Opinio Juris

Os efeitos do arquivamento do inquérito judicialiforme no processo administrativo

 

Os efeitos do arquivamento do inquérito judicialiforme no processo administrativo: estudo de casos dos mandados de segurança 28.743, 28.799 e 28.802

Por Antonio Horácio da Silva Neto e Giovane Santin

 

Ementa

O paradigma jurisprudencial da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal nos casos concretos  dos Mandados de Segurança 28743, 28.799 e 28.802 – Inquérito policial instaurado contra magistradas por fatos idênticos – Arquivamento judicial do processo judicialiforme a pedido do órgão ministerial  – Razões da promoção ministerial considerando inexistir autoria ou materialidade para a persecução penal – Absolvição de outros magistrados por fatos idênticos e seus reflexos na esfera administrativa disciplinar – Verificação da proporcionalidade e razoabilidade da aplicação de sanção administrativa de aposentadoria compulsória – Harmonização da decisão colegiada para evitar grande ruptura do sistema jurídico e realizar produção de efetiva justiça e inibir aporias nos casos concretos.

 

Do caso concreto

Neste artigo referente a estudo de caso serão abordadas as decisões proferidas pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal nos Agravos Regimentais dos Mandados de Segurança 28743, 28.799 e 28.802, onde magistradas do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso questionaram a ilegalidade da punição aplicada pelo Conselho Nacional de Justiça no Processo Administrativo Disciplinar Nº. 200910000019225, diante da conclusão do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Estado de Mato Grosso no procedimento judicialiforme referente ao Inquérito 607/Mt que tramitou inicialmente perante o Superior Tribunal de Justiça e posteriormente na 7ª. Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/Mt.

Anota-se que, em de 8 de abril de 2001 [aniversário de Cuiabá/MT], no referido procedimento judicialiforme houve a Promoção de Arquivamento 00098446/Pgr, da lavra do Subprocurador Francisco Dias Teixeira, concluindo que no tocante aos fatos imputados às magistradas Maria Cristina de Oliveira Simões, Graciema Ribeiro de Caravellas e a Juanita Cruz da Silva Clait Duarte “não se tem [tinha] prova de que ela[s] participara[m] do conluio de que fizeram parte os denunciados acima referidos, para se engendrar o pagamento indevido e a posterior transferência parcial daquele depósito para a Loja Maçônica”. As razões jurídicas deste pleito foram encampadas pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso que as endossaram perante o da 7ª. Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/Mt.

Esse fato relevante foi levado para dentro dos Mandados de Segurança 28743, 28.799 e 28.802, sendo ainda reforçados posteriormente pelo fato novo consistente do acórdão proferido por unanimidade no Recurso de Apelação Criminal Nº. 88739/2017, onde o Tribunal de Justiça do Estado De Mato Grosso decidiu pela absolvição dos juízes Antonio Horácio da Silva Neto e Marcos Aurélio dos Reis Ferreira nos termos do art. 386, inciso IV (estar provado que o réu não concorreu para a infração penal), do Código de Processo Penal.

Assim sendo, esse fato novo do veredito colegiado final e definitivo da Corte mato-grossense no caso dos juízes Antonio Horácio da Silva Neto e Marcos Aurélio dos Reis Ferreira ratificava, por via oblíqua, a inexistência da autoria das magistradas Maria Cristina de Oliveira Simões, Graciema Ribeiro de Caravellas e a Juanita Cruz da Silva Clait Duarte, conforme Promoção de Arquivamento 00098446/Pgr oferecida no Inquérito 607/Mt, endossada e encampada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso e definitivamente homologada pelo juízo então competente da 7ª. Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/Mt.

Quando do julgamento colegiado proferido nos Agravos Regimentais dos Mandados de Segurança 28743, 28.799 e 28.802, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria qualificada de votos (4×1), de acordo com a ementa oficialmente publicada, proferiu a seguinte conclusão:

08/11/2022                                                                         SEGUNDA TURMA

AG.REG. EM MANDADO DE SEGURANÇA 28.802 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

REDATOR DO ACÓRDÃO: MIN. NUNES MARQUES

AGTE.(S): JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE

ADV.(A/S): MIRIAN RIBEIRO RODRIGUES DE MELLO GONCALVES

AGDO.(A/S): CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ

PROC.(A/S)(ES): ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO

EMENTA

AGRAVOS INTERNOS EM MANDADOS DE SEGURANÇA. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. QUESTÃO DE ORDEM. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SANÇÃO DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. DECISÃO PENAL ABSOLUTÓRIA (CPP, ART. 386, IV). VINCULAÇÃO DA ESFERA ADMINISTRATIVA. PROMOÇÃO DE ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO CIVIL. DESPROPORCIONALIDADE DA PENA APLICADA. NULIDADE DO ACÓRDÃO MEDIANTE O QUAL IMPOSTA A SANÇÃO.

1. O Plenário, em questão de ordem, deliberou, em consonância com o decidido na ADI 5.399 QO, que o Ministro sucessor, inclusive quando Relator, poderá proferir voto se, após iniciado o julgamento – e mesmo tendo sido proferido voto do Ministro que veio a ser sucedido –, surgir fato novo não antes apreciado e cuja análise seja admitida no feito, mediante manifestação que trate do fato superveniente e de sua influência no processo, eventualmente instituindo-se votação por capítulos.

2. Os documentos indicativos de fatos ocorridos após a impetração e a formalização do pronunciamento judicial denegatório da segurança podem ser examinados e levados em conta quando da apreciação de eventual recurso de agravo (CPC, arts. 932 e 933, § 2º).

3. O Supremo admite, excepcionalmente, a revisão da penalidade aplicada pela Administração Pública nos casos em que a documentação colacionada demonstrar com clareza a desproporcionalidade e/ou o excesso do Órgão estatal. Precedentes.

4. A absolvição penal dos impetrantes Antônio Horácio da Silva Neto e Marcos Aurélio Reis Ferreira (MS 28.801 e MS 28.892), com fundamento no art. 386, IV, do Código de Processo Penal – juízo de certeza de que os autores não concorreram para a prática supostamente delitiva –, vincula a decisão no âmbito administrativo, por serem os fatos imputados idênticos nas duas esferas, por não haver comprovação de qualquer falta residual de gravidade ímpar capaz de justificar a sanção de aposentadoria compulsória e também por se tratar de meros desdobramentos do ato principal.

5. Às magistradas Graciema Ribeiro de Caravellas (MS 28.799), Juanita Cruz da Silva Clait Duarte (MS 28.802) e Maria Cristina Oliveira Simões (MS 28.743) imputou-se tão somente o recebimento, em caráter privilegiado, de importâncias que de fato lhes eram devidas pelo Tribunal de Justiça. Se a absolvição penal ocorrida quanto aos impetrantes Antônio Horário da Silva Neto e Marcos Aurélio Reis Ferreira, acusados de peculato, obrigatoriamente gerou efeitos na esfera administrativa, com mais razão o fez em relação às mencionadas juízas, contra as quais nem sequer foi oferecida denúncia, diante do arquivamento da investigação criminal.

6. Nos autos do inquérito civil n. 002089-023/2009, instaurado pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso a fim de apurar a prática de atos de improbidade administrativa, as autoras demonstraram que foram totalmente eximidas da responsabilidade pelo recebimento das verbas remuneratórias pagas pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso quando da promoção do arquivamento, porquanto tinham direito à percepção das quantias e a correção monetária foi realizada pelo Tribunal estadual.

7. Agravos internos aos quais se dá provimento para conceder-se a segurança e declarar-se a nulidade das sanções aplicadas pelo Conselho Nacional de Justiça no PAD n. 200910000019225, assegurada aos impetrantes a reintegração ao cargo, com o reconhecimento de tempo de serviço e o pagamento das diferenças relativas às vantagens remuneratórias, nos termos do art. 28 da Lei n. 8.112/1990, aplicável por força do art. 26 da Resolução CNJ n. 135/2011.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada em 8 de novembro de 2022, na conformidade da ata de julgamentos, por maioria, em acolher a questão de ordem suscitada pelo ministro Gilmar Mendes no sentido de fixar o entendimento de que, em consonância com o que decidido pelo Plenário na questão de ordem na ADI 5.399/SP, o Ministro sucessor, inclusive quando Relator, poderá proferir voto se, após iniciado o julgamento – e mesmo tendo sido proferido voto do Ministro que veio a ser sucedido –, surgir fato novo não antes apreciado e cuja análise seja admitida no feito, mediante manifestação que trate do fato superveniente e da sua influência no processo, eventualmente instituindo-se votação por capítulos, e garantindo-se que tal posicionamento passe a ser adotado pela Segunda Turma a partir do presente julgamento; tese essa que, no caso concreto, oportunizou a manifestação do ministro Nunes Marques, Relator sucessor do processo; e em seguida, também, por maioria, dar provimento ao agravo e conceder a segurança para declarar a nulidade das sanções aplicadas pelo Conselho Nacional de Justiça no Processo Administrativo Disciplinar n. 200910000019225, assegurando à impetrante o direito de ser reintegrada, com reconhecimento de tempo de serviço e pagamento das diferenças relativas às vantagens remuneratórias, observado o disposto no art. 28 da Lei n. 8.112/1990, aplicável aos magistrados, por força do art. 26 da Resolução CNJ n. 135/2011, nos termos do voto do ministro Nunes Marques, atual Relator, superado o voto do antecedente Relator, em razão do fato novo, e vencido o ministro Edson Fachin. Presidência do ministro André Mendonça.

