aumento de efetivo de agentes penitenciários, principalmente em prisões do interior de Mato Grosso.
“Recebi recentemente um vídeo de uma agente do interior reclamando de falta de gente para cobrir os turnos. Ela narra no vídeo que um promotor de Justiça estava cobrando a liberação de presos para banho de sol, mas ela estava sozinha, porque outros dois agentes que estavam no turno dela tinham saído para levar dois presos, ao mesmo tempo, ao hospital, e prisão tem mais de vinte presos”.
A fragilidade do Estado é mais grave se levado em conta o preparo tecnológico para estar à frente dos ataques criminosos. O instrumento mais avançado, hoje, disponível na Penitenciária Central do Estado (PCE), a maior e a mais equipada em Mato Grosso para reclusão de suspeitos e condenados, é um aparelho de escuta que permite somente adentrar em chamadas telefônicas com conexão com a prisão. Hoje, a penitenciária tem população de 2.114 em espaço projetado para abrigar 879 detentos.
“As ações da polícia nos últimos ataques foram possíveis porque conseguimos entrar na linha e saber para onde estavam sendo comandadas as ações. Essa é a única coisa possível de fazer, hoje, para conter as ações, mas não conseguimos abortá-las”, explica João Batista.
Na terça-feira (14), a polícia conseguiu identificar e colher o celular de onde partiram os comandos para ataques em Cuiabá e Várzea Grande. O aparelho pertence a Evandro da Luz Santana. A hipótese seguida pelo Núcleo de Inteligência da PCE é de que as outras quatro cidades alvos dos ataques tenham sido coordenadas a partir de ligações de detentos da PCE.
Faltam scanner corporal e bloqueadores de celulares
Para barrar ações desse tipo, segundo Joao Batista, presidente do Sindspen, seria necessário aparelhar as prisões estaduais com scanner corporal e bloqueadores de linhas telefônicas. O primeiro item, diz ele, já entrou em fase de edital quatro vezes, mas sempre volta à estaca zero do trâmite por erros em editais; o segundo, não possui nem previsão para aquisição.
“A portaria 002/2014 da Sejudh proíbe a revista íntima em visitantes por ser considerada vexatória; e celulares e drogas geralmente entram no presídio de forma intravaginal. A mulher faz um invólucro com até dois aparelhos e drogas e introduz no corpo dela. Se não pode fazer revista íntima não é possível identificar esses objetos, já que não temos scanner corporal, que é uma alternativa de revista”.
Uma vez dentro da prisão, o uso dos telefones celulares é indiscriminado. Serve tanto para a conexão de líderes criminosos com “apadrinhados” fora da prisão, quanto para criação de uma rede paralela de comunicação entre prisões em Mato Grosso e noutros Estados.
“Eles mandam um ‘salve geral’ pelo What’s app e daí a pouco está em todo o País. No caso desses últimos ataques, eles [detentos da PCE] entraram em contato com presos de outros lugares dizendo que estavam liberados os ataques”, explica João Batista.
“O sistema penitenciário está a todo momento em risco”
Em meio ao cenário de rebeliões em presídios no Brasil, o juiz da 2ª Vara de Execuções Penais de Cuiabá, Geraldo Fidélis, criticou as falas de autoridades do Estado que afirmam não haver risco de uma rebelião.
“O Sistema Penitenciário está a todo o momento em risco. Alguns falam que não existe risco aqui, mas eu acho que não é essa a fala. Todos sabem que existe uma superlotação absurda, então o risco sempre existe”, pontuou.
A situação, segundo Fidélis, estaria na mão no Estado, que neste caso é representado pelos agentes penitenciários e reforça a fala do presidente do Sindspen, João Batista. “Os agentes penitenciários têm o poder nas mãos, existe um trabalho de inteligência que revista as pessoas que entram nas penitenciárias e toda semana são interceptados celulares, drogas devido a essa fiscalização. Mas nunca podemos deixar de estar atentos”.
A Juíza da 4ª Vara de Execuções Penais de Rondonópolis, Tatyana Lopes de Araújo Borges assegurou que a situação na segunda maior penitenciária de segurança máxima de Mato Grosso, a Mata Grande, tem se mantido em total estado de alerta. As visitas estariam acontecendo, mas a atenção redobrou. A penitenciária tem hoje cerca de 1.220 presos, sendo que a capacidade é para 892 detentos.
Segundo ela os agentes estão todos em alerta para qualquer tipo de eventualidade. “O momento de tensão existe em todo o Brasil, então nós temos uma situação em que ocorreu em alguns Estados e que todo mundo que está ali, ou um diretor, ou juiz de execução está tenso a todo o momento. Porém, hoje nós temos a situação sobre controle”.
Mato Grosso possui atualmente 11 mil presos para um total de 6.400 vagas no sistema penitenciário. Estão em construção presídios nos municípios de Várzea Grande, Peixoto de Azevedo, Sapezal e Porto Alegre do Norte, porém as vagas que serão ofertadas não suprirão a necessidade atual.
Tornozeleiras
Em Rondonópolis, quase 290 presos no regime semiaberto estão em liberdade sem o uso de tornozeleiras eletrônicas. Mato Grosso é considerado um dos estados brasileiros que mais utiliza o equipamento Em 2016, 2,5 mil recuperandos passaram a usar o equipamento.
