O Instuto Geral de Perícias (IGP) de Florianópolis confirmou nesta quinta-feira (22) que Luis Paulo Mota Brentano, 25 anos, o policial militar suspeito de atirar em Ricardo dos Santos, 24, teria ingerido álcool na segunda-feira (19), dia do crime. O laudo toxicológico do órgão, no entanto, não detectou a presença de outras drogas. Ricardinho foi atingido por dois tiros, que perfuraram vários órgãos, e morreu na última terça-feira (20).
Em uma das versões do crime relatada para a Polícia Civil, o PM estaria consumindo drogas em frente à casa do surfista, o que teria causado do desentendimento entre os dois. A tese foi contestada pela defesa do suspeito, que alegou que o cliente não usa drogas. "Desde o início, ele se colocou à disposição da Justiça para fazer o exame toxicológico. Ele fez o exame e deixou o veículo dele na delegacia. Foi feito uma perícia em todo o veículo para verificar se foi encontrado algum resquício de droga", afirmou o advogado do policial, Gilson Schelbauer.
Conforme o diretor-geral de IGP, Miguel Acir Colzane, caso o policial tivesse utilizado outras drogas, haveria vestígios na amostra de sangue coletada. "A cocaína fica por até três dias presente na corrente sanguínea. Foi constatado apenas alcoolemia no teste", relatou. Conforme o IGP, o sangue de Brentano foi coletado às 14h da segunda-feira. O crime aconteceu na frente da casa do atleta por volta das 8h30 do mesmo dia na Guarda do Embaú, em Palhoça, município da Grande Florianópolis.
De acordo com o IGP, o laudo toxicológico foi entregue na tarde desta quinta (22) ao delegado Marcelo Arruda, responsável pela investigação. Com o laudo cadavérico enviado pelo Instituto Médico Legal (IML) ao delegado na quarta (21), Arruda deve dar os procedimento ao inquérito policial. Até as 16h30, o G1 não conseguiu contato com o investigador.
Inquérito policial
Segundo o laudo do IML, um dos projéteis atingiu o lado esquerdo do corpo de Ricardo dos Santos, o atravessou e saiu pelo lado direito, perfurando órgãos internos. O outro tiro acertou as costas e a bala ficou alojada na vértebra lombar.
Com essas informações, segundo a polícia, a versão dada pelo soldado, de legítima defesa, pode ser descartada perante o inquérito. Conforme o advogado do policial, ele manterá o argumento de legítima defesa, que, segundo ele, independe da posição em que os dois estavam.
Schelbauer alegou que o agente teria efetuado os disparos "simplesmente para assustar, e não para acertar [Ricardo dos Santos]". Segundo o advogado, após uma discussão, a vítima teria voltado com um facão para se defender. "Ele [o PM] já estava indo embora, e a vítima [Ricardinho] teria investido contra ele", argumenta.
O laudo cadavérico não confirma como ocorreu a sequência de tiros. O IML informou que, pelas marcas, as balas foram disparadas de uma distância superior a 60 centímetros. O órgão esclarece que, somente com outros exames, será possível precisar a distância em que o tiro foi feito e se a bala é compatível com a arma do policial suspeito.
Brentano foi preso em flagrante e levado, primeiramente, ao Batalhão da Polícia Militar de Florianópolis. Na noite de terça (20), ele foi transferido para o 8º Batalhão de Joinville. O agente está detido por tempo indeterminado. O irmão dele, que estava junto no carro, foi liberado e é considerado testemunha do caso.
O policial já respondeu a outros processos criminais – e foi absolvido em todos, segundo a PM. Ele será indiciado pela Polícia Civil por homicídio doloso qualificado. Em paralelo, o PM também responderá a um inquérito militar pelo mesmo crime.
Petição
Até as 17h desta quinta-feira, mais de 29 mil pessoas assinaram uma petição online para pedir Justiça pelo caso de Ricardo dos Santos. O documento foi criado no dia da morte do surfista.
A estudante de direito Aline Adams Veiga, de 22 anos, é uma das pessoas envolvidas na divulgação da petição. "Nosso objetivo é que o maior número de pessoas assinem para que a petição seja entregue diretamente nas mãos do governador Raimundo Colombo. Queremos garantir que ele se envolva pessoalmente no caso, que o policial seja expulso da corporação e pague pelo crime que cometeu", disse. Aline conta que cresceu com Ricardinho, como era conhecido entre os amigos.
Segundo a assessoria do governador Raimundo Colombo, é preciso que o inquérito militar e o inquérito policial sejam concluídos para que qualquer decisão seja tomada. O governo esclarece que, como qualquer pessoa suspeita de um crime, o PM precisará ser julgado pela Justiça. A expulsão da corporação militar pode ocorrer após o término do inquérito.
Diferentes versões
O policial estava acompanhado do irmão, menor de idade, no momento do crime. Outra versão indica que Ricardinho havia pedido para que o suspeito retirasse o automóvel de cima de um cano na frente da casa do surfista. Ele e o avô iriam consertar a tubulação, que leva água para as famílias daquela área. Segundo moradores, o policial teria agido de forma agressiva ao responder para o surfista, que retrucou, mas não houve uma discussão forte entre os dois.
Ainda conforme os relatos, quando todos achavam que o motorista estava saindo com o veículo, o policial sacou uma pistola e atirou duas vezes contra Ricardo. O atleta ainda tentou fugir, mas foi atingido por mais um tiro nas costas, conforme testemunhas. O delegado responsável pela investigação, Marcelo Arruda, informou que deve ser feita uma reconstituição dos fatos para confirmar o que realmente ocorreu.
O jovem passou por quatro cirurgias, três delas na segunda (19), mas não resistiu aos ferimentos e morreu no início da tarde de terça (20) no Hospital Regional de São José, também na Grande Florianópolis. O rapaz foi enterrado nesta quarta (21), em Paulo Lopes, cidade vizinha.
Velório e enterro
O corpo do surfista foi enterrado pouco depois das 12h desta quarta (21) no cemitério de Paulo Lopes. O velório começou às 23h de terça (20) no salão da Paróquia Santa Terezinha, na Guarda do Embaú, onde o atleta nasceu e morava. No local, foram colocadas várias fotos do catarinense surfando e pranchas que ele usava para praticar o esporte.
Jacqueline Silva, Mineirinho, Alejo Muniz, Renan Rocha e Luan Wood são alguns dos surfistas que estiveram presentes no adeus a Ricardinho. No local do sepultamento, parentes e amigos do atleta gritaram por justiça.
Por volta das 18h desta quarta, amigos, familiares e moradores do local onde Ricardinho morava fizeram uma homenagem ao rapaz, no Rio da Madre, que fica na frente da praia. Centenas de pessoas participaram do ato, que pediu justiça e contou com a presença de Paul Speaker, presidente da Liga Mundial de Surfe (World League Surf).
Doação
O Hospital Regional de São José, na Grande Florianópolis, informou que as córneas de Ricardinho foram retiradas na tarde de terça e doadas. A direção da unidade de saúde esclareceu que, por não ter ocorrido morte encefálica, e sim parada cardíaca, demais tecidos e órgãos não puderam ser aproveitados para doação.
Fonte: G1