Planos de saúde podem estabelecer apenas as doenças para as quais oferecerão cobertura, e não limitar o tipo de tratamento que será prescrito, cuja incumbência é do médico que assiste o paciente. Com esse entendimento, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ao reformar sentença que havia negado tratamento domiciliar (home care) a uma mulher em estágio avançado de mal de Alzheimer.
A autora queria obrigar a operadora a fornecer cuidadores, fisioterapeuta, medicamentos, fraldas, sondas e alimentos, por exemplo, com custo mensal estimado em mais de R$ 20 mil. Tais gastos se justificam, segundo ela, por se encontrar em estágio avançado da doença, necessitando do tratamento por recomendação médica.
Em resposta, a ré respondeu que os pedidos não têm ‘‘amparo contratual ou legal’’, pois tal cobertura não foi incluída expressamente no contrato. Sustentou que o atendimento home care é, na verdade, substitutivo ao atendimento hospitalar e decorre exclusivamente da discricionariedade do plano de saúde.
O juízo de primeiro grau havia reconhecido a princípio a obrigação da empresa, com base em jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Para o juiz Maurício da Costa Gambogi, da 8ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, ‘‘a internação hospitalar constitui para a operadora modalidade de prestação até mais onerosa do que a do tratamento sob a forma de home care’’.
Ao proferir a sentença, porém, Gambogi teve outro entendimento, julgando a ação improcedente. Ele disse que a questão é ‘‘tormentosa’’, pois a jurisprudência não se mostra pacífica, havendo precedentes respeitáveis em ambos os sentidos. E isso impede que o julgador estabeleça uma ‘‘convicção segura’’ a respeito do assunto.
O juiz afirmou que compete à Agencia Nacional de Saúde Suplementar (ANS) regulamentar a lei que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde (9.656/98). Conforme o parágrafo 4º do artigo 10, a amplitude das coberturas será definida por normas editadas pela ANS. ‘‘Ocorre que o tratamento home care não consta da Resolução Normativa nº 387/2015, que explicita o rol de procedimentos e eventos que constituem as exigências mínimas e coberturas obrigatórias’’, complementou.
A sentença diz ainda que, de acordo com parecer técnico da ANS (4/GEAS/GGRAS/DIPRO/2016), as operadoras não estão obrigadas a oferecer qualquer tipo de atendimento domiciliar como parte da cobertura mínima obrigatória a ser garantida pelos ‘‘planos novos’’ ou pelos ‘‘planos antigos’’ adaptados.
‘‘Por conseguinte, mediante uma verdadeira interpretação autêntica, emanada do próprio órgão responsável pela regulamentação da Lei 9.656/98, não é obrigatória a cobertura do home care, e haverá obrigatoriedade apenas em face de previsão contratual específica, e nos demais casos a concessão constitui liberalidade da operadora ou exige acordo específico das partes a respeito’’, escreveu na sentença, revogando a liminar concedida.
Já no TJ-RS, o desembargador Jorge André Pereira Gailhard afirmou que o contrato se submete às normas do Código de Defesa do Consumidor, orientação expressa, inclusive, na Súmula 469 do STJ.
O artigo 47 do CDC determina que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, disse o relator. Também deve incidir o disposto no artigo 51, inciso IV, parágrafo 1°, inciso II, segundo o qual é nula a cláusula que estabeleça obrigações que coloquem o cliente em desvantagem e restrinjam direitos.
‘‘Importante lembrar que o médico que assiste a autora é profissional habilitado para prescrever o tratamento que entende ideal para o caso, não bastando, para afastar as suas conclusões, por si só, o parecer técnico juntado pela operadora de plano de saúde. (…) Logo, o serviço postulado deve ser fornecido 24 horas por dia, como pretendido e indicado’’, escreveu no acórdão.