Brasília, 8 de novembro de 2022.

Ministro NUNES MARQUES

Esses os fatos relevantes a serem pontuados nesta análise do posicionamento dado pelo órgão fracionário da Corte Suprema nesses emblemáticos casos das magistradas mato-grossenses, sob os quais serão verificados os fundamentos jurídicos utilizados para o alcance da conclusão de procedência das pretensões mandamentais que levaram a nulificação do julgado administrativo do Conselho Nacional de Justiça.

 

Dos fundamentos jurídicos nas ações mandamentais – Fatos Novos

Tendo em vista a ocorrência após a impetração de fatos novos, com fundamento no art. 493, do Código de Processo Civil, os advogados das magistradas Maria Cristina de Oliveira Simões, Graciema Ribeiro de Caravellas e a Juanita Cruz da Silva Clait Duarte levaram ao conhecimento do então relator dos Agravos Regimentais dos Mandados de Segurança 28743, 28.799 e 28.802, ministro Celso de Mello, os seguintes eventos:

(a)        Acórdão no RAC/RNS Nº. 126221/2014 julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso confirmando a respeitável sentença proferida pelo Juízo da 5ª. Vara Especializada de Fazenda Pública da Comarca de Cuiabá/Mt na Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica de Ressarcimento – Processo Nº. 290/2012 (Código 760224) movida pela magistrada Juanita Cruz da Silva Clait Duarte em face do Estado de Mato Grosso.

(b)        Acolhimento da Promoção de Arquivamento do Inquérito Civil Nº. 002089-023/2009 pelo Conselho Superior do Ministério Público do Estado De Mato Grosso em que se apurou por mais de sete anos se as condutas das magistradas seriam improbidade administrativa.

(c)        Sentença absolutória dos juízes de direito Antonio Horácio da Silva Neto e Marcos Aurélio dos Reis Ferreira na Ação Penal Nº 5751-10.2010.811.0042 (Código 158395), que analisou a denúncia ofertada em razão dos fatos que as magistradas deixaram de ser denunciadas por não haver comprovação das autorias, proferida pelo Juízo da 7ª. Vara Criminal da Comarca De Cuiabá/Mt por atipicidade de conduta, nos termos do art. 386, inciso III (não constituir o fato infração penal), do Código de Processo Penal, com certidão de trânsito em julgado para o Ministério Público do Estado de Mato Grosso, que dela não recorreu e o respectivo extrato processual.

(d)        Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso proferido por unanimidade no RAC Nº. 88739/2017, onde juízes de direito Antonio Horácio da Silva Neto e Marcos Aurélio dos Reis Ferreira tiveram confirmadas as absolvições em primeiro grau de jurisdição do Juízo da 7ª. Vara Criminal da Comarca De Cuiabá/Mt, mas cujo fundamento foi alterado para os termos do art. 386, inciso IV (estar provado que o réu não concorreu para a infração penal), do Código de Processo Penal, com certidão de trânsito em julgado para o Ministério Público do Estado de Mato Grosso, que dela não recorreu e o respectivo extrato processual.

De acordo com tais fatos jurídicos ficou fora de qualquer dúvida que os Ministérios Públicos Federal e Estadual haviam concluído de forma harmônica, ou seja, plenamente acordes, que quanto as magistradas Maria Cristina de Oliveira Simões, Graciema Ribeiro de Caravellas e Juanita Cruz da Silva Clait Duarte “não se tem prova de que ela[s] participara[m] do conluio de que fizeram parte os denunciados acima referidos, para se engendrar o pagamento indevido e a posterior transferência parcial daquele depósito para a Loja Maçônica”.

Igualmente, é fato incontroverso que o Juízo da 7ª. Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/Mt acolheu tal posicionamento do parquet e homologou em decisão interlocutória mista terminativa e transitada em julgado a promoção de arquivamento, concluindo-se definitivamente que as magistradas Maria Cristina de Oliveira Simões, Graciema Ribeiro de Caravellas e Juanita Cruz Da Silva Clait Duarte não participaram de qualquer conluio para “se engendrar o pagamento indevido e a posterior transferência parcial daquele depósito para a Loja Maçônica”. E, in casu, não participar significa em interpretação primeira, no caso a gramatical, não ser autor ou autora dos fatos, pois de acordo com o parquet não há outra conclusão dessa assertiva nas provas colhidas no caderno investigatório.

Ademais, numa atenta verificação do teor do pedido de arquivamento se observa que esse sequer trouxe expressa ressalva da eventual possibilidade de continuação da persecução penal no caso de surgirem novas provas, até porque concluíram com profundidade no sentido de que não havia provas do conluio indicado na denúncia que posteriormente foi proposta. Portanto, no entendimento dos órgãos acusadores, não havia, como até hoje não há, autoria e materialidade e, assim, a necessária justa causa para a instauração de ação penal em face das magistradas Maria Cristina de Oliveira Simões, Graciema Ribeiro de Caravellas e Juanita Cruz da Silva Clait Duarte.

Por conseguinte, esse posicionamento significou pragmaticamente que os órgãos de acusação afirmaram de forma expressa e o Poder Judiciário reconheceu e acolheu por decisão do Juízo Competente que as magistradas Maria Cristina de Oliveira Simões, Graciela Ribeiro de Caravellas e Juanita Cruz da Silva Clait Duarte não são consideradas autoras dos fatos investigados exaustivamente no Inquérito 607/Mt, ou ainda, não podem ser consideradas como o indivíduo que executa a ação veiculada no tipo penal e, portanto, não concretizaram o comportamento típico, antijurídico e culpável.

Mutatis mutandis, não há como se deixar de concluir validamente que as magistradas Maria Cristina de Oliveira Simões, Graciela Ribeiro de Caravellas e Juanita Cruz da Silva Clait Duarte na verdade foram absolvidas por esse arquivamento pedido pelo parquet e homologado judicialmente, definitivamente transitado em julgado. Usa-se aqui o verbo absolvição,  transitivo direto e bitransitivo, pois ele pode ser usado para inocentar, declarar inocente ou tirar a culpa de alguém como também para retirar qualquer responsabilidade de alguém para uma ação ou omissão. Essa a situação de fato e de direito das magistradas.

Com efeito, observe-se que o pedido de arquivamento realizado pelo parquet federal e corroborado pelo parquet estadual nem sequer fez a ressalva do art. 18, do Código de Processo Penal, que traz a batida fórmula “Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia”, ou ainda  qualquer menção ao enunciado de súmula 524 do Supremo Tribunal Federal que tem a seguinte teor “Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas”.

Logo, força reconhecer e concluir com validez jurídica que esse pedido de arquivamento, por pleitos harmônicos dos Ministérios Públicos Federal e de Mato Grosso e em razão de seus fundamentos, traz a indelével conclusão de que houve o expresso reconhecimento da negativa de autoria, pois nele se encontra grafado com todas as letras que “não se tem prova de que elas [magistradas] participaram do conluio de que fizeram parte os denunciados”. Destarte, é fato incontrastável que, ao afirmaram os representantes ministeriais a inexistência dos elementos mínimos necessários à instauração de ação penal, ou seja, autoria, dolo ou culpa e materialidade, por não terem participado as magistradas dos fatos, não são elas autoras do suposto crime de peculato.

Desse modo, assim posto o arquivamento do inquérito esse teve, sem sombra de dúvida, como verdadeiro significado interpretativo a conclusão do afastamento definitivo da responsabilidade penal das juízas de direito Maria Cristina de Oliveira Simões, Graciela Ribeiro de Caravellas e Juanita Cruz da Silva Clait Duarte, por estar devidamente indicada pelos representantes do parquet a negativa de autoria, demonstrada na conclusão da inexistência dos requisitos necessários à continuidade da persecução penal.

