As atuais gestões do Ministério da Justiça e da Polícia Federal cancelaram a criação de uma delegacia em Petrolina, Pernambuco.
A cidade é a base eleitoral do agora ex-líder do governo de Jair Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
A instalação da delegacia da Polícia Federal tinha sido autorizada na época em que André Mendonça, atual ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), era titular da pasta.
Um imóvel para abrigar a nova delegacia chegou a ser escolhido no local, após chamamento público, e um contrato de aluguel foi redigido, mas o projeto não vai mais sair do papel.
Os planos começaram a ser feitos em julho de 2020, a pedido da então superintendente de Pernambuco, Carla Patrícia, que alegou ser importante substituir a sede da PF no Sertão Pernambucano, trocando Salgueiro por Petrolina, que fica a 720 km do Recife.
Em documento para embasar a solicitação de mudança, ao qual o jornal Folha de S.Paulo teve acesso, a delegada argumentou que a unidade em Salgueiro foi criada apenas por ser ali o "polígono da maconha".
Ela alegou que há anos a Polícia Federal vem realizando na região operações de erradicação para combater o ilícito, não havendo necessidade de manter uma estrutura no local. Há também entre as razões apresentadas a alta rotatividade do efetivo.
Para defender Petrolina como nova sede do sertão do estado, Carla Patrícia argumentou tratar-se da cidade de maior destaque e importância da região, a sexta mais rica de Pernambuco, onde instalaram-se redes de escolas particulares, do setor hoteleiro e de gastronomia.
Além disso, segundo ela, há um aeroporto no município por onde passam 1.600 pessoas por dia e mais de 10 toneladas de carga aérea.
A autorização da nova delegacia chegou a ser publicada em edição do Diário Oficial em março de 2021.
Após a chegada de Anderson Torres ao Ministério da Justiça e de Paulo Maiurino ao comando da PF, os planos mudaram.
A criação da nova unidade estava prevista para o julho deste ano, mas, em 11 de maio, o Ministério da Justiça pediu à PF uma reanálise da intenção por causa do "cenário de restrição orçamentária".
No mês seguinte, em 14 de junho, a PF se manifestou contrária à nova delegacia por meio de um despacho assinado pelo gabinete de Maiurino.
"Considerando os novos objetivos estratégicos da Polícia Federal, o presente projeto não se encontra entre as demandas prioritárias, conforme definido em reuniões de diretores", escreveu a direção da polícia.
O despacho em que o gabinete de Maiurino informa que o projeto deixou de ser prioridade, porém, não traz informações sobre os motivos e apenas indica a definição feita em reunião com diretores.
A nova delegacia acarretaria à PF uma despesa a mais de cerca de R$ 600 mil. Como não havia recursos na PF de Pernambuco, foi feito um pedido de suplementação de crédito orçamentário, o que foi autorizado.
"Informamos que existe espaço orçamentário para suportar a contratação pretendida, devendo a SR/PF/PE utilizar esse Despacho como Declaração de Disponibilidade Orçamentária", consta em documento assinado pelo coordenador de Orçamento, Finanças e Contabilidade da PF, no mês de abril, dias antes de o Ministério da Justiça questionar as restrições orçamentárias.
Em 21 de julho, a PF em Pernambuco arquivou em definitivo o processo de criação da nova delegacia.
O ex-líder do governo Fernando Bezerra foi alvo de investigações da Polícia Federal nos últimos anos.
Em junho, a PF indiciou o senador e um de seus filhos, o deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), por suspeita dos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, associação criminosa, falsidade ideológica e omissão de prestação de contas.
Também nesse ano, a PF pernambucana deflagrou uma operação contra desvios na Prefeitura de Petrolina, comandada por Miguel Coelho (DEM), filho de Bezerra.
Como o jornal Folha de S.Paulo mostrou em dezembro, enquanto era líder do governo no Senado o congressista foi o responsável por endereçar R$ 330 milhões à regional do órgão federal Codevasf em Petrolina, em um período em que o filho dele prefeito da cidade busca candidatura ao governo estadual.
