Em horário de aula as escolas deveriam ter alunos empenhados em aprender e estudar, porém essa realidade em muitos colégios tem sido diferente: jovens e adolescentes têm usado o ambiente escolar para fazer uso e, até mesmo, venda de entorpecentes. O Circuito Mato Grosso foi apurar a realidade enfrentada por diretores e professores no dia a dia em escolas estaduais de Cuiabá.
Uma unidade de ensino que é referência na capital e enfrenta problemas com uso e tráfico de drogas é a Escola Estadual Presidente Médici, localizada na Avenida Mato Grosso, região central de Cuiabá. A escola atende alunos entre 12 e 18 anos e atualmente há 2 mil matriculados, divididos em 38 salas em dois períodos.
A diretora Patrícia Carvalho lamentou que a escola tenha se transformado em um espaço de tráfico e consumo de drogas. “Por ser uma região central e de fácil acesso, pessoas de várias partes vêm à porta do colégio, seja para fazer uso ou vender drogas”, comentou, confirmando que muitos alunos, além de consumir, também traficam.
Patrícia Carvalho informou também que tem aluno que faz o uso de drogas antes mesmo de começar as aulas, e quando entra na sala é possível sentir um forte cheiro de maconha, mas a escola não pode impedir o estudante de assistir aula. Em relação ao tráfico, ela relata que sempre que a polícia é chamada quase nunca encontra a quantidade de droga necessária para caracterizar o tráfico e os estudantes são enquadrados apenas como usuários.
“Já fizemos relatórios, encaminhamos à Delegacia de Entorpecentes e à Delegacia Especializada do Adolescente (DEA) e até à própria PM, porém a polícia acaba ficando de mãos atadas porque os alunos são ágeis e quando os militares chegam para atender uma solicitação eles distribuem a droga entre eles, descaracterizando o crime de tráfico”, completou.
Além da maconha, outro problema comum na escola, segundo a diretora, é o uso de cigarros. “Os inspetores de pátio, quando identificam o aluno fazendo o uso de alguma substância ilícita ou mesmo o cigarro, conduzem o estudante até a direção para receber orientação e o fato ser comunicado aos pais ou responsáveis”.
MENINAS
Patrícia Carvalho revela ter notado um aumento no número de meninas envolvidas com drogas, principalmente em relação ao tráfico. Ela alega que geralmente quando a polícia é acionada e chegam à unidade de ensino, geralmente são policiais homens, e, sabendo disso, os alunos que fazem venda deixam as meninas como responsáveis pela droga.
“Elas se aproveitam pelo fato de não poderem ser revistadas pelos homens e guardam a droga em suas mochilas ou em partes do corpo, evitando que os estudantes do sexo masculino sejam detidos e com isso a venda continua sem que haja o flagrante da venda de entorpecente quando a polícia vem até à escola”, disse Patrícia Carvalho.
No Médici, alunos usam maconha a qualquer hora
O diretor Danilo Benigno de Souza, da Escola Estadual Francisco Alexandre Ferreira Mendes, localizada no Bairro Boa Esperança relatou ao Circuito Mato Grosso que o uso de drogas em horário de aula é visível pelos professores, porém o controle desse uso é mais difícil.
A principal droga utilizada, segundo o diretor, é a maconha. Alunos têm feito uso de drogas durante o horário de aula, no intervalo ou mesmo durante a aula, no banheiro. “Já pegamos e vimos alunos com olhos vermelhos, pupilas dilatadas, mas não podemos expulsá-los ou prendê-los. Já identificamos alunos que fazem uso, porém a nossa tarefa é avisar os pais deles para que tomem alguma providência. Nós conversamos com os responsáveis para que algo possa ser feito e o uso não só de maconha, mas de cigarros, seja erradicado”.
A escola foi alvo de uma operação da Polícia Civil no dia 19 de outubro de 2016, quando 100 policiais civis, entre delegados, investigadores e escrivães, participaram da ação que contou ainda com o apoio da 2ª Vara da Infância e Juventude, Juizado da Infância e Juventude, Ministério Público, Perícia Oficial e Identificação Técnica (Politec), Secretaria de Mobilidade Urbana e o Canil da Polícia.
Na ocasião, a operação foi desencadeada diante de denúncias da própria escola, sendo instaurado pela DEA um Auto de Investigação de Ato Infracional para apurar a atuação de grupos de adolescentes envolvidos com tráfico e uso de drogas ali dentro. O diretor observa que na época chegou até ser ameaçado por alguns alunos que se sentiram traídos com a chegada da polícia e o cumprimento de 18 mandados de busca e apreensão contra os adolescentes.
“O nosso objetivo é salvar adolescentes e pré-adolescentes, tentar mostrar a eles o submundo e a que pode levar o uso de drogas. Não tenho poder nem força para lutar contra o tráfico, e também não é a minha função. Eu, enquanto diretor, ofereci ajuda aos alunos que faziam uso de drogas, me prontifiquei a acompanhá-los ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPs) para realizar tratamento e cuidar deles. No entanto, com a operação alguns alunos disseram que eu menti e teria traído a confiança deles”, ressalvou o diretor.
