Circuito Entrevista

Policiais Militares não foram capacitados para fazer investigação

Nascido em São Paulo (SP), Wagner Bassi Junior, 37, é casado, pai de um casal de filhos e atua há dez anos como delegado em Mato Grosso. Atualmente é presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia de Mato Grosso. O delegado conversou com o Circuito Mato Grosso e falou dos desafios da carreira de delegado, glórias e dificuldades.

Wagner se formou em Direito na Universidade de Taubaté (Unitau), em Taubaté interior de São Paulo, e sempre quis seguir a carreira de delegado, onde prestou três concursos para área. 

Entre as grandes prisões em que participou, o delegado destaca que o inquérito  mais complicado foi o caso do Edinho Meira, em 2010. Uma quadrilha especializada em roubos de gados foi desarticulada pela Polícia Judiciária Civil, na região Médio-Norte, na manhã do dia 19 de maio de 2010. Seis mandados de prisão temporária e oito de busca e apreensão domiciliar foram cumpridos na operação "Boi Gordo".

No período de oito meses, a Polícia Civil levantou informações de que a quadrilha, liderada por Edson José de Almeida Meira, o "Edinho Meira", também estava envolvida em roubos de veículos e tráfico de drogas. Conforme  Wagner, "trata-se de uma quadrilha poderosa altamente organizada, criada para obter grandes receitas através de seus crimes", disse ele na época do caso.

Entre outros assuntos o delegado falou sobre dois temas polêmicos, um a “rixa” existente entre Polícia Judiciária Civil e Polícia Militar, em que discorda da forma na qual se dá a união entre as duas forças de segurança.

"O problema é que eles [inteligência da PM] querem virar investigadores criminais, e inteligência não é isso. O treinamento que ele recebeu é de inteligência e não de investigação, ele não sabe fazer. Não foi capacitado para isso", disse.

Outra situação é sobre a acusação da juíza Selma Arruda, da Vara Contra o Crime Organizado da Capital, sobre dois delegados estarem envolvidos em grampos ilegais, por meio da prática conhecida como "barriga de aluguel", sendo eles Alana Cardoso e Flávio Stringuetta.

Confira os principais trechos da entrevista do delegado ao CMT:

Circuito Mato Grosso: Onde surgiu a vontade de ser delegado?

Wagner Bassi: Sempre admirei a atividade de delegado. Minha mãe e três tios já são delegados no estado de São Paulo e desde pequeno eu vislumbrei o desejo, pois praticamente vim de uma família de delegados.

CMT.: Já na faculdade se via atuando na área?

Wagner Bassi: Sim, nunca pensei em atuar em outra área, sempre quis ser delegado. Aliás, prestei somente três concursos públicos até hoje e todos para delegado. Passei em São Paulo, mas por outros estados pagarem mais, prestei concurso em Goiás, passei, mas lá não chamaram e também prestei concurso aqui em Mato Grosso, onde fui aprovado e chamado.

CMT.: Quando começou trabalhar em Mato Grosso por onde atuou?

Wagner Bassi: Assim que assumi como delegado fui designado para Nobres (142 km de Cuiabá-MT), onde fiquei por oito anos. Depois fui para Roubos e furtos de Várzea Grande por dois anos e em seguida atuei dois anos na Capital, onde agora estou à frente do sindicato.

CMT.: Como foi atuar em Nobres?

Wagner Bassi: Foi difícil, porque você atua sozinho na cidade inteira. Porém, ao mesmo tempo em que é difícil, se torna gratificante, pois você é o chefe da polícia na cidade. E você que comanda efetivamente a PJC.

CMT.: E as folgas?

Wagner Bassi: Quando se está em interior e cidades pequenas, sábado, domingo, feriados e a noite, qualquer momento pode ser chamado. A responsabilidade é muito grande, até para sair no final de semana da cidade é muito difícil. Se tem uma pressão muito maior no interior, do que na baixada cuiabana.

CMT.: A família entende essa dedicação?