Essa conclusão jurídica ganha ainda mais força quando se verifica o teor do acórdão proferido por unanimidade no Recurso de Apelação Criminal Nº. 88739/2017 do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, onde os desembargadores concluíram pela absolvição dos juízes de direito Antonio Horácio da Silva Neto e Marcos Aurélio dos Reis Ferreira pelo fundamento do art. 386, inciso IV (estar provado que o réu não concorreu para a infração penal), do Código de Processo Penal, pois esse veredito colegiado final ratificou por via oblíqua a conclusão do parquet no Inquérito 607/Mt de inexistência da autoria das juízas de direito Maria Cristina de Oliveira Simões, Graciela Ribeiro de Caravellas e Juanita Cruz da Silva Clait Duarte.

Na busca da justiça, essa é a melhor e mais justa interpretação, visando se evitar o que de pior pode existir para situações de julgamentos diversos que provém de fato idênticos, ou seja, rechaçada pelas passagens bíblicas dos “dois pesos e duas medidas”, onde encontra prescrito no Livro da Lei Sagrada: “Não carregueis convosco dois pesos, um pesado e o outro leve, nem tenhais à mão duas medidas, uma longa e uma curta[1]” e “Dois pesos diferentes e duas espécies de medida são abominação ao Senhor, tanto um como outro[2]”.

Assim sendo, a mais correta interpretação para o caso concreto das juízas de direito Maria Cristina de Oliveira Simões, Graciela Ribeiro de Caravellas e Juanita Cruz da Silva Clait Duarte era a produção dos efeitos na seara administrativa da decisão interlocutória mista terminativa relativa a promoção de arquivamento homologada pelo juízo criminal competente em cumulação a sentença absolutória irrecorrível onde ficou devidamente provado que os juízes de direito Antonio Horácio da Silva Neto e Marcos Aurélio dos Reis Ferreira não concorreram para a infração penal.

Essa a interpretação justa e equânime que, salvo melhor juízo, deveria ser dada para evitar a clara situações de injustiça por força das instâncias diferenciadas (cível, administrativa e criminal) e suas respectivas conclusões de julgamento para os mesmos fatos, criando com isso situações que afrontam claramente o sistema jurídico como um todo sistêmico e harmônico, lembrando-se sempre das suas características principais de unidade, coerência, lógica e completude.

A unidade significa que o sistema de direito tem como base uma norma fundamental, de onde emanam todas as demais normas do ordenamento. A coerência se traduz na propriedade pela qual o sistema do direito não admite contradição entre as normas que o constitui e diz respeito própria consistência do sistema. A lógica para possibilitar que as escolhas das premissas legais sejam feitas de forma racional e justificada, garantindo que o Direito possa efetivamente ser qualificado como Ciência e possibilitando que se exerça um controle mais apropriado das decisões jurídicas. E a completude diz com a possibilidade de o ordenamento jurídico possuir normas destinadas a regular todos os casos, não se admitindo a existência de lacunas ou aporias. 

O dogma da independência das instâncias penal e administrativa, assim considerado como proposição certa e inegável no nosso sistema jurídico, deveria ser avaliado com as nuances de repercussão em casos como o das juízas de direito Maria Cristina de Oliveira Simões, Graciela Ribeiro de Caravellas e Juanita Cruz da Silva Clait Duarte para se evitar injustiça qualificada em razão das situações que provém de fato idênticos.

A esse respeito do dogma da independência das instâncias penal e administrativa, sabe-se pela pena de Celso Antonio Bandeira de Mello[3] que “as responsabilidades disciplinar, civil e penal são independentes entre si e as sanções correspondentes podem se cumular. Entretanto, a absolvição criminal, que negue a existência do fato ou de sua autoria, afasta a responsabilidade administrativa”.

Em igual sentido é o escólio do magistrado paulista Hely Lopes Meirelles[4], para quem “a absolvição criminal só afasta a responsabilidade administrativa e civil quando ficar decidida a inexistência do fato ou a não autoria imputada ao servidor, dada a independência das três jurisdições. A absolvição na ação penal, por falta de provas ou ausência de dolo, não exclui a culpa administrativa e civil do servidor público, que pode, assim, ser punido administrativamente e responsabilizado civilmente”.

Como se observa não somente os nossos doutrinadores, mas igualmente os doutrinadores estrangeiros também lecionam sobre os casos de comunicabilidade das instâncias penal e administrativa, sendo certo que a verificação dos fatos realizada pelo juízo penal vincula o órgão disciplinar, não ocorrendo o contrário, no caso da verificação dos fatos pelo órgão disciplinar em relação a instância judicial penal.

Ademais, delimitam as situações de comunicação da instância penal sobre a administrativa, indicando somente os casos de inexistência do fato ou de que o agente não seja o seu autor, o que ocorreu, como já explanado, por via oblíqua na espécie em relação das juízas de direito Maria Cristina de Oliveira Simões, Graciela Ribeiro de Caravellas e Juanita Cruz da Silva Clait Duarte no caso do arquivamento reconhecendo não serem as autoras dos fatos e do acórdão de  absolvição dos juízes de direito Antonio Horácio da Silva Neto e Marcos Aurélio dos Reis Ferreira pelo fundamento do art. 386, inciso IV (estar provado que o réu não concorreu para a infração penal), do Código de Processo Penal.

No que interessa ao estudo dos casos concretos sub oculis, é precioso citar excerto do grande mestre paulista José Cretella Júnior, retirado do seu brilhante artigo “Repercussão da sentença penal na esfera administrativa”, que foi publicado na Revista de Direito da Universidade de São Paulo (1972), onde traz anotações sobre a doutrina estrangeira no tocante a comunicabilidade das instâncias penal e administrativa, verbis:

“No caso em que o juízo penal concluir pela absolvição, deve entender-se que tal sentença preclui o curso da ação disciplinar apenas quando se pronunciou pela inexistência do fato ou porque o funcionário nele não haja tomado parte, ao passo que qualquer outra forma absolutória não pode impedir o exercício do poder disciplinar da Administração, diversa sendo, subjetivamente, a valoração de que dos mesmos fatos deve fazer o juiz administrativo e o juiz penal” (Piromallo Francesco, Disciplina dela Publica Amministrazione, em Nuovo Digesto Italiano, 1938, vol. V, pág. 28, “sub voce”)

“A absolvição no juízo penal constitui autoridade de coisa julgada, quando declara a inexistência do fato ou quando, embora admitindo o fato, exclui do fato a participação do indiciado, não obstante, nessas hipóteses, possam surgir fatos particulares e circunstâncias disciplinarmente puníveis (Petrozziello Modestino, Il rapporto di pubblico impiego, 1935, pág. 264)

Sistematizando o tema, Alessio aponta os princípios que regem a comunicabilidade e a incomunicabilidade de instâncias. “1°. Influência do processo administrativo sobre o penal. a) A comunicação de punição disciplinar não exclui nunca a responsabilidade penal, quando tal ocorre. Nem pode haver influência alguma sobre o juízo penal, no que se refere ao acertamento do fato. b) A absolvição administrativa não exime de responsabilidade penal, nem quando se está diante da exclusão do elemento objetivo da falta. O processo administrativo não tem caráter jurisdicional e, pois, as decisões com que ele se encerra não podem, em caso algum, adquirir força de coisa julgada, nem a favor e nem contra o empregado. 2º. Influência do juízo penal sobre o disciplinar. a) Deve ser imediatamente suspenso do cargo e dos vencimentos o funcionário contra o qual se expediu mandado de prisão. b) Quando o fato atribuído ao funcionário tenha dado lugar a denúncia à autoridade judiciária, o processo disciplinar permanecerá suspenso, salvo a obrigação de concorrer para a apuração dos fatos e à colheita das provas. Não se instaurará processo administrativo se o juiz penal decidiu com sentença que exclui a existência do fato imputado ou, embora admitindo-o, exclui o funcionário da autoria (Alessio, Francesco D´, Istituzioni di diritto ammnistrativo italiano, 4ª. Ed., 1949, vol. I, págs. 578-579.

