A Polícia Federal deflagrou ontem a Operação Narco Vela para reprimir tráfico internacional de drogas com o uso de veleiros e barcos que seguiam do Porto de Santos, litoral paulista, para Europa e África. O trabalho contou com ações do DEA (departamento antidrogas dos EUA), da Marinha dos EUA, da Guarda Civil Espanhola e da Marinha Francesa.
A investigação da PF começou a partir de uma comunicação do DEA sobre a apreensão de 3 toneladas de cocaína em fevereiro de 2023, no veleiro Lobo IV, que foi abordado pela Marinha Americana em alto-mar, próximo do continente africano. Na ocasião, foi preso Flávio Pontes Pereira.
Com base nas informações do DEA, a PF identificou a participação de Leandro Ricardo Cordasso, ligado ao Primeiro Comando da Capital (PCC), que “mantinha relação de afinidade com Rodrigo Felício, o Tico, e Levy Adriani Felício, o Mais Velho, ambos integrantes da facção”.
No tráfico, eram usados satélites e embarcações com autonomia para travessias oceânicas, incluindo veleiros. Mais de 300 federais e 50 policiais militares de São Paulo cumpriam ontem 4 mandados de prisão preventiva, 31 de prisão temporária e 62 de busca e apreensão, em São Paulo, Rio, Maranhão, Pará e Santa Catarina. Até ontem, 23 investigados haviam sido presos. Além de prisões e buscas, a Justiça Federal determinou bloqueio e apreensão de bens até o valor de R$ 1,32 bilhão. Outros carregamentos também foram interceptados em águas internacionais por Guarda Civil Espanhola e Marinha Francesa.
APREENSÕES
A operação teve ordem do juiz federal Roberto Lemos dos Santos Filho, da 5ª Vara Criminal Federal de Santos, litoral paulista, onde está o maior porto da América Latina e por onde o PCC despachou a maior parte da droga para o exterior. Lemos mandou prender 35 suspeitos amparado em um relatório do Grupo Especial de Investigações Sensíveis, braço da Superintendência Regional da PF em São Paulo, que registra apreensão, em operações distintas nos últimos três anos, de pelo menos 8 toneladas de cocaína, carga avaliada em cerca de R$ 1,54 bilhão.
Pelo menos quatro suspeitos estão fora do País. Roberto Lemos decretou a prisão preventiva de Peterson Rodrigues da Silva, Soufyan Hossam El Dani, Wellington Salustre e Flávio Pontes Pereira. “Expeçam-se mandados de prisão preventiva, devendo constar destes o compromisso de se requisitar a extradição dos investigados presos.” O juiz mandou incluir os nomes dos quatro na Difusão Vermelha da Interpol – o índex dos mais procurados em todo o mundo.
A Narco Vela aponta para a ligação de duas empresas de comércio exterior e apoio marítimo com o esquema de alcance internacional do PCC. As empresas são controladas por quatro investigados.
Ao longo das investigações, ocorreram oito grandes apreensões de cocaína transportadas em embarcações, como veleiros, barcos pesqueiros e navios cargueiros. O primeiro golpe no tráfico foi em fevereiro de 2023, quando o veleiro Lobo IV foi interceptado com 3.082 kg de droga. Flávio Pontes Pereira foi preso e interrogado pelas autoridades americanas. Seus relatos foram reportados pelo DEA à PF brasileira detalhando outro carregamento de cocaína por via marítima e levaram à identificação de Leandro Ricardo Cordasso, “pessoa que possui vínculos com o PCC”. A quebra do sigilo de celulares e de e-mails, principalmente com relação a terminais telefônicos ligados a Pereira, possibilitou identificar o grupo responsável pela logística de comunicações via satélite, utilizadas para travessias oceânicas.
