Texto e foto de Valéria del Cueto
Do meio do mundo emanam energias desconexas. Não, não me refiro ao contexto global. Apostar na falta de direcionamento seria um erro crasso de avaliação. Entre idas, vindas e acontecimentos é razoavelmente possível antever os fatos. Vivemos de efemérides previsíveis a curto e longo prazo.
Depois das Olimpíadas, utopia do encontro dos povos promovida pelos esportes com suas incríveis histórias de solidariedade e congraçamento, seguimos às Paraolimpíadas já misturadas com a temporada eleitoral. Aí tudo pode acontecer. Até a proposta de construção de um prédio de um quilômetro de altura na maior cidade da América do Sul, feita em meio a palavras de baixo calão, xingamentos e a demonstração pública de que o mundo político é uma selva em que o que menos importa é o bem comum. Ele, que deveria ser o objetivo dos candidatos seja a que cargo for.
Até os poderes que, em tese, deveriam ser harmônicos se digladiam em busca de… mais poder enquanto defendem com unhas, dentes e todos os golpes baixos prerrogativas que ocultam do povo. Privilégios que avançam sobre direitos básicos constitucionais. Cada um puxando a brasa para sua sardinha conforme o gosto de quem pode mais. E a gente vendo a banda das emendas do orçamento secreto tocando o dobrado do nosso dinheiro sendo entocado na encolha.
Ando longe dessas artimanhas, mesmo acompanhando de perto, pode dever de ofício, esses movimentos que compõem, como sempre, formas de domínio sobre a população.
Sim, tangidos pelas datas obrigatórias seguimos estimulados a tornar público e notório nosso dia-a-dia. Tem dia pra tudo e, parece, somos movidos por esses apelos sociais. Falta de interação é quase como deixar de existir. Experimenta não fazer uma postagem nos stories sobre, por exemplo, uma data comemorativa. Las-cou.
Desisti de seguir esse dobrado. Não sou gado pra ser tangido. Também cansei de opinar sobre tudo e todos, como se fizesse alguma diferença nesse mar de informações. É assim que se diluem ideias e posicionamentos. Pulverizados pela exigência de multiplicidade de compartilhamentos sociais. Perdidos no caldo indigesto de mensagens, emojis, gifs e memes que bombardeiam numa overdose viciante as redes sociais. Não condeno, não recrimino, mas tento fugir dessa esparrela que toma tempo e reduz a perspectiva histórica a próxima data comemorativa da folhinha. Tenho outras preocupações mais relevantes no momento.
Por exemplo, tento racionalizar as perdas de pessoas queridas. A quem interessar possa informo que resolvi não escrever sobre os que partem. No ritmo atual das despedidas teria que incrementar e muito a periodicidade da produção de textos para, merecidamente, exaltar os méritos de gente que fez e faz parte da minha história de vida.
Outro dia acho que falei que essa era uma forma de quebrar o luto e afastar a tristeza. Uma maneira e lúdica de concentrar e eternizar carinhos e afetos. Só que… no ritmo atual isso restringiria a temática da produção de cronista. Daí, pensei em outras formas de “embrulhar” esses momentos.
Fazer uma refeição especial seria uma solução. Cortar cebolas para chorar à vontade, misturar temperos de lembranças apurando encontros, esperar o ponto de cozimento para abraçar carinhosamente as saudades… Desisti dessa opção quando lembrei que sou uma negação culinária, especializada em pastinhas, molhos e, no máximo, saladas. Meu repertório não comporta as necessárias variações de tempo/espaço e sentimentos, além de não haver registros acessíveis depois de consumida a pretensa iguaria.
Com depurar e manter viva as ausências. Com que relacioná-las? Resolvi a charada inconscientemente quando de tão doída decido driblar a dor da perda partindo, por assim dizer, para a falta de ignorância. Me refugiei num livro. Voltei a um hábito que sempre me ajudou a fugir, tomar distanciamento e, sim, resolver problemas. Matei vários coelhos, cada qual com sua cajadada. O primeiro o foi ampliar um prazer, o da leitura. Os demais se acumulam a cada obra finalizada. Pro Aluízio Dezizans, “Os Romanov”, de Simon Sebag Montefiore. Renato Gomes Nery ganhou “Maldito invento de um baronete – uma breve história do jogo do bicho”, de Luis Antônio Simas. A Mauro Cid coube “Pessoas Decentes”, de Leonardo Padura.
Outros, certamente virão. A cada passagem, uma viagem literária. Pra melhor…
*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Não sei onde enquadrar” do SEM FIM … delcueto.wordpress.com
—Valéria del Cueto