Mais uma ação da Semana da Justiça pela Paz em Casa foi realizada pelo Poder Judiciário de Mato Grosso nessa quarta-feira (23.08), por meio de uma audiência coletiva preliminar com 80 mulheres vítimas de violência doméstica, na 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Cuiabá.
O intuito da audiência é cumprir o artigo 16 da Lei n. 11.340/2006, que versa sobre a renúncia à representação de violência doméstica feita pela mulher ofendida. De acordo com o dispositivo legal, a representação pode ser retirada mediante a presença da vítima diante de um juiz e um representante do Ministério Público, antes que a denúncia seja recebida pelo Judiciário.
Na audiência, o juiz titular da vara, Jamilson Haddad Campos, e a desembargadora Maria Erotides Kneip, coordenada da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cemulher), recepcionaram as vítimas proferindo palavras de força e incentivo, além de esclarecer o reflexo da violência no seio familiar.
“Parabenizo vocês pela coragem de vir, denunciar e tentar reconstruir a família. A violência é um ciclo. Se não houver uma forma de interromper, isso vai continuar. Vocês estão agindo em nome dos filhos, em nome da família. As verdadeiras vítimas da violência doméstica são os filhos”, destacou a desembargadora.
Este problema foi enfrentado por Andressa* e seu filho de quatro anos. Ela morou com o ex-companheiro durante cinco anos, dos quais quatro viveu o tormento de uma rotina de violência física, psicológica e verbal – muitas vezes presenciadas pelo filho pequeno.
Andressa conta que o ex-marido bebia com frequência, brigava com ela quando estava bêbado e a agredia por qualquer motivo, além de xingá-la muito e gritar. A situação chegou a tal ponto que ela foi enforcada no dia em que ia dar a luz e caiu no chão, machucando a cabeça do bebê que ainda estava no útero. Além disso, Andressa relata que perdeu um filho pela negligência dele como pai, pois teve que fazer a mudança de casa sozinha.
“Eu me cansei de passar por aquilo. Não aguentava mais. Tinha que dar um basta porque não dava mais para mim. Fica uma mágoa seca que nunca passa. Hoje estou tentando apagar da minha memória tudo o que passei para viver melhor”, descreve Andressa.
Ela decidiu por um ponto final nessa angústia há sete meses. Apensar do medo de denunciar, ela incentiva outras vítimas a tomarem a mesma atitude. “Eu tenho medo, mas se com cada mulher que ele fizer isso, ele souber que a mulher tem medo e não denunciar, isso vai continuar para o resto da vida e ele vai fazer mais vítimas. As mulheres devem perder o medo e a vergonha e denunciar. Isso não pode passar de geração em geração como acontece hoje”, defende.
Para que todas as mulheres fossem ouvidas pelo juízo e pelo Ministério Público, o grupo foi dividido em três salas separadas, onde cada processo foi analisado e orientado todo o trâmite legal dos crimes de ameaça, lesão corporal e outros relacionados à violência doméstica.
“Hoje a Justiça tem uma preocupação toda especial para que a mulher não seja mais agredida, para que as famílias tenham uma relação de paz, de harmonia e para que, quando não for possível a continuidade dessa relação, se possível essas pessoas saiam tratadas e empoderadas através da Justiça Restaurativa”, explicou o juiz Jamilson Haddad.
* Nome fictício usado para preservar a identidade da vítima