Em outra operação, em julho de 2022, a PF já havia confiscado 1,9 tonelada de cocaína a bordo do veleiro Vela I. Outras embarcações – Batuta IV e Eros, a última com 2.400 kg de cocaína – foram recolhidas em abril e maio de 2024. Ainda em maio de 2024, os federais apreenderam 560 quilos de cocaína em Belém e flagraram “atos preparatórios” para uso do veleiro Obelix, além de abordar a lancha Albatroz 2, também na capital paraense.
NÚCLEOS
O avanço das apurações resultou na identificação de quatro núcleos ligados ao tráfico internacional de drogas e/ou de lavagem de capitais, assim nominados: Grupo Baixada Santista, Grupo Limeira, Grupo Eros e Grupo Batuta IV (logística). O Baixada Santista é definido pela PF como “com ampla experiência na logística marítima voltada ao transporte de grandes quantidades de cocaína, cujo modus operandi compreende desde o planejamento e execução da comunicação via satélites até a realização de operações complexas de transbordo da droga para embarcações de diferentes tipos”. “No centro dessa engrenagem criminosa figura Marco Aurélio de Souza, o Lelinho, apontado como um dos principais articuladores do tráfico marítimo na costa brasileira”, diz a PF. Lelinho é proprietário de diversas embarcações, responsável direto por uma empresa de serviços marítimos e controla uma outra, de comércio exterior.
A investigação destaca que foi constituído um subgrupo operacional com atuação voltada à Região Norte do País, “possivelmente como estratégia para se esquivar da crescente fiscalização nas imediações do Porto de Santos”. Esse núcleo passou a operar intensamente no Maranhão e no Pará. Essa etapa da apuração, que incluiu a quebra do sigilo do celular de Klaus Motta, levou ao nome de Gabriel Gil, o Jogador, “membro de destaque do PCC”.
O Grupo Limeira, supostamente liderado por Leandro Cordasso, advogado estabelecido naquele município do interior de São Paulo, “está diretamente vinculado às travessias ilícitas realizadas pelos veleiros Vela I e Lobo IV”. A PF apurou que Cordasso “estabeleceu laços familiares com integrantes associados ao PCC, o que possivelmente resultou em seu envolvimento direto em duas operações de tráfico internacional de drogas que culminaram na apreensão de mais de 5 toneladas de cocaína em águas internacionais.” O advogado foi casado com Pamela Felício Cordasso, filha de Adriana Felício, que é irmã de Rodrigo Felício, o Tico, e de Levi Andrade Felício, o Mais Velho. Os dois são reconhecidos nacionalmente por sua estreita relação com o alto escalão do PCC, diz a PF.
Foram identificados laranjas associados aos telefones satelitais adquiridos para as travessias dos veleiros Vela I e Lobo IV. Sobre o Grupo Eros, a PF diz que recebeu esse nome graças à ligação dos suspeitos com o veleiro Eros, depois rebatizado Diana II. A PF suspeita de que os membros do Eros fizeram “empreitada criminosa transoceânica, culminando no transporte ilícito de aproximadamente 2,5 toneladas de cocaína”. A carga, porém, foi apreendida pela Marinha Francesa em setembro de 2023. “Não obstante à apreensão da substância entorpecente, por razões atinentes à legislação francesa, os tripulantes foram liberados e retornaram ao território nacional, permanecendo impunes naquele país”, acentua o documento da PF.
O Grupo Batuta IV cuidava do núcleo logístico. “Tal núcleo apresenta conexões técnicas e operacionais com o grupo liderado por Marco Aurélio de Souza, o Lelinho, notadamente pela utilização de equipamentos de comunicação satelital vinculados à empresa Jacksupply Assessoria de Bordo e Comércio Exterior, já amplamente identificada como braço logístico daquele grupo criminoso”, diz a PF. Outro advogado, conhecido como Doutor, tinha papel de confiança na organização criminosa, diz o relatório. Ele atuava como “uma espécie de assessor jurídico estratégico”.
Ao representar pela decretação da prisão dos investigados, a PF argumentou “estarem todos envolvidos diretamente nas operações de tráfico internacional de drogas” e alertou para o risco de destruição e manipulação de provas.