Cidades

‘PEC das Domésticas’ completa 10 anos e assegura direitos para categoria trabalhar

Como para a maioria dos trabalhadores, a rotina da empregada doméstica Maria Moraes de Souza, 49, é intensa e atribulada. O dia começa cedo: antes mesmo do sol nascer, por volta de 4h30, ela sai de casa, no bairro Santa Isabel, em Cuiabá, e atravessa a cidade rumo ao trabalho, na região do Coxipó onde cozinha, passa roupas, limpa casa, entre outras atividades , retornando às 15h. “Todo dia na mesma batida, feliz e ‘pra cima’”, conta.

A jornada cansativa passou a ser mais reconhecida depois que passou a trabalhar com carteira assinada. Segundo ela, a formalização dá mais segurança, especialmente em situações que envolvem imprevistos como doença.

“Embora haja uma relação de respeito, amizade e confiança estabelecida com os patrões, (a CLT) é um respaldo. Ficar doente nunca é bom, mas saber que o trabalho está assegurado quando esse tipo de situação ocorre é uma retaguarda, nos dá mais conforto”.

Essas e outras conquistas vieram por meio da Emenda Constitucional 72, conhecida como “PEC das Domésticas”, que completa 10 anos neste domingo (2). Por meio dela, os funcionárias do lar, agora, recebem salário-mínimo, férias
proporcionais, horas extras, adicional noturno e o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), que antes era facultado ao empregador.

Apesar de garantir direitos e benefícios, a informalidade no trabalho doméstico é uma realidade crescente. Dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que 3 em cada 4 empregados desse setor não são celetistas. Isso porque muitos patrões optam por não arcar com os encargos determinados pela normativa, fazendo com
que muitos, especialmente as mulheres que atuavam como mensalistas passassem a atuar como diaristas.

A mudança nas relações de trabalho não é vista como negativa, pelo menos para grande parte delas. O entendimento é de que fazer serviços em diversas residências sem vínculo empregatício seria uma alternativa mais rentável do que ter um único local de trabalho.

Há cerca de 5 anos, a autônoma Rose Moreira decidiu abdicar da estabilidade da CLT para atuar como diarista e alega que a possibilidade de ganhos e a flexibilidade de horários são maiores. “É também uma maneira de evitar desgastes relacionados à convivência na relação profissional, além de nos deixar sempre atentas à qualidade do serviço prestado”.

Pandemia e crise afetam formalidade

O elevado número de trabalhadoras não formalizadas também é reflexo da crise provocada pelo coronavírus, na visão do presidente do Instituto Doméstica Legal, Mário Avelino. “Hoje, por conta dos anos de pandemia, da crise econômica e das transformações no mercado, houve uma diminuição de trabalhadores com carteira assinada. Mas isso não tem relação com a PEC‘, garante.

“Muitos empregadores perderam suas rendas também e fecharam seus negócios devido às medidas restritivas de prevenção ao contágio pela covid-19. O home office acabou proporcionando a troca de uma empregada mensalista por uma diarista. Esse empregador também precisa de incentivos”, complementa.

O representante destaca que dois projetos de lei que estimulam a formalidade estão em tramitação no Congresso Nacional. Uma das propostas pede a volta da dedução do INSS do empregador na declaração anual do Imposto de Renda, enquanto que a outra visa oferecer o refinanciamento da dívida do INSS do patrão com condições facilitadas.

“É mais barato ter o empregado dentro da lei do que fora dela. Quem não cumpre com as obrigações pode ter complicações jurídicas, além de problemas com a Receita Federal e a fiscalização do Ministério do Trabalho e Previdência. Em muitos casos, pode pagar multas com juros e correção monetária, o que também prejudica o empregado‘.

9 em cada 10 domésticas são pretas ou pardas

Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio Avançada (Pnad) do quarto trimestre de 2022 indica que mais de 93% das domésticas são pretas ou pardas e com baixo nível de escolaridade. O ganho médio da categoria é pouco acima de um salário mínimo (de R$ 1.495), o que também revela a dificuldade para a manutenção do padrão de consumo diante da pressão inflacionária.

Além do salário baixo, a desigualdade de gênero é outro desafio das empregadas. Isso porque as mulheres negras chegam a ganhar 20% menos.

O estudo também mostra que muitas delas também são responsáveis pelo sustento da família. O número de lares chefiados por trabalhadoras domésticas cresceu em todo o país entre 2019 e 2021, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Na região Centro-Oeste, por exemplo, o percentual de famílias em que a principal fonte de renda vem das funcionárias do lar subiu de 51,8% para 53%.

Lei quebra cultura escravagista

Segundo o presidente do Instituto Doméstica Legal, Mário Avelino, a promulgação da lei trouxe inúmeros benefícios à classe. “O que aconteceu foi a quebra da cultura escravista, com a criação da jornada de trabalho. Foi um grande ganho, mas a regulamentação dos direitos veio depois. O problema é a lei ser cumprida. Se as empresas são pouco fiscalizadas, você imagina o trabalho doméstico. A PEC é um marco para a categoria”, ressalta.

A meta da entidade atualmente é a conquista do abono do PIS – equivalente a um 14º salário anual concedido para trabalhadores da iniciativa privada. Na visão de Avelino, esse é o único direito constitucional e trabalhista que os profissionais domésticos ainda não têm. “Com isso, estaremos estabelecendo a igualdade de direitos entre os trabalhadores domésticos e os demais”, diz o representante.

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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