PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – Doze pacientes de Covid-19, alguns em pé ou mesmo sentados no chão por falta de cadeiras, usavam cilindros de oxigênio no corredor do pronto atendimento do maior hospital da periferia de Porto Alegre no final de semana. Estavam misturados a crianças, acidentados e idosos com problemas ortopédicos.
Sem se identificar, a reportagem acompanhou por cerca de três horas o quadro crítico da emergência do HRES (Hospital da Restinga e do Extremo Sul de Porto Alegre), que atende a maior região carente da cidade.
O local retrata a situação limite da rede de saúde da capital gaúcha na pandemia. Porto Alegre atingiu na semana a lotação máxima de leitos de UTI para casos graves da Covid-19. Um contêiner precisou ser instalado para abrigar corpos das vítimas do coronavírus no maior hospital particular do município.
Por causa da lotação, o HRES suspendeu na sexta todas as visitas, além do acompanhamento de pacientes por seus familiares, como medida extrema para conter a disseminação da Covid-19.
Não havia cadeiras de rodas na emergência para transportar pacientes. Uma mulher com falta de ar teve de ser carregada pelo filho para dar entrada no hospital. Ela foi levada ao hospital de carro porque o Samu estava com todas as unidades ocupadas, contaram os familiares.
Inaugurado em 2014, o Hospital da Restinga é gerido por uma associação sem fins lucrativos e atende cerca de 100 mil pessoas. O bairro Restinga fica na periferia da capital, a 30 km do centro da cidade.
O motorista Luís Fernando da Silva, 52, chegou às 10h na emergência do HRES com falta de ar. Morador do bairro, teve diagnóstico de Covid-19 confirmado na segunda (1º), e no dia seguinte começou a tomar antibióticos.
De madrugada a situação piorou. Às 15h, a dona de casa Berenice, esposa de Silva, recebeu a notícia de que o marido teria de ficar internado. "Estou muito aflita porque ele deveria estar melhor, depois de três dias de medicação. Mas acabou piorando. Como não vou ficar nervosa?", disse a mulher, aos prantos.
Só estão autorizados autorizados acompanhantes para os doentes no caso de internação e crianças e idosos que sejam muito dependentes, contaram funcionários, sob a condição de anonimato.
Exames, cirurgias eletivas e consultas também foram canceladas. Os 87 eleitos estão ocupados. Informações sobre o estado de saúde dos pacientes demoravam mais de três horas para chegar, segundo relato de parentes que aguardavam na unidade na sexta.
Jandira Alves, 40, buscava informações sobre o estado de saúde de seu primo intubado desde a quarta-feira (3). Portador de uma síndrome grave, o rapaz necessita de cuidados especiais, mas está sem acompanhamento familiar. O diagnóstico de Covid-19 foi confirmado nesta sexta.
"Devido à síndrome, o Wagner frequentemente tem baixa de imunidade. Ele estava há um ano sem sair de casa, não sabemos como pode ter positivado", disse. A prima relatou que o rapaz de 22 anos teve falta de ar, tosse seca e pneumonia. A saturação sanguínea baixou a 60%. "Ele tem dificuldade de falar. Alguém da família tem que ficar lá para ajudar".
Dos 20 leitos intensivos do HRES, 19 estavam ocupados por pessoas com Covid-19. Doze casos confirmados aguardavam por vaga em UTI na emergência do hospital. Outras quatro pessoas sem a doença também esperavam por leito. Na terça-feira (2), o hospital dobrou de 10 para 20 as vagas de UTI. No dia seguinte, não havia mais lugar.
"A situação é dramática. Estamos com muitos óbitos, os casos que chegam são mais graves que no ano passado e não há profissionais suficientes para atender a demanda de tratamento intensivo", disse o anestesista Caio Nazário, que está atuando como intensivista no HRES nesta pandemia.
Durante a tarde, o hospital bateu recorde de ocupação de UTI em Porto Alegre na pandemia, chegando a 145%. No pico do dia, 31 pacientes com resultado positivo aguardavam vaga.
No fim da tarde, a ocupação voltou a ser de 100%.
Para dar conta de demanda, o hospital transformou uma das salas de recuperação de cirurgias em ambiente para tratamento de Covid-19.
A preocupação da equipe médica é com a prevalência de variantes mais agressivas do vírus em Porto Alegre, já detectadas pelo Centro de Vigilância Sanitária. "Estamos com muito medo", disse Nazário.
Procurada pela reportagem, a administração do HERS informou que está aguardando o envio de ventiladores e de monitores para abrir mais dez leitos de UTI durante a semana que vem.