Wagner Bassi: A família tem que ter muita compreensão, as esposas dos delgados no geral reclamam muito, exatamente por esse fato. Não tem dia e nem hora, a gente não tem liberdade de um dia tomar alguma coisa, um vinho sair para festa, porque tem que estar disponível o tempo todo. Caso aconteça algo tem que estar pronto e você não pode chegar alterado ou embriagado no local da ocorrência. Não podemos dar ao luxo de ir para bar ou boate e "tomar todas".

CMT.: As investigações no interior são mais difíceis? É mais complicado trabalhar?

Wagner Bassi: Eu diria que é diferente, pois, em Cuiabá, a gente trabalha de outra forma e trabalha por especializações. Aqui, cada delegado tem uma única função especializada. Já no interior você cuida de tudo, roubo, homicídio, furto, sequestro, o delegado tem que ser especializado em tudo.  Interior é mais um pronto-socorro no geral, pois tudo que chega você tem que tomar providência.

CMT.: Então se torna mais trabalhoso?

Wagner Bassi: Por um lado não. No interior você trabalha em uma cidade com 30, 40 mil habitantes, você conhece todo mundo e seus policiais conhecem a maioria dos moradores. Então, é muito diferente. Roubou a casa, por exemplo, com as características passadas pela vítima, de imediato o policial já tem uma noção de quem pode ser. Eu diria que no interior você tem um compromisso, mas a facilidade de investigação também é maior.

No interior, a população quer ver a polícia agindo e aconteceu algo, você tem que estar presente dando uma satisfação, o que conta muito é a presença.

CMT.: Já passou por alguma situação de ameaça enquanto delegado?

Wagner Bassi: Sem dúvida, quando cheguei a Nobres eu me sentia muito seguro, tranquilo, Conhecia todo mundo, corria na rua, saia com meus filhos em áreas públicas, mas o que aconteceu? Conforme eu fui atuando e prendendo as principais quadrilhas da cidade, quadrilhas que há muito tempo praticavam tráfico e receptação, eu comecei a sofrer ameaças. Com isso, no interior, tive que tomar muito mais cautela com minha família, Exatamente por ameaças sofridas, pois para prender, nós temos que ter cautela pela nossa vida. Em Cuiabá, você passa mais despercebido. Pode sair, andar no shopping sem ser notado, e interior sempre vão saber quem é você.

CMT.: Tem algum caso enquanto atuava que se recorda como o mais difícil?

Wagner Bassi: Foi o caso do Edinho Meira, por serem pessoas muito fortes na cidade. Em Jangada (70 km da Capital) a gente atuava na investigação do Edinho, um criminoso envolvido em roubo de gado. Ele era muito poderoso na cidade, tinha muito dinheiro, fazendas e tudo mais. Foi feito a investigação e descobrimos que ele mexia com roubo de gados, ele comprava gado roubado. Essa investigação foi muito complexa e me trouxe grandes dificuldades, por ele ser uma pessoa muito antiga e conhecida na região, andava normalmente e quando você prende uma pessoa assim, gera uma repercussão muito grande. Foi uma investigação difícil e problemática socialmente para conseguir convencer a sociedade do envolvimento do indivíduo, em atividades ilícitas.

CMT.: Tocou no assunto que ele tinha poder na cidade, e em alguma situação, já lhe ofereceram vantagens indevidas para não ser preso?

Wagner Bassi: Sem dúvida já tentaram me corromper, eu nunca me corromperia e minhas equipes sempre foram muito éticas. Não vale a penas colocar a carreira em risco por causa de dinheiro, e dinheiro sabemos que não é tudo.

CMT.: Quantos delegados estão atuando em Mato Grosso hoje?

Wagner Bassi: Existem 224 delegados na ativa.

CMT.: O concurso público aberto pelo Estado vai suprir as necessidades existentes no quadro de delegados?

Wagner Bassi: O governo não falou a quantidade de vagas, mas é necessário contratar 120 delegados. Nós precisariamos disso hoje, considerando uma perspectiva de dois a três anos para frente. Até porque, muitos irão se aposentar. A gente espera isso do Governo, que disse que contrataria os 120, embora não esteja isso no edital.

CMT.: O concurso é muito complicado e concorrido?

