O laudo pericial dos restos mortais do ex-presidente João Goulart não encontrou sinais de envenenamento, informou nesta segunda-feira (1º) a Polícia Federal. O resultado foi apresentado pela PF e pela ministra Ideli Salvatti, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. De acordo com os peritos responsáveis, apesar de não ter sido encontrado sinal de veneno, a hipótese de envenenamento não pode ser completamente negada, porque os anos passados entre a morte do ex-presidente e a perícia podem ter prejudicado os dados. Por isso, na análise da equipe de peritos, o laudo é "inconclusivo" sobre a causa da morte.
Os exames dos restos mortais começaram em 2013, a pedido da Comissão Nacional da Verdade. Jango, exilado da ditadura militar, morreu na Argentina, em 1976. A causa oficial da morte foi infarto. Para a família, ele teria sido assassinado em uma ação da Operação Condor, aliança entre as ditaduras militares da América do Sul nos anos 1970 para perseguir opositores dos regimes. A suspeita levantada era de envenenamento por cápsula colocada no frasco de medicamentos que ele tomava para combater problemas no coração.
"Nenhum medicamento tóxico ou veneno foi identificado nas amostras analisadas", afirmou o perito criminal da PF, Jeferson Evangelista. "Assim, os resultados de todos os nossos exames podem concluir que os dados clínicos, as circunstancias relatadas pela esposa, são compatíveis com morte natural. Um enfarto agudo do miocárdio pode ter sido a causa de morte do presidente, assim como foi registrado no certificado de óbito? Sim. Como poderia ter sido causada por outras patologias cardíacas ou até mesmo por patologias cerebrovasculares", afirmou.
Segundo Evangelista, porém, a hipótese de envenenamento não pode ser completamente negada. Ele disse que, depois de 37 anos da morte do ex-presidente, mudanças químicas e físicas podem ter prejudicado a análise do material.
"Contudo, inobstante a negativa dos resultados dos exames toxicológicos, também não é possível negar que a morte tenha decorrido de um envenenamento, tendo em vista as mudanças químicas ou físicas que o corpo sofre ao longo de 37 anos, influenciado pelas condições e ambiente. O que podemos garantir é que temos certeza do dever cumprido, certeza de que a exumação e a perícia foram feitas no mais alto nível com absoluto rigor científico", concluiu.
O perito argentino Jorge Perez, que também participou da perícia, disse que, cientificamente, as hipóteses de morte natural ou envenenamento não podem ser descartadas.
“Do ponto de vista cientifico, não se pode negar ou afirmar a morte natural nem se negar ou se provar a morte por envenenamento. As duas possibilidades se mantêm”, explicou. “Não pudemos comprovar que efetivamente ocorreu esse infarto, tampouco podemos negar. O tempo transcorrido foi uma limitação para se definir isso”, disse.
O filho de Jango, João Vicente Goulart, disse que a família “continuará lutando” e cobrou o compartilhamento das informações da Operação Condor e outros documentos sobre perseguições que estão sob tutela do governo dos Estados Unidos.
“Sabíamos que poderíamos chegar a esse resultado e sabemos que vamos continuar lutando”, declarou durante a solenidade.
A ministra anunciou ainda que o laudo será “revisado” pelos familiares para que as imagens do trabalho pericial sejam “absolutamente preservadas”. A fim de respeitar a privacidade da família, as fotos ficarão sob guarda da Polícia Federal e apenas a parte textual será divulgada. “Não queremos ver os ossos, os restos mortais do meu pai em algum site por aí. O intuito é esse, de preservar”, explicou Vicente Goulart.
Ideli Salvatti afirmou ainda que “somente em uma democracia” seria possível resgatar a memória, a verdade e a justiça em relação à morte de Jango e destacou que o laudo é “parte de um processo de investigação”.
“Este laudo é parte de um processo de exumação não dos restos mortais de uma pessoa, mas é a exumação de parte da história do nosso país e, inclusive do resgate da pessoa do significado e da importância que teve o presidente João Goulart para o nosso país, para a democracia brasileira”, disse a ministra.
Análise
Os restos mortais do ex-presidente foram exumados em novembro do ano passado, em São Borja (RS), sua cidade natal. Após a exumação, o material coletado foi submetido à perícia da Polícia Federal (PF), em Brasília, e analisado por três laboratórios diferentes, em São Paulo, Portugal e Espanha.
De acordo com a equipe de peritos, a Comissão da Verdade solicitou o teste para 700 mil substâncias que poderiam ter levado à morte de João Goulart. O laudo não encontrou nenhuma delas, mas encontrou produtos do dia-a-dia, como xampu e remédio para o coração, em quantidades que, segundo a equipe, não levaria à morte.
"Não foram encontradas as substâncias indagadas. De um universo infinito de substâncias foram pesquisadas 700 mil. Nesse espectro de substâncias examinadas, os resultados foram negativos, mas não é possível dizer que tenha havido uso de substâncias que estejam fora do espectro devido à instabilidade química dessas substâncias", afirmou Evangelista. “Elas podem ter estado presentes, mas desapareceram ao longo dos anos”, concluiu.
De acordo com a explicação dos peritos, primeiramente foi confirmado, por meio dos exames, que o material periciado era mesmo de João Goulart. Também foi atestado que o corpo não possuía nenhum tipo de fratura e que o esquife do ex-presidente não havia sido violado.
Segundo o perito criminal da PF, o material coletado durante a exumação será preservado e poderá voltar a ser analisado no futuro, quando técnicas mais avançadas forem desenvolvidas.
G1