As imagens alegóricas das Fábulas Fabulosas ficam opacas e difusas, incapazes de transmitir ou traduzir fidedignamente os últimos, os atuais e os próximos acontecimentos. Suas inevitáveis e imprevisíveis consequências.
O fator inexorável é que, seja lá o que venha a ocorrer, as cartas do jogo, da forma com que foram colocadas na mesa, indicam que não haverá regras nessa demanda. Será ladeira abaixo, sem direito a corrimão.
Não há tabuleiro de xadrez que absorva tantas casas, peças, movimentos e variantes. A cada evento uma ou mais novidades que tornam sempre inéditas e mirabolantes as ações, revelações e suas consequências. Não é coisa para amador.
Talvez, se o tabuleiro fosse tridimensional, desse para inserir todas as coordenadas dos eventos que surpreenderam, surpreendem e, pelo andar da carruagem supersônica, seguirão deixando gregos, troianos e baianos de boca aberta e totalmente sem ação.
Tudo parecia ir muito bem lá pelos lados da Floresta. Pelo menos do ponto de vista da atual direção administrativa do mundo animal. O conselho real, composto pelas raposas, hienas e urubus, e capitaneado pelo vice morcegão, como toda a bicharada sabe, assumiu as rédeas do controle da vida na mata. Isso após avisarem a anta desavisada que a roupa nova da rainha não era tão bela quanto ela imaginava.
A selva parecia que ia ficando do jeito que eles queriam. Já havia até motivos de comemoração. Um ano havia se passado e, apesar da marcação cerrada do Guarda Belo e seus assistentes, o Manda-Chuva ainda era o dono do pedaço.
Até que, ao final de uma quarta qualquer, um alarido começou a fazer todo mundo sair numa correria desabalada na direção da clareira. Um bando de baratas tontas, desgovernadas e sem direção, protagonizava um espetáculo contagiante.
Dali a pouco macacos pulavam, araras gritavam, tucanos tentavam se camuflar nos galhos das árvores, esquecendo a alegre e nada discreta coloração de seus enormes bicos. Deslocamento naquelas circunstâncias nem pensar. E o risco de serem abatidos em pleno voo?
Ninguém sabia direito o que os papagaios papagaiavam, num alarido que chegava aos mais remotos recônditos da floresta. Não importava. Para quem não devia nem temia e pra quem tinha rabo preso também, era hora de correr pro centro da clareira e descobrir que diabo era aquilo. Seria o apocalipse? O tom era premente, de urgência.
E para lá foi a bicharada. O espetáculo era estranho. O dono dos bois atirando para todos os lados, como se ali fosse seu território. A cúpula da floresta paralisada, já cogitava mandar sua administração às favas, sem saber se poderia contar com o apoio das feras do pedaço. Seus chamados, apesar de encaminhados pela macacada, os mais ligeiros mensageiros, não surtiam os efeitos desejados, trazendo para o epicentro local lobos, leopardos ou sequer uma oncinha para apoiá-los e/ou defende-los.
Cada espécie tentava diminuir os reflexos dos acontecimentos em seu próprio umbigo. O importante era garantir sua própria pele. Se fosse possível, assegurando seu espaço no habitat. Água e alimento eram essenciais para a sobrevivência na floresta.
A passarada ia e vinha bicando trechos de conversas, num leva e traz de informações picotadas. O disse me disse crescia na mesma proporção em que as atividades rotineiras eram abandonadas. E a bicharada… corria!
Parecia um incêndio na floresta. Mas, e as labaredas? As cores avermelhadas que contrastavam com a silhueta da vegetação exuberante que em instantes, depois das ondas de calor insuportáveis, não estariam mais ali, onde estavam as labaredas?
Tampouco parecia ação impiedosa de motosserras. Onde estava o barulho insuportável dos motores e os gritos de dor e perplexidade da vindos da mata abatida? Havia traços de desastre no ar. Faltavam indícios do que estava provocando aquela tremenda confusão.
Depois do susto e do anúncio do vice-morcegão de que não haveria renúncia, a bicharada da floresta aguardou por dois dias, acompanhando os lances da demanda que apareciam aos poucos. Mas aí, chegou o final de semana, a adrenalina caiu, as expectativas minguaram e todo mundo resolveu voltar para casa e aguardar por lá o desenrolar dos acontecimentos.
*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “Fábulas Fabulosas”, do SEM FIM… delcueto.wordpress.com