Os tribunais italianos firmaram orientação que assim se resume: a absolvição do funcionário, na esfera penal, preclui a via ao processo administrativo quando a sentença absolutória conclui pela inexistência do fato ou pela exclusão da autoria, ou seja, houve o fato, mas o funcionário não é seu autor. Qualquer outro tipo de absolvição não impede o exercício do poder disciplinar, como corre, por exemplo, com a absolvição penal por insuficiência de provas (cf. Alessio, Francesco D’, Istituzioni, citada, pág. 579, nota n° 2)

Também a sentença penal absolutória pode, em alguns casos, excluir o processo disciplinar, o que ocorre quando nessa se decide pela inexistência do fato imputado ou, embora o admitindo, fica provado que o funcionário nele não tomou parte. Em tais hipóteses, a demissão é revogada e o funcionário readquire o direito aos vencimentos não recebidos. Entretanto, se a sentença absolutória, do juízo penal, é pronunciada com fundamento diverso do acima apontado – anistia; insuficiência de provas; porque o fato, embora cometido, não constitui crime, o processo administrativo prevalece (Zanobini, Guido, Corso de diritto amministrativo, 4ª. Ed., 1949, vol. III pág. 249)

É unânime, pois, a doutrina estrangeira quando distingue a inexistência do fato; a existência do fato, mas a exclusão da autoria; e a insuficiência de provas. Nos dois primeiros casos, há repercussão da sentença penal absolutória na esfera administrativa; no segundo caso, não há a repercussão mencionada, prevalecendo o que as autoridades administrativas tinham decidido.”

As sempre precisas lições do mestre José Cretella Júnior mostram com acuidade superior se tratar de diferenciação estabelecida pela doutrina e pela jurisprudência que, com base numa interpretação consentânea com a previsão do artigo 935 do nosso Código Civil atual (“A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”), correspondente ao revogado artigo 1.525 do Código Civil de 1916, firmaram o dogma segundo o qual, a princípio, apenas nos casos de inexistência do fato ou negativa de autoria se afastará a responsabilidade administrativa.

A propósito, nesse sentido sempre foram os precedentes tanto do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria em apreciação, verbis:

MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO DEMITIDO POR ILÍCITO ADMINISTRATIVO. SIMULTANEIDADE DE PROCESSOS ADMINISTRATIVO E PENAL. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. PRECEDENTES.

Esta Corte tem reconhecido a autonomia das instâncias penal e administrativa, ressalvando as hipóteses de inexistência material do fato, de negativa de sua autoria e de fundamento lançado na instância administrativa referente a crime contra a administração pública. Precedentes: MS Nº 21.029, CELSO DE MELLO, DJ DE 23.09.94, MS Nº 21.332, NÉRI DA SILVEIRA, DJ DE 07.05.93, MS Nº 21.294, SEPÚLVEDA PERTENCE, JULGADO EM 23.10.91, e MS Nº 22.076, RELATOR PARA O ACÓRDÃO MIN. MAURÍCIO CORRÊA. Segurança denegada.

(MS 21708, RELATOR(A) P/ ACÓRDÃO: MIN. MAURÍCIO CORRÊA, TRIBUNAL PLENO, DJ 18.5.2001).

MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO. PROCESSO ADMINISTRATIVO E PROCESSO PENAL. AUTONOMIA DAS INSTÂNCIAS RECONHECIDA PACIFICAMENTE POR ESTA CORTE. EXCEÇÕES. CONCLUSÃO NA INSTÂNCIA PENAL QUANTO À INEXISTÊNCIA PENAL DO FATO OU NEGATIVA DE SUA AUTORIA, ALÉM DA FUNDAMENTAÇÃO, NA INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA REFERENTE À PRÁTICA DE CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. NÃO SE CONFIGURA, NO CASO PRESENTE, A COINCIDÊNCIA DAS PREMISSAS DE AMBOS OS PROCESSOS, DE MODO A CONFIGURAR A TESE DA PREJUDICIALIDADE DA AÇÃO PENAL INTENTADA. 1. A autonomia das instâncias penal e administrativa é firmemente reconhecida por esta Corte, ressalvando-se as situações em que ocorre a repercussão dessa, naquela, ou seja, quando na instância penal se conclua pela inexistência material do fato ou pela negativa de sua autoria e, ainda, quando o fundamento lançado na instância administrativa refira-se à prática de crime contra a administração pública. (…)

(MS 22076, RELATOR(A): MIN. MAURÍCIO CORRÊA, TRIBUNAL PLENO, DJ 1.11.1997).

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. 1. TRÂNSITO EM JULGADO DO ACÓRDÃO PROFERIDO NO JULGAMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO DA DEFESA. IMPETRAÇÃO DE HABEAS CORPUS NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA APÓS O TRANSCURSO DO PRAZO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE HABEAS CORPUS COMO SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. 2. INDEPENDÊNCIA RELATIVA DAS ESFERAS PENAL E ADMINISTRATIVA. 3. INEXISTÊNCIA DE AMEAÇA A DIREITO DE LOCOMOÇÃO.

1. Trânsito em julgado do acórdão objeto da impetração no Superior Tribunal de Justiça. Nos termos da jurisprudência deste Supremo Tribunal, o habeas corpus não pode ser utilizado como sucedâneo de revisão criminal.

2. É pacífica a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido da independência relativa das esferas penal e administrativa, havendo repercussão apenas em se tratando de absolvição no juízo penal por inexistência do fato ou negativa de autoria. Precedentes.

3. Seja o ora Recorrente absolvido por insuficiência de provas ou por atipicidade da conduta, essas duas situações não repercutiriam na punição imposta na via administrativa.

4. Recorrente absolvido por insuficiência de provas. Pretensão de rever a punição imposta administrativamente. Inexistência de ameaça ao direito de locomoção.

5. Recurso ao qual se nega provimento.

(STF – RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS 116.204/SP – REL. MIN. CÁRMEN LÚCIA – DJ DE 16.4.2013)

Igualmente, o próprio plenário da Corte Excelsa tem reiterado a independência das instâncias penal e administrativa, afirmando que aquela só repercute nesta quando conclui pela inexistência do fato ou pela negativa de sua autoria, conforme os seguintes escólios: (Ms Nº 21.029, Min. Celso De Mello, Dj De 23.09.94 – Ms Nº 21.332, Min. Néri Da Silveira, Dj De 07.05.93 – Ms Nº 21.294, Min. Sepúlveda Pertence, Julgado Em 23.10.91 – Ms Nº 22.076, Relator para o acórdão Min. Maurício Corrêa – Ms Nº 21.708, Rel. Min. Maurício Corrêa, Dj 18.05.01 – Ms Nº 22.438, Rel. Min. Moreira Alves, Dj 06.02.98 – Ms Nº 22.477, Rel. Min. Carlos Velloso, Dj 14.11.97 E Ms Nº 21.293, Rel. Min. Octavio Gallotti, Dj 28.11.97).

Também em igual rumo os paradigmas das Turmas da Corte Constitucional brasileira: (Ai 856.126 Agr/Mg, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Primeira Turma, Dje 25.9.2012 – Ai 807.190-Agr, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, Dje 31.1.2011 – Ai 521.569-Ed, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, Dje 14.5.2010 – Ai 783.997-Agr, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, Dje 29.11.211).

Com efeito, nesse sentido a jurisprudência do Pretório Excelso sempre assentou que as esferas penal e administrativa são independentes, somente havendo repercussão da primeira na segunda nos casos de inexistência material do fato ou negativa de autoria por força de decisão judicial (acórdão e sentença). Mas nunca se manifestou numa situação jurídica como a das juízas de direito Maria Cristina de Oliveira Simões, Graciela Ribeiro de Caravellas e Juanita Cruz da Silva Clait Duarte ante os fatos novos acima noticiados.

Daí porque diante dessa nova situação jurídica ocorrida após a impetração dos Mandados de Segurança 28743, 28.799 e 28.802 e totalmente consentânea com o instituto processual civil do fato novo (art. 493, do Código de Processo Civil), mister se fazia a apreciação da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no julgamento colegiado dos Agravos Regimentais interpostos da decisão monocrática denegatória das ações mandamentais proferida pelo ministro Celso de Mello.

Por seu turno, no art. 493, do Código de Processo Civil, assim está grafada a possibilidade de verificação do fato novo pelo julgador monocrático de primeiro grau: “se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão”.

De igual maneira, nos arts. 932 e 933, §§ 1ª, 2º e 3º, do Código de Ritos Civis, essa verificação de fato superveniente é incumbida ao relator, pois ele dirige e ordena o processo no tribunal e deverá realizar uma das três situações a seguir listadas:

  1. se constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida ou a existência de questão apreciável de ofício ainda não examinada que devam ser considerados no julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifestem no prazo de 5 (cinco) dias.
  2. se a constatação ocorrer durante a sessão de julgamento, esse será imediatamente suspenso a fim de que as partes se manifestem especificamente.
  3. se a constatação se der em vista dos autos, deverá o juiz que a solicitou encaminhá-los ao relator, que tomará as providências previstas no caput do art. 933 e, em seguida, solicitará a inclusão do feito em pauta para prosseguimento do julgamento, com submissão integral da nova questão aos julgadores.

