Treze contratos da Secretaria de Saúde (SES) com Organizações Sociais de Saúde (OSS) são investigados pelo Ministério Público Estado (MPE). O inquérito civil foi aberto no começo de dezembro de 2016, mas portaria que informa sobre ação foi publicada somente no mês passado pelo órgão.
Em quatro anos (2011-2015), R$ 640,4 milhões foram repassados para OSS em Mato Grosso para gestão de hospitais públicos. Valor que teve sobrepreço de ao menos R$ 13,6 milhões, como identificado em apuração de contrato realizada por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa, cujos trabalhos duraram um ano.
A 11ª Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e Probidade Administrativa, comandada pelo promotor Mauro Zaque, concentrará o inquérito nos acordos firmados no período analisado pela CPI e no qual o ex-deputado Pedro Henry também foi responsável pela gestão da SES (2011-2012). Ele foi o principal defensor da implantação do sistema de gerenciamento externo de hospitais públicos em Mato Grosso.
O prazo para conclusão das investigações e apresentação de um parecer sobre as análises é de um ano.
A CPI das OSS investigou os contratos assinados com sete empresas filantrópicas para administração de hospitais regionais em Mato Grosso. Conforme o presidente da comissão, deputado Leonardo Albuquerque (PSD), somente em contrato mal elaborados o Executivo sofreu perda de aproximadamente R$ 300 milhões, entre 2011 e o primeiro semestre deste ano.
No relatório da CPI concluída em agosto de 2016, 55 irregularidades são apontadas, dentre elas a realização de 11 aditivos para somente um hospital. Conforme o deputado, as contratações foram possíveis por direcionamento das licitações e por criação de lei estadual, em 2011, que possibilitou a contratação das Organizações de Saúde com precária análise técnica da gestão do SUS.
Em entrevista ao Circuito Mato Grosso, o deputado classificou o período de administração de hospitais em Mato Grosso como a “década dos desperdícios”.
“A década da perda na Saúde em Mato Grosso começou a partir dos anos 2000. Tudo o que poderia ser feito para que hoje Mato Grosso fosse referência sobre a gestão pública de saúde não foi realizado. O Estado não mandava na determinação dos serviços [de OSS], as empresas faziam o que queriam, e isso gerou prejuízos enormes”, explica.
OSS não passaram pela aprovação do Conselho
O Estado não tem nenhum tipo de preparação para a fiscalização dos serviços das OSS, com problemas que vão de uma comissão improvisada para acompanhar os serviços das terceirizadas à assinatura de contratos com valor milionário e sem nenhuma garantia de cumprimento dos termos.
A 7ª Promotoria de Defesa de Cidadania divulgou nesta semana um relatório de inquérito civil iniciado em 2011 sobre a legalidade da transferência dos serviços de saúde para as organizações. O promotor Alexandre de Matos Guedes cita uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) como superação do impasse por adequação dos contratos a medidas jurídicas. Porém, Mato Grosso tem reafirmado a prestação de serviços pelas organizações, desde 2011, sem estrutura.
A primeira falha apontada no relatório é a aprovação de contratos com OSS sem submissão do teor ao Conselho Estadual de Saúde (CES), entidade responsável pela orientação de atividades na rede pública. Em quatro anos (2011-2015), A Secretaria de Saúde (SES) firmou contrato com sete OSS e “nenhum” teve parecer do conselho.
“O inquérito civil revela uma crônica de enormes fracassos financeiros e administrativos, inclusive na área finalística, no funcionamento das OSS contratadas para gerir os serviços públicos de saúde, várias das quais simplesmente abandonaram esta unidade federativa gerando prejuízos que não se sabe se um dia serão ressarcidos”, aponta o relatório.
Fragilidade jurídica gera prejuízo de R$200 milhões
A falta de fiscalização teria possibilitado, por exemplo, a contratação do Instituto Social Fibra, gerenciador de serviços em Alta Floresta (800 km de Cuiabá), sem qualquer notação de endereço da empresa. A fragilidade jurídica, que deveria ser identificada em análise interna da SES, também levou ao prejuízo de R$ 200 milhões em contratos com OSS entre 2011 e 2015; no ano passado foram contabilizadas perdas em R$ 1,4 milhão.
Além da exclusão do Conselho de Saúde de participação na formulação de contratos, o governo não montou nenhum grupo específico e fixo para acompanhar as atividades da SES com as OSS. Uma comissão com profissionais de carreira foi criada para os serviços, mas os membros ficam à disposição para remanejamento a outros postos. Situação que, segundo o Ministério Público, prejudica o acompanhamento das atividades das contratadas.
“A própria Auditoria Geral do Estado (AGE) revelou o profundo descalabro do controle da execução dos contratos mantidos com as OSS pela falta de controles de âmbito interno, como a insuficiência de servidores para cuidar dessas atribuições de fiscalização das OSS”, pontua o promotor.