Em relação a 2019, o valor de cerca de R$ 180 milhões foi repassado por meio da indicação do senador com a utilização de um mecanismo orçamentário chamado termo de execução descentralizada (TED).
O presidente da Codevasf, Marcelo Andrade, usou a expressão "recursos extra parlamentares" para se referir à indicação de parte desse valor, em documento de dezembro de 2019, segundo papéis obtidos pela Folha de S.Paulo via Lei de Acesso à Informação.
Já em 2020 a destinação de R$ 150 milhões ocorreu por meio das chamadas emendas de relator, que são atualmente a peça-chave do jogo político em Brasília responsável pela sustentação da base aliada de Bolsonaro no Congresso. A modalidade foi incluída no Orçamento de 2020 pelo Congresso, que passou a ter controle de quase o dobro da verba federal de anos anteriores.
A reportagem da Folha de S.Paulo esteve em Petrolina no fim de novembro e constatou como estão sendo aplicadas localmente as verbas federais destinadas pelo congressista.
Na região, a entrega de cisternas compradas com recursos carimbados com a marca do parlamentar tem sido condicionada ao apoio político ao grupo do filho do senador que é prefeito do município.
Essa indicação pessoal e sem critérios objetivos por meio de emendas ocorre ao mesmo tempo em que é realizado um desmonte do programa federal de entrega de cisternas, intitulado Programa Cisternas, que possui regras gerais e fiscalização social por conselhos municipais, associações e ONGs.
O senador também direcionou verbas para obras de pavimentação na cidade, mas o asfalto entregue ganhou até apelidos. É chamado de farofa ou Sonrisal, em referência ao esfarelamento dos trechos pavimentados.
O material usado derrete com o forte calor e gruda nos calçados dos moradores e, quando ele se quebra em pedaços, começa a esfarelar.
Verbas também foram enviadas pelo congressista para a aquisição de cisternas, caixas-d'água, tratores, implementos agrícolas e tubos de irrigação.
Porém dezenas desses equipamentos são mantidos amontoados em depósitos do órgão federal Codevasf e já dão sinais de desgaste com o tempo. Alguns deles, como canos e reservatórios de água, estão lá há mais de um ano, segundo relato de moradores da região.
Problemas em reforma levaram a desistência, diz PF Em nota enviada pela sua assessoria de imprensa, a Polícia Federal afirma que problemas na reforma da sede da corporação em Pernambuco acabaram levando à desistência da instalação da delegacia em Petrolina.
Segundo a PF, "após a declaração de disponibilidade orçamentária, a Superintendência da Polícia Federal em Pernambuco teve dificuldades com a construtora vencedora da licitação para a reforma da sede da PF no estado e, como o orçamento para a obra estava inscrito em restos pagar, a verba foi cancelada sem a possibilidade de aproveitamento. Com o incidente, foram realizados estudos pela administração local para construção de uma nova sede da SR/PE, o que acarretou impactos orçamentários relevantes".
"Diante desse novo cenário, foram realizados novos contratos de locação para abrigar o contingente dos servidores e colaboradores em um edifício comercial com o pagamento de condomínio, que aumentou sobremaneira as despesas da SR/PE, fazendo com que a Coordenação-Geral de Orçamento e Finanças da PF tivesse que aumentar a cota da unidade", de acordo com a nota.
A PF afirma que "após a realização de várias reuniões com a atual administração da SR/PE no intuito de adequar as despesas da unidade dentro dos limites orçamentários disponibilizados, zelando por uma gestão orçamentária e financeira pautada em boas práticas, decidiu-se pela revisão do ato de disponibilidade orçamentária para implantação da delegacia".
"A cidade de Petrolina/PE já é coberta pela Delegacia de Polícia Federal em Juazeiro/BA, município limítrofe, além da Superintendência da PF em Pernambuco e das delegacias de Polícia Federal em Caruaru/PE e Salgueiro/PE. Assim, a não criação da delegacia não representa prejuízo para as investigações e ações da Polícia Federal na região", completa a nota.
A reportagem procurou o Ministério da Justiça, o senador Fernando Coelho Bezerra, o deputado Fernando Coelho Filho e a Prefeitura de Petrolina, mas não obteve respostas até a publicação da reportagem.