Destaque-se que esses dispositivos da lei processual, de acordo com a doutrina especializada, consagra a máxima segundo a qual a decisão tanto em primeiro quanto em segundo grau deve refletir o estado de fato e de direito existente no momento do julgamento originário ou recursal da demanda, e não aquele que existia quando da sua propositura ou da análise inicial do recurso, tendo como premissa que o processo possui tempo para ser resolvido e, portanto, desde o seu ajuizamento ou a tramitação do recurso no tribunal podem sobrevir circunstâncias fáticas e jurídicas que afetam diretamente no seu desfecho adequado para distribuição de justiça.

Com relação à possibilidade de alegação de fato superveniente nos Tribunais Superiores, confira-se o ensinamento de Arruda Alvim Wambier, Teresa; Conceição, Maria Lúcia Lins; Ribeiro, Leonardo Ferres da Silva; Mello, Rogerio Licastro Torres de (in “Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil”. São Paulo: Ed. RT, 2015:

“O STF e o STJ, no exame de recurso extraordinário e no de recurso especial, devem levar em conta os fatos e o direito supervenientes. Se o fato ou direito superveniente surge antes de encerrado o julgamento no tribunal local, somente poderá ser objeto de análise pelo STF ou pelo STJ, se houver o indispensável prequestionamento. Se, entretanto, o direito superveniente surge, quando já interposto o recurso especial ou extraordinário, deve, sim, o STF ou STJ apreciá-lo, desde que seja conhecido ou admitido o recurso. Uma vez admitido o recurso extraordinário ou especial, estará aberta a jurisdição do STF ou do STJ, que deverá rejulgar a causa, apreciando toda a situação pertinente com o caso (Súmula do STF, 456). Significa dizer que o art. 493 do CPC também se aplica às instâncias extraordinárias, cabendo ao STF e ao STJ levar em conta o fato ou o direito superveniente, desde que, não custa repetir, tenha o fato ou o direito superveniente surgido, quando já interposto o recurso excepcional e caso este seja admitido, ensejando-se o rejulgamento da causa”.

Por conta desses fundamentos jurídicos, é que houve a juntada dos documentos comprovadores dos relevantes fatos novos e superveniente, na forma dos arts. 493, 932 e 933, §§ 1ª, 2º e 3º,do Código de Processo Civil, para serem analisados quando da apreciação final dos Agravos Regimentais nos Mandados de Segurança 28743, 28.799 e 28.802, todos interpostos pelas juízas de direito Maria Cristina de Oliveira Simões, Graciela Ribeiro de Caravellas e Juanita Cruz da Silva Clait Duarte contra as decisões monocráticas do Ministro Celso de Mello que extinguiram os writs sem a análise de mérito.

  Com esse desiderato foram confeccionadas e protocolizadas as petições incidentais com pedidos de provimento dos Agravos Regimentais nos Mandados de Segurança 28743, 28.799 e 28.802 e a reforma das decisões monocráticas que extinguiram as ações constitucionais especiais sem a análise de mérito, para que, via de consequência, fossem julgadas procedentes com a declaração nulidade das penas de aposentadorias compulsórias que o Conselho Nacional de Justiça errônea, ilegal e equivocadamente havia aplicado as juízas de direito Maria Cristina de Oliveira Simões, Graciela Ribeiro de Caravellas e Juanita Cruz da Silva Clait Duarte nos autos do  Processo Administrativo Disciplina Nº. 200910000019225.

 

Dos julgamentos pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal – Competência do novo relator – Apreciação dos fatos novos na forma da lei processual civil – Conformação dos fatos à realidade processual – Aplicação dos Princípio da razoabilidade e proporcionalidade – Colmatação do ordenamento jurídico – Harmonizar do princípio da independência das instâncias Justiça aos casos concretos

Os Agravos Regimentais nos Mandados de Segurança 28743, 28.799 e 28.802 foram julgados definitivamente na sessão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no dia 8 de novembro de 2022, dia de São Deodato, cujo nome quer dizer “dado por Deus”, da qual a simbologia maior foi a de ter sido escolhido Papa em 615 e carregar consigo a função de guia civil, de supremo magistrado, juiz, e garantidor da ordem. Nada mais significativo do que os feitos terem sido julgados neste dia, sob o signo deste santo católico, tendo em vista a matéria posta a apreciação exigia dos julgadores a aplicação da máxima: Fiat justitia, et pereat mundus”[5]. Enfim, "Que a justiça seja feita, ainda que o mundo pereça".

Os processos dos Agravos Regimentais nos Mandados de Segurança 28743, 28.799 e 28.802 estavam com pedido de vista do ministro Gilmar Mendes e assim que chamados a julgamento houve questão de ordem a ser decidida sobre se o novo relator Ministro Kássio Nunes Marques poderia analisar os fatos novos trazidos pelas impetrantes Maria Cristina de Oliveira Simões, Graciela Ribeiro de Caravellas e Juanita Cruz da Silva Clait Duarte.

Os membros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Nunes Marques, sob a presidência do ministro André Mendonça, entenderam, por maioria, vencido o ministro Edson Fachin que o novo relator dos writs poderia analisar os fatos novos trazidos pelas impetrantes Maria Cristina de Oliveira Simões, Graciela Ribeiro de Caravellas e Juanita Cruz da Silva Clait Duarte.

Assentaram como primeira conclusão majoritária de julgamento (4×1) que:

“1. O Plenário, em questão de ordem, deliberou, em consonância com o decidido na ADI 5.399 QO, que o Ministro sucessor, inclusive quando Relator, poderá proferir voto se, após iniciado o julgamento – e mesmo tendo sido proferido voto do Ministro que veio a ser sucedido –, surgir fato novo não antes apreciado e cuja análise seja admitida no feito, mediante manifestação que trate do fato superveniente e de sua influência no processo, eventualmente instituindo-se votação por capítulos”.

Por sua vez, quanto aos fatos novos trazidos, complementando o art. 493, do Código de Processo Civil, citado como fundamento da possibilidade de apreciação da matéria nas petições incidentais das impetrantes, os ministros com sua sabedoria diferenciada concluíram por maioria (4×1) ser o caso de aplicação dos artigos 932 e 933, § 2º, do Código de Processo Civil:

“2. Os documentos indicativos de fatos ocorridos após a impetração e a formalização do pronunciamento judicial denegatório da segurança podem ser examinados e levados em conta quando da apreciação de eventual recurso de agravo (CPC, arts. 932 e 933, § 2º)”.

Ainda, reconhecendo a força dos seus precedentes, os ministros decidiram igualmente por maioria (4×1) que é possível a revisão de decisão administrativa na situação excepcional onde os documentos novos mostram a salvo de dúvida a desproporção e o excesso na aplicação da penalidade:

“3. O Supremo admite, excepcionalmente, a revisão da penalidade aplicada pela Administração Pública nos casos em que a documentação colacionada demonstrar com clareza a desproporcionalidade e/ou o excesso do Órgão estatal. Precedentes”.

E eis que os ministros se debruçaram profundamente nos debates sobre os reflexos da decisão interlocutória mista terminativa de arquivamento do Inquérito 607/Mt em relação as impetrantes Maria Cristina de Oliveira Simões, Graciela Ribeiro de Caravellas e Juanita Cruz da Silva Clait Duarte, tendo em vista a posterior produção no mundo jurídico do acórdão do Recurso de Apelação Criminal Nº. 88739/2017 do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, onde houve absolvição dos juízes de direito Antonio Horácio da Silva Neto e Marcos Aurélio dos Reis Ferreira pelo fundamento do art. 386, inciso IV (estar provado que o réu não concorreu para a infração penal), do Código de Processo Penal.

Após os magníficos debates jurídicos, inclusive os dos fundamentos da divergência apresentada pelo ministro Edson Fachin, Suas Excelências os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Nunes Marques e André Mendonça chegaram as salomônicas conclusões majoritárias (4×1) aos casos das magistradas Maria Cristina de Oliveira Simões, Graciela Ribeiro de Caravellas e Juanita Cruz da Silva Clait Duarte, para decidirem pela aplicação por analogia aos fatos imputados e idênticos nas duas esferas (administrativa e criminal), entendendo que obrigatoriamente geram efeitos na esfera administrativa às mencionadas juízas, contra as quais nem sequer foi oferecida denúncia, diante do arquivamento da investigação criminal, e pelos quais seus colegas tinham sido absolvidos por não terem sido autores dos referidos fatos.

Veja-se as conclusões lançadas nas ementas respectivas:

4. A absolvição penal dos impetrantes Antônio Horácio da Silva Neto e Marcos Aurélio Reis Ferreira (MS 28.801 e MS 28.892), com fundamento no art. 386, IV, do Código de Processo Penal – juízo de certeza de que os autores não concorreram para a prática supostamente delitiva –, vincula a decisão no âmbito administrativo, por serem os fatos imputados idênticos nas duas esferas, por não haver comprovação de qualquer falta residual de gravidade ímpar capaz de justificar a sanção de aposentadoria compulsória e também por se tratar de meros desdobramentos do ato principal.

