MPE mantém fiscalização mesmo após a quitação integral da colaboração premiada; transferência de bens foi concluída, mas caso é remetido ao TJMT, em aparente descumprimento da delegação feita pelo STF.
Em 2017, o Supremo Tribunal Federal homologou o Acordo de Colaboração Premiada firmado entre o Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE/MT) e o ex-secretário Pedro Jamil Nadaf. O pacto, celebrado no âmbito das investigações da Operação Sodoma, estabelecia o ressarcimento milionário ao erário por meio da entrega de bens e do pagamento de valores em parcelas.
O ministro Luiz Fux, relator da Petição 6578/DF, por meio da Carta de Ordem nº 34/2020, delegou expressamente à 7ª Vara Criminal de Cuiabá a competência para a fiscalização da execução do acordo, limitando-a exclusivamente à esfera patrimonial. A Carta de Ordem permanece em vigor e nunca foi revogada ou modificada pelo Supremo Tribunal Federal.
Dentre as obrigações pactuadas e cumpridas está a transferência da Fazenda DL, cuja titularidade foi formalmente consolidada em nome do Estado de Mato Grosso, além da quitação integral dos valores financeiros estipulados, devidamente comprovada por documentos juntados aos autos da execução.
Durante o trâmite da execução, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE/MT), então representado pelo promotor Sérgio Fava, havia manifestado que a Fazenda DL era a última obrigação pendente para a plena quitação do acordo. Com a efetiva transferência da propriedade ao Estado, consolidada e certificada em cartório, consideravam-se satisfeitas todas as cláusulas pactuadas.
Entretanto, após o cumprimento da obrigação principal, o próprio promotor Sérgio Fava, em conjunto com a promotora Daniela Berigo Büttner Castor, também do MPE/MT, requereu o declínio de competência da 7ª Vara Criminal, sob o argumento de que deveria ser aplicado o novo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 232.627/DF, que reafirma a manutenção do foro por prerrogativa de função para crimes praticados durante o exercício de cargos públicos.
Em decisão recente, datada de maio de 2025, a juíza Aletéia Assis Marques acolheu o pedido do MPE/MT e determinou a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), fundamentando sua decisão também na súmula 704 do STF, que trata da atração por conexão ou continência de processos vinculados a autoridades com foro privilegiado.
A movimentação surpreendeu Pedro Jamil Nadaf, que afirma ter cumprido rigorosamente todas as obrigações assumidas no acordo, incluindo presença em audiências e depoimentos, cujos relatos permaneceram íntegros ao longo dos anos.
“Cumpri tudo o que foi exigido e acordado, nunca deixei de ir a uma audiência ou depoimento, que são centenas; não mudei uma linha dos meus depoimentos. Honrei e honro tudo que disse em meu acordo, e o Ministério Público, com quem firmei o acordo, não cumpre em seus pareceres o que foi pactuado. Cada manifestação contradiz uma com a outra e, ora, com o meu próprio acordo. Mas, como sou a parte fraca, sempre fiquei calado. Agora passaram dos limites. Entreguei bens, paguei o que foi acordado e cumpri minha parte. Agora, só espero que a Justiça reconheça isso”, declarou Nadaf em entrevista ao Circuito MT.
Contudo, para especialistas ouvidos pela reportagem, a execução patrimonial — de natureza acessória e exclusivamente civil — não se submete à prerrogativa de foro aplicável às ações penais principais. Além disso, a remessa dos autos é vista como incompatível com a Carta de Ordem expedida pelo STF, ainda vigente, o que configuraria um possível descumprimento da determinação do ministro Luiz Fux.
Nadaf sustenta que a execução patrimonial foi regularmente fiscalizada conforme a delegação constitucional e legal do Supremo Tribunal Federal e que qualquer modificação de competência somente poderia ocorrer por decisão expressa da própria Corte.
Especialistas apontam ainda que o episódio expõe o conflito entre atualizações jurisprudenciais e a preservação da autoridade dos atos delegados pelo STF. A situação revela não apenas entraves burocráticos, mas também a necessidade de resguardar a efetividade dos instrumentos de colaboração premiada, criados para garantir celeridade e eficiência às investigações criminais.
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