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Pesquisa descobre mais de 230 sítios arqueológicos no Acre

Conhecidos como geoglifos – os desenhos geométricos na terra, sejam linhas, quadrados ou círculos – continuam revelando segredos sobre sua utilidade, como eram construídos e até a média de distância de uma estrutura até o rio. Apaixonada pelo tema, a historiadora e arqueóloga do Instituto do Patrimônio Histórico do Acre, Ivandra Rampanelli, deciciu pesquisar sobre o assunto que se tornou uma tese de doutorado.

Durante a pesquisa entitulada "Las estructuras de tierra delimitadas por zanjas en la Amazonía Occidental", Ivandra mapeou 231 novos geoglifos no Acre e ao menos 200 na fronteira com o Amazonas. A professora fez o mestrado e doutorado na Espanha. Os estudos começaram em dezembro de 2011 e a conclusão foi apresentada na Universidade de Valença em novembro de 2016.

A professora de história conta que em 2012, ao iniciar a pesquisa, haviam sido contabilizados apenas 292 geoglifos no Acre. Em 2016, o número subiu para 523, sendo que 266 são circulares, 211 quadriláteros, 39 possuem outras forrmas e 27 são duplos, ou seja, possuem uma forma dentro da outra.

Ivandra explica que o mapeamento foi feito com a ajuda de grupos de pesquisa que possuíam a localização de vários geoglifos e passaram coordenadas para que ela organizasse um mapa. Ao todo, ela mapeou 818 estruturas, entre Acre, Amazonas, Rondônia e Bolívia até concluir o trabalho que foi apresentado em novembro de 2016 na Universidade de Valência, na Espanha.

"Essas pessoas faziam pesquisa na área, possuiam levantamentos e fui pedindo informações e todo mundo foi me passando essa lista. Então, procurei outros geoglífos em livros e publicações. Se tivesse as coordenadas geográficas, eu ia marcando no Google Earth. Por exemplo, se eu tinha um geoglifo com um nome e você com outro, mas os dois com a mesma coordenada, eu entrava em contato para definir como seria chamado", explica.

O mapa foi atualizado por ao menos dois anos. Em uma noite, Ivandra chegou a mapear mais de cem geoglifos no Amazonas. A pesquisadora explica que as novas estruturas encontradas recebem nomes provisórios até que uma equipe vá ao local e coloque o nome da propriedade.

"Ao encontrar um geoglifo coloco meu nome e o número na sequência que encontrei. O nome Ivandra92, por exemplo, é provisório apenas para mapear. Eu também utilizava o Google Maps para acrescentar a localização dos geoglifos. Todos foram cadastrados pela localização, por isso, eu sabia que não havia nomes repetidos, então peguei essa lista e passei para todos os outros pesquisadores", destaca.

Amor pela arqueologia
A paixão e curiosidade de Ivandra pela arqueologia surgiram quando ela ainda era criança e morava em Santa Catarina. Em uma aula, a professora de história pediu que alunos levassem materiais ou artefatos indígenas para a aula, mas a cidade onde Ivandra morava foi a única onde ela não encontrou nenhum artefato.
"Então, sempre ficava me perguntado porque na terra deles tinha e na minha não. E, mais tarde na faculdade, tive uma matéria chamada arqueologia. Foi quando me apaixonei pelos geoglifos e o que representavam. Fui para o Acre em 2005 e em 2007 participei de um curso de extensão como voluntária e não parei mais", relata.

Centros de adoração
A pesquisadora afirma que os geoglifos foram descobertos no Acre em 1977, mas na época a comunidade não teria dado muita atenção para a descoberta. As estruturas começaram a ser estudadas apenas em 2005 e, somente em 2007, passaram a ser realizados estudos mais sistemáticos. Em 1978 eram registrados oito geoglifos, em 2005 subiu para 32, em 2012 eram 292 e agora 523.

No doutorado, Ivandra apontou que os geoglifos poderiam não ser apenas desenhos terrestres, mas centros de adoração usados pelos indígenas para agradecer aos deuses deles por terem tido uma boa colheita ou a melhora na saúde de alguém.

"Os indígenas nas florestas amazônicas possuem um pouco da religião cristã, que foi imposta a eles, mas eles ainda acreditam nos deuses deles. Então, para mim, é para agradecer uma boa colheita, a melhora na saúde de alguém, entre outros. Cada formato dessas estruturas representava algum tipo de cerimônia de adoração aos deuses. Quem mais poderia ver uma estrutura dessas naquela época? Só os deuses", afirma.

Outro ponto destacado no trabalho de Ivandra foi os caminhos que aparecem próximos aos geoglifos. Ela explica que muitos pesquisadores não deram importância para os trajetos, mas, para ela, os finais desses caminhos levavam a lugares onde haviam plantações. "Ainda precisa de estudo, mas alguns finais levam até o rio e outros se ligam entre eles", ressalta.

No Acre, o município que mais possui geoglifos é Senador Guiomard, com 132. Em seguida aparecem Plácido de Castro – com 114, Capixaba com 72, Acrelândia com 59 e Rio Branco com 57. "Acredito que algumas regiões têm muito mais geoglifos que outras. Acredito que isso é muito compatível com a incidência maior de castanheiras ou florestas de bambu. Acontece que houve uma domesticação dessa paisagem", diz.

Sítios arqueológicos
Em sua pesquisa, Ivandra não pôde usar a palavra "geoglifo" para se refirir às estruturas na terra. Segundo ela, o nome é usado localmente, mas não é aceito na comunidade acadêmica, pois o geoglifo teria a função de ser apenas um desenho na terra.

Por isso, a pesquisadora os chamou de "sítios arqueológicos", que seriam locais importantes no passado e onde existem artefatos arqueológicos importantes. "Nos geoglifos encontramos muitos fragmentos de cerâmica com desenhos e machadinhos de pedra. Há muito material arqueológico", afirma.

Uma das preocupações de Ivandra é a destruição desses locais para a construção de rodovias, casas, açudes e até currais. Ela explica que a mudança nesses cenários podem aumentar ou diminuir o número de estruturas.

"Pode aumentar devido às novas descobertas, mas diminuir por causa da destruição proposital, ou às vezes sem que a pessoa saiba, como no caso de algumas rodovias, que na época que foram construídas e a pessoa não conhecia um geoglifo. Porém, há casos que você vê uma destruição onde era um geoglifo e hoje é um açude", lamenta. 

Patrimônio do estado
Em agosto de 2014, o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) divulgou que elaborava uma proposta de tombamento dos geoglifos da Amazônia, reconhecendo-os como patrimônio da humanidade. Na época havia ao menos 350 no Acre.

"Quando eles foram tombar como patrimônio, ao invés de falaram vamos tombar dez e concluir esses dez, eles colocaram todos. Isso não foi certo, é preciso ter uma conscientização, um ensinamento para os donos dessas terras. É preciso, antes de tudo, ter uma educação patrimonial e explicar o porquê é importante preservar. Agora esse processo está parado e é preciso recomeçar um trabalho de formiguinha", finaliza.

Fonte: G1

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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