5. Às magistradas Graciema Ribeiro de Caravellas (MS 28.799), Juanita Cruz da Silva Clait Duarte (MS 28.802) e Maria Cristina Oliveira Simões (MS 28.743) imputou-se tão somente o recebimento, em caráter privilegiado, de importâncias que de fato lhes eram devidas pelo Tribunal de Justiça. Se a absolvição penal ocorrida quanto aos impetrantes Antônio Horário da Silva Neto e Marcos Aurélio Reis Ferreira, acusados de peculato, obrigatoriamente gerou efeitos na esfera administrativa, com mais razão o fez em relação às mencionadas juízas, contra as quais nem sequer foi oferecida denúncia, diante do arquivamento da investigação criminal.

Pelo ineditismo em razão do novel alcance jurídico do posicionamento adotado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal nos Agravos Regimentais nos Mandados de Segurança 28743, 28.799 e 28.802 merecem ser citadas as lições das lavras dos Ministros Gilmar Mendes, Nunes Marques Ricardo Lewandowski e André Mendonça, os construtores da verdadeira justiça nesses emblemáticos casos concretos, com uma decisão justa tomada a despeito de suas consequências práticas. Fiat justitia ruat caelum[6], ou seja, "Que a justiça seja feita, ainda que os céus caiam", pois uma decisão justa deve ser tomada a despeito de suas consequências práticas.

Inicia-se a mencionada citação dos ponderosos fundamentos lançados nos votos pelo Ministro Gilmar Mendes, decano da Corte Excelsa, que abriu a divergência pela concessão dos mandados de segurança, verbis:

3. Penalidade de aposentadoria compulsória aplicada às Juízas de Direito Juanita Cruz da Silva Clait Duarte, Graciema Ribeiro de Caravellas e Maria Cristina Oliveira Simões. Imputação de conduta meramente passiva. Magistradas que se limitaram a receber verbas em caráter privilegiado. Vedação ao excesso estatal.

Prosseguindo na análise dos mandados de segurança, passo a apreciar a pretensão anulatória formulada pelas Juízas de Direito Juanita Cruz da Silva Clait Duarte, Graciema Ribeiro de Caravellas e Maria Cristina Oliveira Simões.

Nos Mandados de Segurança 28.802/DF, 28.743/DF e 28.799/DF, as impetrantes sustentam que a decisão do Conselho Nacional de Justiça afrontou o postulado da proporcionalidade já que aplicou indistintamente a pena de aposentadoria compulsória a todos os magistrados investigados.

A propósito do tema, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se consolidou no sentido de não se admitir o debate em torno da proporcionalidade na dosimetria da sanção disciplinar, quando as razões que inspiram a impetração pressupõem minucioso revolvimento dos elementos de prova produzidos na instância administrativa. A esse respeito, transcrevo precedente da Primeira Turma, da relatoria da eminente Ministra Rosa Weber:

“AGRAVO INTERNO EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DEMISSÃO DE SERVIDORA DO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL. CONCESSÃO IRREGULAR DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS E ASSISTENCIAIS. CONTROVÉRSIA EM TORNO DA OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA IMPOSIÇÃO DA SANÇÃO DISCIPLINAR. 1. O debate em torno da observância da proporcionalidade na dosimetria da sanção disciplinar pressupõe reapreciação de aspectos fáticos, medida inadmitida na via estreita do remédio heroico, ação cujo rito especial demanda prova literal e pré-constituída. Precedentes desta Suprema Corte. 2. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC, por se tratar de recurso interposto em mandado de segurança (art. 25 da Lei nº 12.016/2009 e Súmula nº 512/STF). 3. Agravo interno conhecido e não provido, com aplicação, no caso de votação unânime, da penalidade prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil, calculada à razão de 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da causa”. (RMS 33.655-AgR, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe 4.12.2019)

As razões que inspiram essa orientação jurisprudencial são evidentes. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que o exame de fatos despojados da necessária liquidez escapa dos limites estreitos do mandado de segurança, que não comporta dilação probatória (MS 20.882, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ 23.9.1994; MS 32.244, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJ 16.12.2013).

São justamente essas premissas que orientaram a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca do não cabimento de mandado de segurança quando a articulação da tese de desproporcionalidade reclamar, para seu desenvolvimento, exame acurado das provas produzidas perante a autoridade administrativa. Por isso, a Corte tem repelido impetrações amparadas, abstratamente, na alegação de excesso da punição disciplinar, assentando que essa arguição não é admitida na via estreita do mandado de segurança.

Por outro lado, não são poucos os precedentes em que o Tribunal concedeu a segurança para afastar sanções disciplinares aplicadas por autoridades administrativas, especialmente quando os documentos constantes dos autos tiverem aptidão de demonstrar, à saciedade, o excesso estatal (RMS 24.129, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 30.4.2012; RMS 24.699, Rel. Min. Eros Grau, Primeira Turma, DJ 1º.7.2005 e MS 23.041, da minha relatoria, Tribunal Pleno, DJe 1º.8.2008). (grifo nosso).

A propósito da necessidade de calibragem das sanções disciplinares à luz do princípio da proporcionalidade, reporto-me às lições do professor Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, 31ª edição, 2013, ed. Malheiros, p. 875):

“As sanções devem guardar uma relação de proporcionalidade com a gravidade da infração.

Ainda que a aferição desta medida inúmeras vezes possa apresentar dificuldades em ser caracterizada, em inúmeras outras é perfeitamente clara; ou seja: há casos em que se pode ter dúvida se tal ou qual gravame está devidamente correlacionada com a seriedade da infração – ainda que se possa notar que a dúvida nunca se proporá em uma escala muito ampla, mas em um campo de variação relativamente pequeno -, de par com outros casos em que não haverá dúvida alguma de que a sanção é proporcional ou é desproporcional. É impossível no Direito fugir-se a situações desta compostura, e outro recurso não há para enfrentar dificuldades desta ordem senão recorrendo ao princípio da razoabilidade, mesmo sabendo-se que também ele comporta alguma fluidez em sua verificação concreta. De todo modo, é certo que, flagrada a desproporcionalidade, a sanção é inválida.”

No presente caso, existem razões sólidas para sustentar que a desproporcionalidade das sanções aplicadas às impetrantes é manifesta, sobretudo a partir da repercussão, na esfera disciplinar, da absolvição criminal do Juiz Auxiliar Antônio Horácio da Silva Neto. (grifo nosso).

Extrai-se do acórdão proferido pelo Conselho Nacional de Justiça que o eminente Relator do processo administrativo disciplinar reuniu os juízes investigados em dois grupos distintos, conforme a gravidade das infrações cometidas e a maior ou menor participação nas faltas funcionais apuradas.

Ao Desembargador José Ferreira Leite, Presidente do Tribunal de Justiça, e ao Juiz de Direito Marcelo Souza de Barros, auxiliar da Presidência formalmente “encarregado de atender aos pleitos dos magistrados vinculados ao TJMT,” imputou-se “participação decisiva no pagamento de créditos diversos a magistrados (…) sem a observância de critérios objetivos, os quais teriam como finalidade socorrer o Grande Oriente do Estado do Mato Grosso”.

Ainda segundo o acórdão impugnado, também faria parte desse grupo o Juiz Auxiliar Antônio Horácio da Silva Neto, responsável pela “captação de ‘empréstimos’ de magistradas favorecidas com o pagamento de créditos pelo Tribunal de Justiça”. A ele se atribuiu protagonismo “na montagem de um verdadeiro ‘esquema’ de socorro à Loja Maçônica”.

As Juízas de Direito Juanita Cruz da Silva Clait Duarte, Graciema Ribeiro de Caravellas e Maria Cristina Oliveira Simões, por sua vez, foram punidas como meras beneficiárias dos pagamentos irregulares efetuados pelo Tribunal de Justiça e, mais particularmente, por terem concordado em repassar parte das importâncias recebidas em benefício da Loja Maçônica. É o que se extrai dos seguintes trechos da decisão do CNJ:

Juanita Cruz da Silva Clait Duarte

A imputação feita na Portaria 002/09 do CNJ em relação à Dra. Juanita Cruz da Silva Clait Duarte diz respeito a ter recebido em caráter privilegiado crédito atrasado do TJ-MT, no valor total de R$ 250.351,90 (em 10/01/05 e 18/02/05), com o intuito de fazer empréstimo de parte dessa importância para a Loja Maçônica Grande Oriente do Estado do Mato Grosso.

