Estratégias de propaganda imperialista
Ano: 1977. Local: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Cidade: Rio de Janeiro. Cenário político: ditadura civil-religiosa-militar. Personagens: corpos docente e discente e Dato Donald.
Caloura do curso de História-Geografia da PUC-Rio, frequentei algumas manifestações do movimento estudantil que ocorriam no pavimento térreo, em meio ao enfileiramento dos pilotis, marca registrada da instituição. Aquele ano marcou o retorno do movimento estudantil à cena política brasileira, ainda que sob a condução do Decreto-lei nº 477, de 26 de fevereiro de 1969, baixado pelo presidente Artur da Costa e Silva, que definiu ‘infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particulares’ (revogado em 1979).
Tempos de repressão. Abertura política encetada no governo Ernesto Geisel (1974-1979). Helicópteros sobrevoavam sobre a universidade. Ostensiva fiscalização de policiais militares a cavalo nos arredores. Mas, ainda assim, o 477 não silenciou as vozes das instituições de ensino. Ao contrário, a oposição ao governo antidemocrático fez arder a fúria externada nas manifestações que aconteciam por todo o país.
Em sala de aula, havia pessoas infiltradas que se passavam por alunos, com o intuito de acompanhar as atividades daqueles que demonstravam contrários à ditadura. As ações da ditadura incluíram escutas em sala. A censura alcançava o conteúdo ensinado e os livros adotados. Na disciplina de Sociologia, a professora (não me lembro de seu nome) adotou o livro ‘Para ler o Pato Donald: comunicação de massa e colonialismo’, de Ariel Dorfman e Armand Mattelart. À época, uma mulher de coragem!
Por recomendação da docente, o livro deveria ser lido em casa. Aliás, de nossas casas não sairia. Durante as aulas, ocorreria o debate, sem a presença do livro, apenas de nossas anotações. O semestre transcorreu sem tumultos, mesmo que desconfiadíssimos de que houvesse a presença de algum ‘olheiro’ em nosso meio.
Com os divertidos gibis Walt Disney em alta, Dorfman e Mattelart descortinam estratégias de propaganda imperialista presentes nas HQs e desmascaram os personagens disneyanos. ‘Para ler o Pato Donald’, resultado do período de Salvador Allende, deseja ser lido como um ‘panfleto, uma obra sectária, política, parcial, radical, esquerdista, anti-imperialista e anticolonialista em seu bom e seu mau sentido’.
Aos seus modos, em atendimento aos leitores infantis, Pateta, Tio Patinhas, Pato Donald, Mickey Mouse, Professor Pardal, Zé Carioca reproduzem ações de intervenção imperialista/colonialista, disseminadoras de métodos de dominação sobre nações. E, ainda, para os autores, ‘ler Disneylândia é tragar e digerir sua condição de explorado’.
E lá se foram 53 anos, desde o seu lançamento no Chile de ‘Para ler o Pato Donald’. O time Disney não está com a bola da vez. Os diversos meios de comunicação de massa direcionados ao público infantil e juvenil são portadores de quais estratégias discursivas? Será o caos semiótico? Alicerçado na destemporalização, destotalização e desreferencialização para criar uma panaceia e instalar narrativas antiéticas e desumanizadoras.