Os pedidos de internação domiciliar recebidos pela Defensoria Pública de Mato Grosso, em Cuiabá, aumentou em cerca de 400%, segundo o Defensor Público da saúde, Carlos Brandão. Ele explica que quando começou a trabalhar na área da saúde, em 2004, eram raros os pedidos de ‘Home Care’, chegando a alcançar até três pedidos anualmente. Hoje esse número em Cuiabá e Várzea Grande chegam a mais de 25 pedidos de internação domiciliar anualmente.
“Vamos pegar comparativamente quando eu comecei, em 2004, apareciam dois casos de home care por ano, três casos no máximo. Hoje a gente atende de 10 a 15 que acontece apenas na capital. E eu não sei te dizer no interior, mas nas cidades polos tem aumentado bastante também”, explicou Carlos Brandão.
O defensor sugere ainda que o Estado e municípios se unam para que o serviço seja prestado com a própria estrutura do SUS, com profissionais do Programa de Saúde Familiar (PSF), o que iria desonerar o Estado e evitar a judicialização dos casos.
“Os gestores deveriam organizar o serviço, para que eles mesmos possam ter uma equipe especializada e checar realmente se o paciente precisa de um home care, ou não; isso poderia ser uma forma de não passar para a empresa privada quando este tipo de atendimento não é necessário”, argumentou o defensor.
Ele defende ainda que os gestores precisam implementar e organizar o serviço para evitar que seja necessário judicializar isso. “Se o governo estadual investisse junto com o município para ampliar e treinar essas equipes para realizar esse tipo de procedimento, muita das vezes não seria necessária uma empresa de home care. A equipe de Saúde da Família conseguiria tratar diversos casos e com isso iria sair com um custo muito menor para o Estado e para o município”, completou.
Magistrado tenta otimizar procedimento
Enquanto muitos necessitam do serviço e não conseguem, outros tentam jogar para o Estado a atribuição de “cuidador”. Isso foi o que percebeu o juiz da Vara da Fazenda Pública de Sinop, Mirko Giannotte, que fez uma inspeção judicial, após se assustar com os valores pagos pelo Estado a empresas prestadoras de serviço e sentir a necessidade de entender mais sobre a modalidade de atendimento à saúde.
“Começamos a ver que os valores pagos às prestadores de serviços estavam muito altos. Porém o dinheiro não é do juiz, é do Estado. Mas eu achei caro como Estado-Juiz e fui entender os valores. Para entender, a gente se debruçou sobre essas planilhas que eram apresentadas, os serviços lotados nesses documentos, assim como os seus custos e como eles eram prestados e cobrados”, explicou o magistrado Mirko Giannotte.
Giannotte explica que encontrou quatro casos que mereciam ser alvos de questionamentos, um deles estava na tentativa de algumas pessoas jogarem a atribuição de cuidador de idosos para o Estado. “A partir disso começamos a ter um comportamento diferente, muitas vezes nós não deferíamos. Criamos mecanismos para que as informações viessem ao juízo como forma de entender se era pedido home care ou se a figura do cuidador, com alguns aparelhos, uma cadeira de roda, um colchão, já resolvia, mas não o home care do ponto de vista médico”, acrescenta Mirko.
Outro ponto que mereceu questionamento pelo magistrado foi a ‘batalha’ de preços das empresas para conseguir prestar o serviço, que é contratado, na maioria das vezes, na forma de uma licitação. Ele conta que as organizações contratavam advogados para terem acesso aos autos e verem os preços oferecidos por outras empresas, e então, oferecia um preço menor.
“Se fulano apresentasse X, uma outra empresa vinha nos que era X e apresentava X menos um, igualzinho partindo do pressuposto de uma licitação, onde leva quem oferece o menor preço. Mas é ridículo uma empresa apresentar R$ 100.000 e a outra apresentar R$ 99.800. É o menor preço, mas não reflete uma realidade. Eu criei um mecanismo e comuniquei a Corregedoria, de que os orçamentos deveriam ser feitos em envelope fechado, entregues no prazo assinalado e abertos apenas pelo juiz, assim não teria uma batalha de preços”, argumentou.
Serviços não estavam de acordo
O juiz percebeu também que as empresas não ofereciam um serviço de acordo com o que tinha sido estipulado. Ele explica que as empresas nem sempre ofereciam todos os equipamentos necessários, como camas e colchões, além de receberem do Estado o valor da prestação do serviço a partir da data da decisão judicial e não a partir do momento que o serviço era efetivamente prestado.
O magistrado alerta ainda para o “surgimento” de empresas no município de Sinop e que procurou informações sobre como se o serviço fosse certificado, com o objetivo de manter a qualidade do atendimento e evitar que empresas “surgissem do nada” para prestar o serviço, que é pago pelo Estado e municípios. Ele também notificou as empresas para que buscassem se certificar junto à Organização Nacional de Acreditação (ONA), que regula esse tipo de serviço.
“Comunicamos às empresas que comumente se apresentavam, para que completassem esses requisitos e promovessem a sua certificação. É claro que essas empresas vão dizer que precisam de mais prazo, mas nós entramos em contato com a empresa de certificação e perguntamos qual era a média de prazo. Nós estamos em vias de alcançar essa situação. Hoje em Mato Grosso apenas duas empresas cumprem algumas das exigências, a primeira cumpre muito mais que a segunda empresa”, finalizou o juiz Mirko Giannotte.