A própria Requerida reconheceu o recebimento da quantia mencionada e, imediatamente, do empréstimo da importância de R$ 200.000,00 à referida Loja Maçônica, atendendo ao pedido do Dr. Antônio Horácio da Silva Neto.

 Quanto ao caráter privilegiado no recebimento de atrasados, o privilégio é claro, na medida em que a Requerida recebeu o pagamento de atrasados com vistas ao seu empréstimo à maçonaria, já que, como reconheceu em seu depoimento, não estava necessitada imediatamente da quantia.

Assim, a Requerida funcionou como aquilo que na linguagem popular se chama de “laranja”, ou seja, quem permite que sua conta seja utilizada para pagamento de terceiros, como mero instrumento de passagem de dinheiro. Em que pese a participação da Requerida no “esquema” de salvação da Loja Maçônica tenha sido passiva e não ativa, é altamente condenável a atitude da magistrada que endossa, com o seu consentimento e uso de sua conta, o assalto aos cofres públicos em socorro da causa maçônica.

(…)

Graciema Ribeiro de Caravellas

A imputação feita na Portaria 002/09 do CNJ em relação à Dra. Graciema Ribeiro de Caravellas diz respeito a ter recebido em caráter privilegiado crédito atrasado do TJ-MT, no valor total de R$ 185.941,62 (em 17/01/05 e 18/02/05), com o intuito de fazer empréstimo de parte dessa importância para a Loja Maçônica Grande Oriente do Estado do Mato Grosso.

(…)

A requerida, a exemplo do procedimento anteriormente analisado em relação à Requerida Juanita Clait Duarte, desempenhou o papel de ‘laranja’, ou seja, permitiu que sua conta fosse utilizada para pagamento de terceiros, como mero instrumento de passagem de dinheiro.

Assim, mesmo considerando que a participação da Requerida no ‘esquema’ de salvação da Loja Maçônica foi passiva e não ativa, é altamente condenável a atitude da magistrada que endossa, com seu consentimento e uso de sua conta, o assalto aos cofres públicos em socorro de causa maçônica.

Maria Cristina Oliveira Simões

A imputação feita na Portaria 002/09 do CNJ em relação à Dra. Maria Cristina Oliveira Simões diz respeito a ter recebido em caráter privilegiado crédito atrasado do TJ-MT, no valor de R$ 227.407,85 (em 27/12/04), com o intuito de fazer empréstimo de parte dessa importância para a Loja Maçônica Grande Oriente do Estado do Mato Grosso.

(…)

Também aqui resta caracterizada a repudiada conduta de ‘laranja’, intermediadora, ainda que de quantia parcial, de numerário para socorro à Maçonaria, prática, reitere-se, altamente condenável, pois, como já amplamente registrado, endossa, mediante o uso de sua conta particular, o aviltamento dos cofres públicos por razões particulares.”

Essas premissas são relevantes para demonstrar que a repercussão, na esfera disciplinar, da absolvição criminal do Juiz Auxiliar Antônio Horácio da Silva Neto, deve conduzir ao simultâneo afastamento da pena de aposentadoria compulsória aplicada às impetrantes. Sustentar o contrário importaria em grave ruptura da coerência interna do acórdão impugnado, com prejuízos expressivos para a racionalidade e unidade do sistema jurídico. (grifo nosso).

Afinal, o respeito absoluto ao postulado da proporcionalidade constitui, nessa e em qualquer outra hipótese de responsabilização funcional, fator de legitimação da função disciplinar do Estado, sem o qual o lídimo exercício de atribuições públicas se convola em pura violência estatal.

É certo que, como postulado normativo, o princípio da proporcionalidade interdita comportamentos arbitrários do Estado, produz limites mais estreitos e rigorosos aos gestores públicos e agrega coerência ao exercício da atividade administrativa. Delimita, assim, um conteúdo ético para a atuação dos agentes estatais, cujo comportamento jamais poderá se distanciar das normas e garantias constitucionais que informam a ordem constitucional.

Nesse contexto, deve-se ter em consideração que as Juízas de Direito Juanita Cruz da Silva Clait Duarte, Graciema Ribeiro de Caravellas e Maria Cristina Oliveira Simões nem sequer foram denunciadas na esfera penal. Com relação a elas, o eminente Subprocurador-Geral da República Francisco Dias Teixeira promoveu o arquivamento da investigação criminal, reconhecendo a ausência de provas quanto à participação das magistradas no desvio de verbas públicas. (grifo nosso).

Da mesma forma, em relação aos ilícitos tipificados na Lei de Improbidade Administrativa, as impetrantes foram totalmente eximidas de responsabilidade na promoção de arquivamento do inquérito civil conduzido pelo Ministério Público do Estado do Mato Grosso. Na ocasião, assim se manifestou o Promotor de Justiça André Luís de Almeida:

“Em que pese estar constatado o volumoso montante de recursos públicos discutidos nestes autos, não há que se falar em ressarcimento de dano ao erário, uma vez que os valores foram recebidos de boa-fé pelos magistrados aventados, que efetivamente tinham crédito diversos a receber, de forma que foram pagos pela Administração Pública em contraprestação aos serviços prestados nos anos que antecederam os pagamentos.

Ressalta-se, todavia, que os cálculos dos benefícios e verbas não foram realizados pelos magistrados, nem tampouco restou comprovado que tiveram qualquer influência em sua elaboração, pois a responsabilidade pelos cálculos das verbas devidas era da Coordenadoria de Magistrados e a autorização de pagamento foi determinada pelos desembargadores membros da Administração do Tribunal de Justiça deste Estado.

Logo, os magistrados receberam as verbas de boa-fé, confiando que os cálculos de seus valores eram devidos, uma vez que calculados por agente público competente para o ato, lotado no departamento responsável para tanto e autorizado pela Administração do TJ/MT.

(…)

Do mesmo modo, não há elementos seguros a fim de comprovar que qualquer dos magistrados investigados neste Inquérito Civil exerceu influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada.”

Do exposto, diante do inevitável afastamento das sanções disciplinares aplicadas aos juízes acusados de condutas mais graves, por força de sua absolvição criminal, entendo que a conservação da pena de aposentadoria compulsória aplicada às impetrantes conduziria a uma indesejável incoerência sistêmica, na medida em que estas figuraram como meras beneficiárias dos pagamentos efetuados pelo Tribunal de Justiça. (grifo nosso).

4. Voto

Ante o exposto, voto por dar provimento aos agravos regimentais e, desde já, concedo a segurança para declarar a nulidade das sanções aplicadas pelo Conselho Nacional de Justiça no Processo Administrativo Disciplinar 200910000019225, assegurando aos impetrantes o direito de serem reintegrados, com reconhecimento de tempo de serviço e pagamento das diferenças relativas às vantagens remuneratórias, nos termos do art. 28 da Lei 8.112/1990, aplicável aos magistrados por força do art. 26 da Resolução CNJ 135/2011.

Por sua vez, da pena do Ministro Nunes Marques, o novo relator dos feitos mandamentais, que já havia deferido tutela incidental no caso do Mandado de Segurança 28.801, entendendo serem os documentos juntados aos autos, representativos de fatos ocorridos após a formalização das impetrações e antes do julgamento do Agravo Regimental, estariam aptos a demonstrar a desproporcionalidade da pena aplicada e o excesso da parte do órgão sancionador.

Veja-se os judiciosos fundamentos lançados como razão de decidir para acolher os pedidos mandamentais:

[…]

De início, reconheço a importância do CNJ como órgão de fiscalização e controle. Cabe, no entanto, ao Poder Judiciário restabelecer os direitos porventura maculados por decisões dali oriundas.

Outrossim, não desconheço existir jurisprudência desta Corte no sentido da impossibilidade de análise da dosimetria da punição imposta em sede de processo administrativo disciplinar, por exigir-se minucioso revolvimento dos elementos probatórios constantes do processo que tramitou na esfera administrativa (RMS 38.529 AgR, Primeira Turma, ministra Rosa Weber, DJe de 20 de setembro de 2022; e RMS 35.383 AgR, Segunda Turma, ministro Gilmar Mendes, DJe de 20 de setembro de 2022).

No entanto, são inúmeros os casos em que o Supremo afastou as sanções disciplinares aplicadas pela Administração Pública, sobretudo quando os documentos juntados pelos autores, hipótese dos autos, tenham aptidão de demonstrar com clareza o excesso cometido pelo órgão estatal. Ilustra esse entendimento, entre outros, o seguinte julgado:

Processo administrativo disciplinar. Prescrição. A pena imposta ao servidor regula a prescrição. A anulação do processo administrativo original fixa como termo inicial do prazo a data em que o fato se tornou conhecido e, como termo final, a data de instauração do processo válido. Precedentes: MS 21.321; MS 22.679.