Wagner Bassi: Sim, o concurso é muito difícil. Tem que estar bem preparado. Em média, 200 candidatos por vaga, muito mais difícil que para ser aprovado em cursos de medicina na USP e nas maiores universidades.

CMT.: Qual o maior desafio após ser aprovado e virar delegado?

Wagner Bassi: A maior dificuldade é posterior, quando você entra. Muitos não estão preparados emocionalmente e psicologicamente para ser delegado de polícia, pois ser delegado é mais que cumprir somente o expediente de oito horas por dia. Muitas pessoas entram acreditando que é isso: vou lá, relato um monte de inquérito, despacho, e tal, e isso é o mais fácil. O difícil é a dedicação, a presença a responsabilidade pela segurança. Mais que segurança, a gente tem que transmitir para a sociedade uma sensação de segurança e isso se transmite pela sua presença, atemorizando os criminosos e protegendo a sociedade.

CMT.: Qual sua opinião sobre as ações conjuntas que vem sendo desenvolvida pela PJC e PM?

Wagner Bassi: Eu sou contra de algumas dessas parcerias, da forma que está acontecendo. Às vezes, a Polícia Civil vai cumprir uma busca na casa de um criminoso e a PM vai dar apoio, e isso está errado, pois para a PM dar apoio teve que tirar uma viatura da rua, que estava fazendo patrulhamento.

A Polícia Militar tem a função de patrulhar e dar sensação de segurança prévia, ou seja, impedir que o crime aconteça. Essa e a função da PM, estar próxima. A [Polícia] Civil tem função da investigação, prender o criminoso na casa dele.

Eu sou contra essa integração que foi falada. "Vamos colocar a Civil para ajudar no patrulhamento na rua". Está errado. Se eu fizer isso, vou tirar o policial da investigação, como já aconteceram algumas vezes. As duas fazendo patrulhamento e vice versa.

CMT.: É contra a integração?

Wagner Bassi: Eu acho que têm que integrar, pois as duas forças acabam se distanciando um pouco. Porém, cada um fazendo o seu papel. Foi uma falha como foi feita essa integração, mandando uma fazer a função da outra. Vamos aproximar por meio de reuniões, e semanalmente eles discutirem patrulhamento e investigação e cada um faz o seu papel.

CMT.: Seria essa “invasão” o motivo de conflitos entre Polícia Civil e Polícia Militar?

Wagner Bassi: Isso já é uma disputa por poder, uma [polícia] quer fazer a função da outra. A PM está fazendo o patrulhamento, mas acha que investigar é melhor, então o que ela quer? Ela começa a colocar homens a paisana para fazer investigação, ai a Civil se sente atingida, e diz: "vocês estão usurpação função pública, em uma atividade minha, não pode, e isso é ilegal".

Então, a Civil vai prender os caras que estão fazendo investigação, ai fica nessa disputa.

A Polícia Civil também erra quando coloca alguns policiais para fazer patrulhamento, principalmente no interior. Polícia Civil não tem que fazer patrulhamento, pois está invadindo a função da PM e isso não pode. Ai quando a Civil é elogiada por fazer patrulhamento, a PM fica com raiva, e criam essa situação.

CMT.: Recentemente, tivemos um caso de policial militar morto fazendo uma investigação sobre suposto roubo de carro. Em 2016, um soldado foi morto por investigar vendas de arma pela internet. Seria essa a invasão que se refere? A função de inteligência da PM (P2), atuar em casos assim?

Wagner Bassi: A Polícia Militar pode ter o P2, para obter informações, só que inteligência não é investigação. Uma coisa é totalmente diferente da outra.

Inteligência é uma equipe que vai buscar informações para permitir a ação da instituição. Então, eu, como gestor da PM ou outro órgão que seja, preciso de informação para saber aonde vou por minha viatura. Eu preciso ter informação para planejar minha atuação.

Só que o P2 passou disso. Se eu estou vendo que o crime está acontecendo, eu vou investigar lá para prender o cara, e isso está errado. Eu obtenho informação para permitir a atuação institucional. O problema é que eles querem virar investigadores criminais, e inteligência não é isso. O treinamento que ele recebeu é de inteligência e não de investigação, ele não sabe fazer. Não foi capacitado para isso.

