O Bolsonaro e Lula são inimigos. Isso é comum entre políticos adversários e até certo ponto aceitável. Mas não parece razoável que os eleitores do Lula sejam inimigos dos eleitores do Bolsonaro e vice-versa. Essa tendência à polarização e identificação pessoal com os candidatos não é um fenômeno novo, mas que cresceu nas duas últimas eleições.
Não lhe parece estranho, caro leitor, que vejamos nossos candidatos como nossa própria extensão ou que nos apaixonemos por eles a ponto de romper laços de parentesco e desprezar amizades antigas só porque um mitifica o Bolsonaro e o outro endeusa o Lula?
Esta identificação é tão forte que quando votamos no candidato “A” e ele ganha a eleição passamos a aplaudir todos os seus atos, mesmo os mais condenáveis e justificar as besteiras que o mesmo faz no mandato.
Os lulistas nunca admitiram que o famoso sítio de Atibaia cuja reforma, custeada por construtoras, foi um presente das empreiteiras para o Lula. Também negam que o não menos famoso triplex do Guarujá foi mobiliado pela empresa OAS como presente para a primeira dama da época.
Os Bolsonaristas não ficam atrás. Negam a responsabilidade do seu mito no atraso da vacinação contra Covid-19; justificam seus ataques às instituições nacionais e concordam com a posse irregular das joias recebidas de presente.
Mas meu assunto não é Lula ou Bolsonaro. O interesse aqui é o comportamento estranho de nós eleitores, quando, sem nenhum critério racional, condenamos eventuais acertos de nossos adversários e aplaudimos erros de nossos ídolos.
Isto pode ser parcialmente explicado pela teoria da dissonância cognitiva, que ocorre quando a pessoa tem uma tendência natural de buscar consistência entre suas crenças ou valores e a realidade percebida. Quando vemos que um político em que votamos fez alguma coisa que contraria os valores que pregam, alguns eleitores experimentam um desconforto psicológico. Para mitigar este incômodo acabam distorcendo fatos ou ignorando evidências para continuar tendo uma imagem positiva do seu preferido.
Admitir que nosso escolhido não age como o esperado implica em concordar que fizemos uma escolha errada e é muito difícil aceitar um erro. Por isso é mais fácil abrandar o julgamento dos atos de nossos candidatos do que confessar que fomos ingênuos ou tolos ao colocá-los no poder.
Da mesma forma, aceitar que um candidato em quem não votamos está fazendo coisas certas equivale a admitir que nossos oponentes acertaram na escolha. Estamos dispostos a condenar atos corretos dos adversários e a louvar erros grosseiros de nossos aliados.
Exercer o pensamento político crítico exige muito esforço para reconhecermos os méritos de quem os têm e também as falhas de cada um.
Na verdade, a qualidades e defeitos dos nossos dirigentes nada mais são que a manifestação dos defeitos e qualidades de todos nós. Creio que a média dos valores dos políticos seja a mesma média dos valores de seus eleitores.