Para suprir a necessidade do Estado, a Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) assegurou junto ao Ministério da Justiça a liberação imediata de R$ 5 milhões que serão empregados na aquisição de tornozeleiras eletrônicas, scanners corporais e bloqueadores de telefonia celular.
Tribunal de Justiça nega risco de rebelião em Mato Grosso
O presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, desembargador Rui Ramos, disse não haver perigo de rebelião nos presídios estaduais. Segundo ele, as movimentações de presos com ligação a facções criminosas estão sendo analisadas de dezembro do ano passado, antes de estourar a crise nos presídios pelo País. Ele disse que o Judiciário estadual não detectou indícios que apontem para um planejamento de ataques na PCE-MT, por exemplo, o maior presídio de Mato Grosso.
“Não temos nas leituras que fazemos dentro do TJMT, uma antevisão de que isso [ataques por rebelião] possa ocorrer. O que fazemos, justamente como medida para evitar ocorrências como essa, são transferências de presos”, afirmou.
O desembargador Rui Ramos disse que o TJ prepara uma força-tarefa para acelerar o trâmite de processos criminais e atos infracionais em Mato Grosso. Por exemplo, a aplicação de audiência de custódia a menores infratores, em casos de roubo, tráfico de drogas e estupros, e a realização de exames de sanidade mental para criminosos com possibilidade de liberação judicial assistida.
É estudada a possibilidade de dividir Mato Grosso em quatro regiões para a concentração de julgamentos de casos em comarcas-polos. A partir da delimitação de cidades e número de presídios será possível montar estratégias para o julgamento de processos.
O TJ também planeja estender as audiências de custódias, implantadas em meados de 2015 em Mato Grosso, para casos envolvendo menores de idade.
21 presos ligados a facções foram transferidos para PCE
Vinte e um presos, apontados como membros de facções criminosas, foram transferidos do Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC) para a Penitenciária Central do Estado (PCE), em Cuiabá, no dia 11 deste mês.
Segundo a direção do presídio, a transferência foi realizada para evitar risco de rebelião, visto que o CRC tem hoje superlotação acima de 75%. Até o começo do ano, havia 846 detentos em espaço para 470. Conforme o CRC, dentre os presos transferidos há acusados de tráfico de drogas, assalto e homicídio. Todos tidos como líderes de grupos criminosos dentro do presídio.
Na vistoria realizada por agentes penitenciários, antes da transferência, foram encontrados ao menos 50 aparelhos de telefone celular, chips de telefone, porções de droga e cadernos com anotação sobre atividades financeiras.
Segundo o Sindspen, é comum que presos se comuniquem uns com outros por meio de mensagens via aplicativos de smartphone, como What’sApp, e ligações diretas, tanto internas (entre detentos em um mesmo presídio) quanto externas, de um presídio para outro, em diferentes Estados.
Sejudh cria ações emergenciais
A Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) informou que montou um plano de 12 ações emergenciais para reforçar o esquema de segurança de presídios em Mato Grosso que será implantado nos próximos meses. O conjunto de medidas envolve órgãos do sistema penitenciário e os de sistema de justiça penal.
Segundo a Sejudh, o primeiro passo é sanar a superlotação de prisões com a ampliação do numero de vagas e implantar um sistema de gestão integrado entre as secretarias do Executivo ligadas à administração carcerária e de segurança pública e o Poder Judiciário.
“Há monitoramento constante da área de inteligência do Sistema Penitenciário para identificar qualquer movimentação e prevenir ações que possam causar possíveis transtornos dentro das unidades”, informou a Sejudh.
A Sejudh disse ainda que ocorreram transferências de presos entre municípios de Mato Grosso, mas não confirmou a prisão de origem, de destino e nem o número de presos transferidos. “Foram realizadas transferências apenas entre unidades locais e regionais do Estado. Não houve necessidade de transferência de detentos para presídios federais”.
Facções ameaçam atentado contra servidores e comércios
Nos últimos trinta dias duas supostas ameaças de facções criminosas foram divulgadas em Mato Grosso. A primeira foi denunciada por agentes penitenciários da cadeia de Barra do Garças (516 km de Cuiabá), em dezembro de 2016. O caso foi repassado para a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh).
Os membros de uma facção apontam uma ligação telefônica anônima em que um homem pede a transferência de presos membros de uma facção rival para outro município. O pedido foi feito com a citação de nomes de detentos para transferência. Servidores e familiares são ameaçados por eles para cumprimento da exigência.
“Se vocês não tirar (sic), nós vamos começar a reagir contra os agentes penitenciários e família. Só isso que eu tenho para dizer. Se você não acreditam, paga para ver”, diz trecho de áudio divulgado pelo Sindspen.
No começo desta semana, um suposto áudio feito por membros de organização criminosa também ameaça ataques em Alto Araguaia (418 km de Cuiabá) por morte de dois integrantes da quadrilha pela polícia.
No áudio que circula por redes sociais, um homem diz que “fará terror na cidade em retaliação à morte de dois integrantes do grupo pela polícia neste último final de semana”. Logo em seguida diz que os ataques começariam esta semana por comércios no centro do município. “Foi passado, então, para vocês, policiais de Alta Araguaia, que nos últimos dias mataram dois ‘irmãos’. O bagulho é louco, e sangue se paga com sangue, vida se paga com vida; derramaram sangue nosso e nós vamos derramar sangue de vocês.
A Secretaria de Segurança Pública (Sesp) não confirmou a autenticidade do áudio.