CMT.: Qual era a medida a ser tomada pelo P2 então, no caso, por exemplo, do soldado Élcio Ramos Leite, 29, morto fazendo um levantamento de pessoas que fariam vendas de arma pela internet?

Wagner Bassi: O caso do CPA, por exemplo, seria necessário fazer o levantamento e a PJC fazer a investigação. Se o P2 descobre algo, tem que passar para a PJC, pois os investigadores são capacitados e tem treinamento para isso.

CMT.: Mudando um pouco de assunto, qual foi o posicionamento do sindicato em relação as acusações da juíza Selma Arruda de terem delegados envolvidos em escutas ilegais, por meio da "barriga de aluguel"?

Wagner Bassi: Na verdade, houve equívoco em situações distintas. Os delegados agiram tecnicamente  para cumprir a lei, para proteger o Governo do Estado. No caso, havia informações concretas de que havia um risco a vida do governador e o chefe da casa civil. Então, eles agiram tecnicamente. Não mentiram nomes e usaram equipamentos oficiais do Estado, que é o Sistema Guardião, auditável e controlável. Todos os áudios estão guardados e disponíveis a Justiça.

É muito diferente do que houve na PM. Houve uma confusão da imprensa e até em minha opinião, da juíza Selma. A forma como ela escreveu [em documento], ela se confundiu, pois deu a ideia de que se tratava do mesmo assunto "barriga de aluguel", e não se tratava. Não era barriga de aluguel o que eles fizeram em nenhum momento, aquilo era técnico.

CMT.: Então o que é barriga de aluguel, delegado?

Wagner Bassi: É quando você mente o nome, você fala ou começa uma interceptação de alguém que não tem nada a ver com o fato, isso é barriga de aluguel, e a Polícia Milita fazia isso, e com aparelho de escuta ilegal, pois não utilizava equipamentos de escutas oficiais, e utilizava escritório clandestino, é muito diferente da Polícia Civil.

CMT.: Você afirma então, que a Polícia Civil e a classe dos delegados estão ilesas quanto a essa prática?

Wagner Bassi: Com toda certeza.

CMT.: A Polícia Civil é uma das instituições em Mato Grosso que possui o Sistema Guardião. Como este sistema é utilizado nas investigações e qual o auxílio trazido para o trabalho dos delegados?

Wagner Bassi: O Sistema Guardião é fundamental, pois ele auxilia no gerenciamento das interceptações, tudo com ordem judicial, mas ele faz o gerenciamento da escuta tipo Windows. O Guardião gerencia as interceptações. O sistema da PJC é o maior do Estado e realizamos muitas interceptações lícitas e técnicas de criminosos.

O sistema nos auxilia nas prisões. Por isso, a PJC tem conseguindo prender grandes criminosos. Um exemplo é a operação Sodoma que prendeu Silval Barbosa, o ex-governador foi preso pela PJC na operação que utilizamos o Guardião.

CMT.: Hoje, qual a principal melhoria que o sindicato busca para os delegados?

Wagner Bassi: O grande problema hoje é estrutural. As viaturas melhoraram, mas precisamos melhorar a estrutura dos nossos prédios para serem prédios próprios para delegacia.

O Governo não tem feito investimento em prédios, em alguns casos tem autorizado locações. Prédio tal vai cair, aluga uma casa e faz de delegacia. Delegacia é algo especifico. Isso tem nos preocupado, esperamos que o governo mude isso.

As centrais de flagrantes são péssimas e precisamos melhorar isso. Reforma integral dos prédios ou construção de prédios. Hoje em dia a vítima está registrando B.O. e fica perto do bandido, ai chega polícia com preso algemado, e isso não pode acontecer.

A pessoa acabou de ser roubada, teria que ter uma sala especifica, receber um bom atendimento, ser bem orientado. Hoje a estrutura não permite isso. Mais do que no preso, deve-se pensar na vítima.

CMT.: E o que pensa para o futuro da Polícia Civil?

Wagner Bassi: A gente espera o crescimento da carreira, pois a polícia é fundamental. Seguimos a Polícia Federal como exemplo de força institucional e esperamos crescer mais a cada ano.

 

Redação

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