O habitual e esperado WhatsApp de bom dia de meu irmão Danton trouxe-me a crônica do escritor e jornalista Joaquim Ferreira dos Santos. Cronista das segundas-feiras do jornal O Globo, escreveu, entre tantos, Feliz 1958: o ano que não deveria terminar, Enquanto houver champanhe, há esperança, O que as mulheres procuram na bolsa. E, iluminando a semana, Nara é que era mulher de verdade brotou saudades da musa da Bossa Nova, denominação presenteada à Nara Leão pelo cronista Sérgio Porto.
A crônica destacou um episódio ocorrido em 1964 entre Nara Leão e um general que ameaçou a cantora de prisão caso “continuasse com aquela história de protesto (canções de protesto contra a ditadura civil-militar), de carcará (Carcará, composição de João do Valle e João Cândido, uma metáfora que compara a ave rapina aos militares) e de não mudar de opinião” (Opinião, canção-tema do espetáculo homônimo de crítica à repressão imposta pela ditadura civil-militar). O texto de Joaquim Ferreira dos Santos levou-me ao Noites tropicais, de Nelson Motta (2000), livro que tenho em mãos e preencho parte dos dias deste ano ainda tão novo, tão conturbado.
A leitura da crônica do jornal O Globo juntou-se ao livro Noites tropicais (especialmente os capítulos que tratam da musa Bossa Nova), à série documental disponível no Globoplay O canto livre de Nara Leão. O que mais me fascina nos três recursos – crônica, livro e seriado – é percorrer a história do Brasil, em particular os anos da ditadura civil-militar, acompanhada de cantoras, cantores; suas vozes e seus instrumentos musicais. Quando tudo parecia ter virado bossa nova. É como se a história do Brasil estivesse sendo narrada pelas composições musicais e por seus intérpretes. Por suas escolhas de vida pessoal e profissional.
Este Janeiro comemora Nara Leão, quando completaria 80 anos. Nara é que era mulher de verdade lado a lado à Ai que saudades da Amélia. As Amélias de Ataulfo Alves e Mário Lago (1942 – coincidentemente o ano de nascimento da musa da Bossa Nova) e de Joaquim Ferreira dos Santos (2022). Vale a pena entrar na bossa e ouvir Nara, a mulher de verdade. E por que não Ataulfo Alves e Mário Lago? As composições musicais contando/cantando seus tempos.
Anna Maria Ribeiro Costa é etnóloga, escritora e filatelista na temática ‘Povos Indígenas nas Américas’.