Em um mês como procuradora-geral da República interina, Elizeta Ramos mandou sinais ao presidente Lula (PT) na tentativa de se cacifar para ser efetivada no cargo. Mas ela também fez gestos à parcela da instituição que se aproximou da Lava Jato nos últimos anos.
Elizeta intensificou os trabalhos do setor na PGR (Procuradoria-Geral da República) que apura crimes contra a democracia atribuídos a pessoas próximas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e manteve uma postura discreta, sem incomodar o governo.
Ao mesmo tempo, deixou as ações contra a Lava Jato no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) paradas e pediu vista (mais tempo para análise) no STF (Supremo Tribunal Federal) de uma queixa-crime contra procuradores da operação devido ao acordo de leniência da JBS.
A avaliação de integrantes da Procuradoria é que a demora de Lula para definir o próximo procurador-geral fortaleceu o movimento de Elizeta para ser mantida no cargo, o que tem garantido que ela não tome decisões incômodas para o Executivo.
No entanto, a chefe interina da PGR, que tem um histórico próximo da Lava Jato, não seguiu o ritmo do antecessor, Augusto Aras, na imposição de reveses à operação.
Aras ficou quatro anos à frente da Procuradoria e deixou o cargo em 26 de setembro. Ele foi indicado e reconduzido ao posto por Bolsonaro e teve uma gestão marcada pela omissão em relação à postura do ex-presidente na pandemia da Covid-19 e também nas ofensivas do ex-mandatário contra as instituições.
Além disso, o ex-chefe do Ministério Público Federal acabou com o modelo de força-tarefa da Lava Jato e esvaziou as investigações iniciadas em Curitiba. A atuação dele nesse sentido rendeu uma boa relação com os caciques do Congresso Nacional e também com importantes integrantes do governo federal.
Uma ala do Executivo sob Lula chegou a defender a recondução de Aras, mas a avaliação do Palácio do Planalto é que a manutenção dele no posto geraria um desgaste político muito grande devido à postura dele em relação a Bolsonaro.
A diferença entre Aras e Elizeta não se restringe à Lava Jato.
A atual chefe da PGR também se diferenciou do seu antecessor na recente operação que apura o suposto uso irregular pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência) de um sistema para monitorar celular de adversários de Bolsonaro durante o último governo.
Em março, a então número 2 da Procuradoria e pessoa de confiança de Aras, Lindôra Araújo, defendeu o arquivamento da investigação após o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinar que a Abin entregasse a lista de vigiados e prestasse informações sobre o uso do sistema de monitoramento.
Agora, a PGR mudou de posição e foi favorável à operação para aprofundar as apurações sobre o caso. Com isso, ganhou pontos com Moraes, que em diversas ocasiões nos últimos anos enfrentou o desgaste de determinar investigações a contragosto da Procuradoria.
Segundo a lei, a PGR é a responsável por definir as estratégias das apurações criminais.
Moraes, no entanto, tem outro preferido para assumir o comando da instituição. Ele e o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo, defendem a indicação do atual vice-procurador-geral Eleitoral, Paulo Gonet Branco.
Pesa contra o candidato dos ministros o fato de ele ter um perfil conservador. Além disso, interlocutores de Lula dizem que o presidente tem calculado até que ponto vale empoderar ainda mais Gilmar e Moraes, que são vistos como os integrantes mais influentes do Supremo.
No caso de Elizeta, um dos fatores negativos de sua campanha para ser efetivada é a imagem de próxima da Lava Jato. Ela ganhou essa fama, entre outras razões, por ter assinado uma nota em apoio à nomeação do então juiz Sergio Moro para o Ministério da Justiça de Bolsonaro.
O texto foi assinado em 2018 por mais de 150 procuradores e exaltava os feitos do ex-magistrado, que foi o principal algoz de Lula e do PT no Judiciário. O documento afirmava ainda que Moro teve um "extraordinário desprendimento pessoal, em benefício do Brasil e dos interesses da sociedade" à frente da operação.
Outro movimento que reforçou a imagem lava-jatista de Elizeta foi a abertura de uma sindicância para apurar a ida de Lindôra Araújo a Curitiba para se reunir com integrantes da operação, em 2020.
À época, ela era corregedora e instaurou apuração para analisar uma acusação dos integrantes da operação de que Lindôra teria tentado copiar dados sigilosos de investigações da Lava Jato de maneira ilegal.
Outro nome que disputa a indicação para comandar o órgão é o do subprocurador-geral da República Antônio Carlos Bigonha. Ele tem relação de proximidade com próceres petistas e tenta se viabilizar para o posto, mas preocupa o fato de ser um entusiasta da causa ambiental.
O temor do governo é que sua atuação possa atrapalhar projetos desenvolvimentistas do Executivo que tendem a gerar atritos com ambientalistas.
Além dele, também estão no páreo os subprocuradores Aurélio Rios e Luiz Augusto Santos Lima.
Até o momento, o petista ainda não definiu quem comandará a PGR nos próximos dois anos. A única decisão que já está tomada, dizem ministros palacianos, é a de que Lula não irá escolher um nome da lista tríplice encaminhada pela ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República).
O presidente e a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) sempre escolheram os mais votados pela categoria, mas Michel Temer (MDB) quebrou a tradição ao escolher a segunda colocada, Raquel Dodge. Bolsonaro inovou a indicar um nome fora da lista. Agora, a tendência é que Lula siga o mesmo caminho de seu antecessor.