Ainda que soe paradoxal, o amor – sentimento que deveria ser sinônimo de cuidado, liberdade e reciprocidade – tem sido, em inúmeros casos, a justificativa macabra para atos de violência extrema, culminando em feminicídios. “Matei porque amava demais”, dizem alguns agressores. Mas amor algum anula a autonomia do outro, muito menos deve ser usado como álibi para o controle, a possessividade e a crueldade.
A verdade é que, por trás de muitas dessas tragédias, há uma cultura histórica e persistente de dominação masculina, onde o papel da mulher é reduzido à obediência, ao silêncio e à tolerância. É uma estrutura social que romantiza o ciúme, que perdoa o controle em nome do zelo e que disfarça o abuso sob o manto da proteção.
Mata-se em nome do “amor” porque, para muitos homens, perder o controle sobre uma mulher equivale a perder a própria identidade. E isso é o reflexo direto de uma masculinidade frágil, moldada na ideia de posse e de autoridade incontestável.
O mais preocupante é perceber que, mesmo em pleno século XXI, movimentos têm surgido – ou ressurgido – defendendo uma volta aos “bons costumes”, promovendo a imagem do “homem de verdade” como aquele que lidera com mão firme e da “mulher virtuosa” como a que dignifica o lar através da submissão e da renúncia. Esse discurso, revestido de conservadorismo moral, tenta travestir opressão de valor familiar e reforça estereótipos perigosos que silenciam vítimas e blindam agressores.
Ao enaltecer modelos ultrapassados de gênero, esses movimentos colaboram para a manutenção de uma lógica onde o homem domina e a mulher aceita, mesmo que isso lhe custe a liberdade ou a vida. São retrocessos sociais travestidos de tradição que, ao invés de protegerem as famílias, as adoecem.
É preciso desconstruir essa lógica. O amor verdadeiro não machuca, não prende, não pune. O amor amadurecido reconhece limites, respeita decisões, compreende o fim e acolhe a liberdade do outro como parte do próprio afeto. Amar não é dominar. Amar é libertar.
Portanto, quando alguém diz ter matado por amor, o que houve, na verdade, foi ódio travestido de sentimento. Foi machismo. Foi controle. Foi negação da humanidade da mulher. E enquanto continuarmos tolerando discursos que defendem papéis engessados e submissos para as mulheres, estaremos alimentando o ciclo da violência.
Passou da hora de questionarmos não só o que se entende por amor, mas também o que se ensina sobre ser homem e ser mulher. O amor não mata. O machismo sim.
Enquanto não enfrentarmos esse tema de frente, sem preconceitos sem medo de julgamentos sem fundamentos, não conseguiremos dar um passo sequer na direção da igualdade e do respeito à vida.
Somos todos seres humanos iguais e assim devemos ser vistos.

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.
Foto capa: Chat GPT