A AGE ainda constatou a falta de capacitação dos referidos agentes públicos no que se refere ao sistema de Organizações Sociais. A unidade de controle interno é composta por servidores de carreira, os quais, no entanto, por não compor carreira especifica de auditoria, podem se remanejados livremente pela administração da SES.
Na prática, o quadro administrativo deficiente reflete no atendimento ao público em hospitais gerenciados pelas organizações; por exemplo, as consultas incompletas e/ou inadequadas com objetivo de acumular números de atendimentos ao longo de um mês.
Pacientes sendo preteridos e outros sendo liberados às pressas
“A falta de controle das OSS é tamanha que, mesmo o Hospital Regional de Cáceres, aonde uma organização social atua desde 2001, e é uma das únicas entidades deste tipo remanescentes com contrato em vigência, simplesmente permitia que um de seus médicos operasse quem ele desejasse, sem qualquer regulação ou controle”, aponta o MPE.
Deste modo, preteriam pessoas que já se encontravam em fila de espera em prioridade indevida de seus próprios clientes. Esses pacientes também eram liberados às pressas para dar lugar a outros, aumentando assim a produtividade e a lucratividade dos procedimentos.
De acordo com o Ministério Público, entre novembro de 2011 e março de 2012, foram realizadas em Cáceres 479 cirurgias ortopédicas. Número que serviu de aval para liberação de dinheiro da SES. Em 2013, por exemplo, o valor repassado pela secretaria ficou na casa de R$ 40 milhões.
“Sem qualquer controle efetivo de pagamentos e resultados, as Organizações Sociais de Saúde se sentem livres para não cumprir suas obrigações contratuais, como ocorreu, por exemplo, nos serviços de exame de mamografia que serão a seguir tratados”.
Instituto Social Fibra deve devolver R$ 1,8 milhões ao Estado
O Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE-MT) reafirmou esta semana a decisão de condenar o Instituto Social Fibra, na figura do representante legal, Antônio Efro Feltrin, e do ex-diretor presidente, Luiz Fernando Giazzi Nassri, a ressarcir os cofres públicos em R$ 1.820.301,41.
O valor deve ser atualizado desde 13 de janeiro de 2012, data da assinatura do contrato entre o Instituto e a Secretaria de Estado de Saúde (SES) para o gerenciamento, operacionalização e execução das ações e serviços de saúde no Hospital Regional de Alta Floresta, com vigência de cinco anos. Também foram condenados para, em 60 dias, pagar multa de 10% sobre o valor do dano.
A decisão ocorreu em sessão ordinária do Tribunal Pleno deste dia 14 no julgamento do recurso interposto pelo ex-diretor presidente, Luiz Fernando Giazzi Nassri.
Conforme o relator do processo, conselheiro Gonçalo Domingos de Campos Neto, não há nas alegações do recurso nenhum elemento novo que possa comprovar a regularidade das contas do Instituto Social Fibra, que em 2016 foi condenado pelo TCE-MT a devolver R$ 2,53 milhões ao erário por irregularidades na prestação de contas na gestão do Hospital Regional de Colíder.
Após decisão unânime do colegiado pelo desprovimento do recurso, o conselheiro substituto Luiz Henrique Lima pediu a palavra para elogiar o voto do conselheiro relator.
Lima lembrou que o Instituto Social Fibra é responsável pela ocorrência de desvios milionários contra a saúde pública de Mato Grosso, que o TCE conduziu a condenação dos gestores e agora confirmou decisão de recuperar esses recursos para o erário de Mato Grosso. “Recursos que são da saúde pública”, destacou.
Pedro Taques pode adotar PPP em substituição a OSS
O governador Pedro Taques (PSDB), que classificou como “picaretagem” a atuação de algumas Organizações Sociais de Saúde (OSS) em Mato Grosso logo no início do seu mandato, em 2015, poderá passar a gestão dos hospitais públicos para Parcerias Público-Privadas (PPP). Para isso, Taques depende da aprovação do Conselho Estadual de Saúde (CES).
As OSS começaram a se aproximar da gestão pública estadual ainda no governo de Blairo Maggi (PP) e se estabeleceram definitivamente no governo Silval
Barbosa (PMDB) pelas mãos do então secretário de Estado de Saúde, Pedro Henry.
Já Pedro Taques assumiu prometendo banir as OSS dos hospitais públicos. “Precisamos repensar esse modelo de gestão das unidades de saúde, e é isso o que estamos fazendo”, afirmou à época.
O governo avalia, ainda, outros meios de gestão de unidades, tomando como exemplo o Hospital de Subúrbio de Salvador (BA), cuja administração é feita por meio de PPP.