Diretores reclamam ausência dos pais
A grande queixa por parte da instituição de ensino é a ausência dos pais na vida escolar dos filhos. Danilo de Souza informa que sempre que há uma reunião de pais e mestres, nem 10% dos responsáveis vão até a escola para saber do filho ou o que acontece na unidade.
A diretora do Presidente Médici diz a mesma coisa e afirma que além da ausência dos pais o que acontece é a falta de aceitação dos responsáveis do fato de que o aluno esteja envolvido com algo de errado dentro da escola, e sempre acabam colocando os professores como responsáveis por tudo que acontece ou que o estudante faz dentro da escola.
“Já teve caso de aluno que foi pego com outros estudantes fazendo uso de cigarro, que foi trazido para a direção por volta de 12h15, e deu o horário dele ir embora e não conseguirmos falar com a mãe do aluno. Liguei insistentemente até 18h30 para informar o fato para a mãe do estudante e não obtive êxito. Somente à noite que ela me ligou e ainda disse que eu estava errada pela forma que abordei o filho dela, e que não atendeu o telefonema antes porque era uma mulher ocupada”.
A diretora afirmou que quando os pais procuram a escola ou vão até lá é geralmente para cobrar a direção sobre condutas e normas internas. “Vêm pais aqui dizendo que a escola não pode proibir o aluno de usar roupas curtas porque são jovens, faz parte da adolescência deles, ou fazer cobrança sobre notas e essas coisas, mas nunca para solucionar um problema”, completou Patrícia.
E o diretor Danilo de Souza completa: “Já tivemos estudante que sempre estava com os olhos vermelhos e pupilas dilatadas na aula. Chamamos os pais para uma conversa e explicar sobre o que estava acontecendo. A mãe do aluno disse que o filho tinha alergia, por isso os olhos vermelhos. A mãe relutou em aceitar que o filho estaria mexendo com algo errado, mesmo sendo informada que os olhos dele ficavam vermelhos sempre após o intervalo”.
Os diretores de ambas as escolas foram unânimes em dizer que os alunos deveriam ter uma atenção maior por parte dos responsáveis por meio da participação nas atividades, buscando saber das notas, participando de reuniões, e, se possível, levar e buscar os estudantes na porta da escola e conhecer as suas amizades para evitar vários problemas que eles possam ter, não só na escola como também fora dela.
Escolas desenvolvem ações para desviar alunos das drogas
O Colégio Ferreira Mendes tem desenvolvido atividades para que o aluno sinta-se acolhido pela escola e ocupe a maior parte do tempo com atividades de esporte, lazer e até mesmo ensino, evitando que perca o foco e se afunde no mundo das drogas, o que é uma questão de saúde pública.
A unidade tem uma escola de futsal, oficina de redação, fanfarra, coral e aulas de dança, há uma rádio na qual os próprios alunos produzem programas na hora do intervalo, tem o FMVest, que é um curso preparatório para vestibular, aula de redação, educomunicação, aulas de reforço, xadrez, e o pai de um aluno já se comprometeu em ensinar aula de violão aos estudantes que queiram aprender.
O Presidente Médici oferece aos estudantes do Ensino Médio cursos técnicos de informática ou administração e aulas de reforço. Ambas as escolas sempre foram referência no ensino público.
O diretor Danilo afirma que o Ferreira Mendes sempre apresenta bons índices no Inep e Enem alcançando as primeiras posições em notas, e a diretora Patrícia Carvalho ressalta que os alunos da escola sempre conseguem bons resultados no Enem, saindo do terceiro ano ingressando em cursos como Direito, Enfermagem, Engenharias, Educação Física da UFMT.
A Secretaria de Estado de Educação (Seduc) vai lançar em julho o projeto Anjos da Escola que tem por objetivo promover a cultura da paz e ser proativo nas escolas. O programa visa coibir a evasão escolar que acontece por vários motivos, entre eles as drogas.
“Tudo que de alguma forma tem por consequência a evasão escolar nós vamos combater, como as drogas. Ela ocasiona a evasão do usuário e também do não usuário, pois ele não consegue conviver com a situação de ter um aluno que usa ou oferece drogas a ele e acaba saindo da escola, e vamos trabalhar nesse sentido para orientar e tentar coibir o abandono dos alunos nas escolas”, explicou o tenente-coronel Marcos Roberto, coordenador do programa Anjos da Guarda.
O programa irá atuar em parceria com o Caps, com o Programa saúde na Escola (PSE), Proerd, Rede cidadã e outros.
DEA
A Delegacia Especializada do Adolescente, que tem como titular a delegada Anaíde Barros, informou que há um projeto específico para essa área de atuação na delegacia e ações futuras serão desenvolvidas na repreensão ao tráfico e uso de drogas, e também de um trabalho preventivo inclusive em colégios particulares. Ela ainda ressalta que muitas vezes o aluno acaba até sendo vítima do sistema que os alicia justamente por serem menores de idade.