Adolescente espera há um ano, internada em hospital
O atendimento e a internação domiciliar é um direito previsto pelo capítulo seis da Lei 8.080/1990, que regula o Sistema Único de Saúde (SUS). Porém, mães de pacientes que precisam deste tipo de atendimento reclamam da demora do Estado em prestar o serviço. Um exemplo disso é vivido por Shyrlley Dias da Costa, 47 anos, mãe de Camila Pamela Pereira Lima, 29, que sofreu uma tentativa de homicídio em 14 de novembro de 2015 e desde então está internada no Hospital São Benedito, em Cuiabá.
Camila ficou tetraplégica e perdeu todos os comandos voluntários. Ela não fala, não demonstra emoções de reconhecimento e parece não enxergar direito. Ela também se alimenta apenas por ‘via gastro’, quando um tubo flexível é inserido através da parede abdominal e dentro do estômago, que permite inserir o alimento e medicamentos diretamente no estômago, sem passar pela boca e esôfago. O quadro de Camila Pamela, segundo os médicos, é irreversível.
Desde então, a mãe teve que abandonar o emprego, enquanto as contas se acumulam, para acompanhar a filha. Shyrlley conta que no começo do ano, queria transferir a filha para sua residência, mas os médicos afirmaram que não seria possível, devido aos cuidados especiais que ela necessita. O melhor seria a instalação de uma ‘Home Care’, serviço de internação domiciliar prestado por empresas particulares, na sua casa.
Em maio de 2016, Shyrlley começou os procedimentos para conseguir o serviço. Ela afirma que em junho conseguiu a primeira decisão a seu favor, que determinava que o Estado providenciasse a internação domiciliar da paciente. No entanto, ela reclama que já foram quatro decisões judiciais e não surtiu nenhum efeito prático. Na ultima tentativa, o juiz pediu que Shyrlley fizesse orçamento com três empresas e então ele determinaria o bloqueio do valor nas contas do Estado, obrigando a prestação do serviço.
“O prazo deles ia vencer dia 8 de novembro, mas quando foi dia 4, na sexta-feira, o processo foi transferido de juiz. O juiz que estava mexendo é linha dura, ele bloqueia conta e também cobra multa. Agora o processo dela está na 1ª Vara da Fazenda Pública. Fomos lá nessa semana, mas o juiz indeferiu o bloqueio da conta e deu prazo de mais 30 dias para o Estado. Porém, não era para dar 30 dias de novo porque já estava na última instância, era apenas para dar sequência na liminar. Os trinta dias de prazo vão vencer dia 19 de dezembro, mas já vai ser recesso, ou seja, vou ter que passar de novo meu Natal e Ano Novo aqui”, chora Shyrlley ao lembrar que ainda precisa buscar os dois netos que ela cuida, filhos de Camila, que atualmente moram com parentes.
A primeira decisão favorável foi em “junho ou julho”, após isso, uma equipe da Secretaria de Estado de Saúde (SES) “veio rapidamente em 72 horas” para realizar a perícia e constatar se a jovem precisaria mesmo de internação domiciliar. No entanto, Shyrlley afirma que o Estado alega que “precisa aguardar vagas”.
“Eles vieram e fizeram a pericia. Fez tudo certinho e viu que ela realmente precisava, aí deram um ‘ok’. Eu liguei lá e me falaram que tinham dado ‘ok’, que realmente ela precisa e que mandaram o processo para onde fica a home care. De lá para cá tem sido uma luta, porque eles alegaram que tinha que aguardar vagas”, reclama a mãe desesperada.
Serviço foi disponibilizado oito meses após liminar
Outras mães também enfrentaram o mesmo problema que Shyrlley, como é o caso de Karoline Miranda, 31, que possui um filho com paralisia cerebral. Ela conta que esperou oito meses para que a empresa instalasse a home care na sua residência e que de lá para cá, a qualidade de vida de Felipe Miranda, 9, melhorou significativamente. Karoline lembra que o filho era internado com frequência, e quando isso acontecia era caso de uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI).
“Em todas as internações era caso de UTI, então ele tinha a necessidade de ter uma UTI em casa. O Felipe passou por uma avaliação médica do SUS, que avaliou a necessidade dele de ter realmente um home care com assistência de enfermeiros 24 horas, por que o caso dele é complexo. Depois disso o Juiz deferiu a liminar, por que eu apresentei todos os laudos médicos. Apresentei laudos de cinco médicos diferentes, para não ter dúvida nenhuma da necessidade que ele tinha”, pontuou Karoline.
Mesmo após ter conseguido a liminar a seu favor, Karoline conta que foi outra batalha até que a empresa instalasse todos os equipamentos que o seu filho necessita na residência. “Só que depois de ter conseguido a liminar foi praticamente oito meses para poder instalar o home care em casa. Mesmo assim, foram oito meses indo para o hospital frequentemente”, lembra Karoline.
A mãe lembra ainda que a empresa que prestou o serviço pela primeira vez “prestava um serviço de péssima qualidade” e teve que pleitear a mudança para outra prestadora. Ela ainda reclama que sofreu pressão psicológica com ameaças da empresa atual de suspensão dos serviços devido falta de pagamento do Estado, além da redução de remédios e materiais.
“Quando houve isso, no ano passado, o juiz expediu uma intimação que ela não poderia nunca mais fazer nenhuma ameaça de suspensão do atendimento do Felipe, porque eu falei que além de suspender o atendimento da última vez, eles ficavam ameaçando e essa ameaça causava transtornos emocionais que você nem imagina”, explica.