Aproximou-se do PMDB do Senado ao encampar as propostas da “Agenda Brasil” de Renan Calheiros, exibiu apoio de movimentos sociais governistas e ganhou mais tempo para responder aos processos no TCU (Tribunal de Contas da União) e no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Para o cientista social e filósofo Marcos Nobre, professor da Unicamp e pesquisador do Cebrap, isso só ocorreu porque nenhuma das alternativas a uma eventual saída de Dilma do poder angariou apoio suficiente entre as elites do país.
Nobre vê hoje o país numa situação de "equilíbrio precário", com as defesas do governo mais azeitadas contra um eventual protesto de massa no próximo domingo.
Mas ele ressalta que a operação Lava Jato – e a definição dos partidos e políticos que cairão na teia da investigação – lança incerteza sobre o horizonte político do país, hoje reduzido a uma semana por vez. "E com emoção", afirma.
BBC Brasil – Em fevereiro o senhor afirmou que o governo Dilma Rousseff passaria o ano de 2015 acuado e na defensiva, como foi o ano de 1999 para Fernando Henrique Cardoso após a desvalorização do real. Mas o senhor também disse que era possível que 2015 acabasse se revertendo em uma situação mais favorável em 2016. Algo mudou nessa previsão?
Marcos Nobre – Do ponto de vista do funcionamento da gestão, o governo conseguiu reverter a situação [nesta semana]. Pode-se dizer com segurança que, depois de aberto o leque de opções à Dilma – Geraldo Alckmin, Aécio Neves, José Serra e Michel Temer –, nenhuma delas conseguiu grande adesão no sistema político nem na elite da sociedade.
Essas quatro opções seriam: a impugnação da chapa Dilma-Temer pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) abrindo caminho para novas eleições e para Aécio; Temer assumindo depois de um impeachment e Serra como “superministro” tentando se viabilizar para 2018; Dilma se mantém enfraquecida no poder e Alckmin entra como candidato em 2018 ou Temer governando sem o PSDB.
Nenhuma dessas alternativas se viabilizou, para pegar o sistema político e dizer: vamos para tal direção. Se não há, fica-se com o que tem. Dilma ficou, e o governo ganhou tempo, o que é essencial nesse cenário de crise política.
BBC Brasil – As manifestações do próximo domingo poderão mudar esse cenário caso obtenham grande adesão?
Nobre – Pode ser que mude, mas o movimento da rua depende de conseguir convencer dois terços dos deputados a receber um eventual processo de impeachment. O presidente da Câmara teria que aceitar, colocar em votação e ter dois terços da Casa. E o que aconteceu na última semana foi o isolamento do Eduardo Cunha, que também é um isolamento da própria Câmara.
Mesmo tendo muita gente na rua, é difícil reverter esse equilíbrio precário que o governo conseguiu para respirar até setembro. Ergueu-se um muro de proteção ao governo em relação às manifestações de rua, e parece relativamente bem construído ao menos para enfrentar esse momento de turbulência mais grave.
Isso significa que o governo pode sobreviver a 2015, mas esse arranjo provisório não vale para 2016. A situação econômica não estará melhor em 2016, e no cenário político há uma decisão do PMDB de ficar com Dilma, mas tudo vai depender do alcance da operação Lava Jato sobre partidos e políticos.
BBC Brasil – O senhor já mencionou que o PMDB pratica uma “asfixia segura” e com “precisão profissional” em relação ao governo: não apertar tanto para matar nem dar margem para reagir. Nesse sentido o impeachment não interessa ao partido?
Nobre – O impeachment seria um desastre para o PMDB. Qualquer coisa que vá parar na rua é um problema para o partido. O PMDB não sabe lidar com a rua, isso sai de sua lógica política da negociação parlamentar. Um segundo problema é que com o Temer assumindo [a Presidência em caso de impeachment de Dilma], o PMDB passa a ser diretamente responsável pela crise econômica, e sem solução rápida à vista.
E teremos eleições municipais em 2016, um pleito fundamental para a existência do partido. É o grande trunfo do PMDB, que precisa manter prefeituras e a perspectiva de renovar os mandatos dos parlamentares.
BBC Brasil – O PMDB da Câmara e o PMDB do Senado não se entendem desde os anos FHC, o senhor também já apontou isso. Como analisa agora essa aproximação entre o governo e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), e a reação contrária de Cunha?
Nobre – O Eduardo Cunha deu um passo em falso no controle do peemedebismo. O PMDB está fazendo oposição desde que o governo assumiu, o que não se pode é dizer publicamente que está fazendo oposição. É um erro primário sob o ponto de vista da cartilha do PMDB.
Cunha imaginou que conseguiria carregar o PMDB para alguma das quatro opções do leque, daí isolou-se e deu um passo maior do que a perna. Agora está tentando recuar, mas não há muito como recuar.
BBC Brasil – Mas esse cenário de predomínio peemedebista na pauta do país, inédito desde os anos 1980, deve continuar nesse ano?
Nobre – Sim, e esse predomínio é o caos. O PMDB é um arquipélago de interesses, não pode liderar o governo. Para além disso, será preciso conhecer os desdobramentos da operação Lava Jato. Quantos vão cair? Isso irá mudar a configuração do partido.
No fundo, todos os partidos estão muito desorganizados. O próprio PSDB está cantando de galo e chamando para manifestação, mas a Lava Jato irá pegar o partido ou não?
BBC Brasil – E como o senhor analisa a atuação do PSDB nessa crise?
Nobre – O PSDB não consegue agir como um partido, ter uma posição unificada. Faz a bobagem de chamar para as manifestações de domingo, mas chamou por que? É preciso dar uma orientação. Primeiro disseram: queremos novas eleições. Se querem isso, querem que o Eduardo Cunha assuma. Aí recuaram e disseram que é contra a corrupção. Não conseguem uma unidade mínima dentro do partido.
Daí Aécio e Alckmin, em entrevista conjunta para demonstrar unidade, afirmam que não é papel da oposição apontar saída para a crise. Se esse não é o papel de uma oposição, qual é então?
BBC Brasil – Com o PT a reboque do PMDB e Dilma enfraquecida, existe uma força social e política em condições de reorganizar o cenário hoje?
Nobre – Hoje o horizonte temporal da política brasileira é de uma semana, duas semanas, um mês no máximo. Isso se chama crise aguda. E não será possível reorganizar o sistema enquanto não se tiver uma ideia do quadro geral dos denunciados na Lava Jato.
O governo tem que conseguir sobreviver até ter uma certa noção desse quadro, para isso precisa chegar até outubro, quando não seria mais viável começar um processo de impeachment para conclusão em 2015. Uma eventual impugnação da chapa pelo TSE ainda seria possível, mas provocaria uma confusão social e política de desdobramento incerto. O TSE mantém a espada sobre a cabeça de Dilma, mas não a está usando nesse momento.
As eventuais lideranças a aglutinar o sistema não poderão estar entre os denunciados da Lava Jato. E hoje não dá para ter certeza sobre ninguém. A quantidade de fios puxados é muito grande. O horizonte da política brasileira está rebaixado. É semana a semana. E com emoção.
Fonte: BBC BRASIL