Exercício do direito de defesa. A descrição dos fatos realizada quando do indiciamento foi suficiente para o devido exercício do direito de defesa. Precedentes: MS 21.721; MS 23.490.

Proporcionalidade. Tratando-se de demissão fundada na prática de ato de improbidade de natureza culposa, sem imputação de locupletamento ou proveito pessoal por parte do servidor, é possível, diante das peculiaridades do caso concreto, a análise da proporcionalidade da medida disciplinar aplicada pela Administração. Precedentes: MS 23.041; RMS 24.699.

Recurso provido. Segurança deferida.

(RMS 24.129, Segunda Turma, ministro Joaquim Barbosa, DJe de 30 de abril de 2012) (grifo nosso).

Entendo que por isso o ministro Cezar Peluso consignou, no julgamento do MS 24.699, da relatoria do ministro Eros Grau, que “a imputação de uma ação culposa, sem dano, a funcionário com mais de vinte anos de serviço público, sem nenhuma punição, é absolutamente ilegal, porque contraria a Lei nº 8.112, em sendo desproporcional à gravidade e à natureza da falta a aplicação da pena de demissão. A Comissão teve por culposo desidioso, que ela própria comportamento reconheceu não haver causado dano, até porque, depois, os fatos teriam confirmado que, pela desconstituição do acordo, não houve pagamento nenhum. Não era, pois, caso de aplicar ao funcionário, sem nenhum antecedente disciplinar, a pena mais grave da Administração Pública”.

Vê-se que Sua Excelência entendeu por bem analisar a pena imposta pela Administração Pública, em respeito ao princípio da proporcionalidade, que pode se dar com a verificação da devida correlação na qualidade e quantidade da sanção, com a grandeza da falta e o grau de responsabilidade do investigado, observadas as normas regentes do procedimento. (grifo nosso).

A doutrina, aqui representada pelo ministro Eros Grau, anota que “toda atuação da autoridade administrativa, que necessariamente supõe interpretação/aplicação do direito, é informada pela proporcionalidade e implica a proibição do excesso” (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 4. ed. São Paulo. Editora Malheiros, 2002. p. 221).

A lição doutrinária faz ver que o poder disciplinar da Administração Pública não é ilimitado nem pode extrapolar da previsão legal, da moralidade, sob pena de ilegitimidade, arbitrariedade ou abuso de poder.

Tal entendimento deve ser aplicado ao MS 28.799 (Graciema Ribeiro de Caravellas), ao MS 28.802 (Juanita Cruz da Silva Clait Duarte) e ao MS 28.743 (Maria Cristina Oliveira Simões).

Às impetrantes foi imputada a conduta de recebimento de valores “em caráter privilegiado – crédito atrasado do TJ-MT”, “com o intuito de ‘fazer empréstimo’ de parte dessa importância para a Loja Maçônica Grande oriente do Estado de Mato Grosso”, sendo que a diferença está nos valores percebidos.

Da leitura do acórdão impugnado mediante os mandados de segurança em referência, verifica-se que a alguns impetrantes foram atribuídas condutas diversas, que vão de participação no pagamento de créditos a magistrados sem observância de critérios objetivos até a simples percepção de valores. (grifo nosso).

Exemplifico.

Ao autor Antônio Horácio da Silva Neto imputa-se a responsabilidade de “captação de empréstimos” de magistrados beneficiados com o pagamento de valores pelo Tribunal de Justiça. Por isso foi penalizado.

Às impetrantes acima relacionadas foi atribuído o simples recebimento de verbas remuneratórias, do que decorreu a punição com aposentadoria compulsória.

Contudo, os documentos juntados aos autos e por mim apontados, representativos de fatos ocorridos após a formalização das impetrações e antes do julgamento do presente recurso, são aptos a demonstrar a desproporcionalidade da pena aplicada e o excesso da parte do órgão sancionador. (grifo nosso).

A uma, porque se tem a absolvição penal em relação aos impetrantes Antônio Horácio da Silva Neto e Marcos Aurélio Reis Ferreira, a qual obrigatoriamente gerou efeitos na esfera administrativa. Se contra esses juízes foi instaurado processo criminal que redundou em pronunciamento absolutório, que dirá quanto às juízas, contra as quais nem sequer foram oferecidas denúncias, uma vez que as investigações criminais terminaram arquivadas.

A duas, em virtude de nos inquéritos civis instaurados pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso em desfavor das magistradas Graciema Ribeiro de Caravellas, Juanita Cruz da Silva Clait Duarte e Maria Cristina Oliveira Simões, voltados à apuração de atos de improbidade administrativa, haver-se concluído pela ausência tanto de culpa como de dolo no que concerne ao pagamento/recebimento das diversas verbas, bem assim pelo descabimento da devolução de valores recebidos de boa-fé ante a interpretação equivocada de lei pela Administração. As impetrantes foram, então, totalmente eximidas de responsabilidade na promoção de arquivamento do aludido inquérito civil.

A três, por visualizar-se, no acórdão impugnado nas ações mandamentais, falta de coerência na aplicação da pena de aposentadoria compulsória, no que não levada em conta a gravidade de cada conduta dos magistrados requeridos no PAD. Há, no meu entender, desproporcionalidade entre a conduta atribuída às magistradas e a sanção imposta.

A quatro, porque, afastada, por força de absolvição criminal, a pena de aposentadoria compulsória em relação aos magistrados Antônio Horário da Silva Neto e Marcos Aurélio Reis Ferreira, que lhes fora aplicada em função de condutas mais graves, a manutenção da condenação das 3 (três) juízas revelaria desproporcionalidade, irrazoabilidade e incoerência, visto que referidas impetrantes foram meras beneficiárias de valores a que realmente tinham direito.

Do exposto:

– Acolhendo a questão de ordem suscitada pelo ministro Gilmar Mendes, fixo, em consonância com o decidido pelo Plenário na ADI 5.399 QO, o entendimento, a ser observado pela Segunda Turma nas causas futuras, de que o Ministro sucessor, inclusive quando Relator, poderá proferir voto se, após iniciado o julgamento – e mesmo já tendo sido formalizado voto do Ministro que veio a ser sucedido –, surgir fato novo não apreciado e cuja análise seja admitida no feito, assentando, ademais, que a manifestação do Ministro sucessor deverá tratar do fato superveniente e de sua influência no processo, eventualmente instituindo-se votação por capítulos; e

– Dou provimento ao agravo interno, para conceder a segurança e declarar a nulidade das sanções aplicadas pelo Conselho Nacional de Justiça no PAD n. 200910000019225, ficando assegurado aos impetrantes o direito de serem reintegrados, com reconhecimento de tempo de serviço e pagamento das diferenças relativas às vantagens remuneratórias, nos termos do art. 28 da Lei n. 8.112/1990, aplicável aos magistrados considerado o art. 26 da Resolução CNJ n. 135/2011.

De igual forma, Sua Excelência o Ministro Ricardo Lewandowski registrou com percuciência do alto da sua experimentação como magistrado que seria uma incoerência normativa as impetrantes não denunciadas em relação aos colegas absolvidos na esfera criminal, revelando-se desproporcional a incidência da penalidade de aposentadoria compulsória diante das suas condutas passivas.

Aprecie-se as abalizadas lições jurídicas utilizadas para aplicação de justiça aos casos concretos:

[…]

Bem reexaminados os autos, peço escusas para acompanhar a divergência inaugurada pelo Ministro Gilmar Mendes.

Registre-se, inicialmente, que não ignoro a compreensão hermenêutica dominante nesta Suprema Corte no sentido de reputar descabida a pretensão de transformar o STF em instância recursal das decisões administrativas tomadas pelos conselhos constitucionais (da Magistratura ou do Ministério Público) no regular exercício das atribuições a ele constitucionalmente estabelecidas (MS 31.199/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia). Segundo o entendimento prevalente nesta Corte, são excepcionais as hipóteses de ingerência do STF em atos do Conselho Nacional de Justiça: (grifo nosso).

“Como regra geral, o controle dos atos do CNJ pelo STF somente se justifica nas hipóteses de (i) inobservância do devido processo legal; (ii) exorbitância das competências do Conselho; e (iii) injuridicidade ou manifesta irrazoabilidade do ato impugnado. Não se identifica qualquer dessas hipóteses” (MS 35.100 / DF, Relator Min. Roberto Barroso).

Todavia, após detida análise dos autos, constato que os recorrentes demonstraram, de forma indene de dúvida, lesão a direito líquido e certo, isto é, sem necessidade de dilação probatória ou da ocorrência de situação incerta ou indeterminada. (grifo nosso).

[…]

No tocante à penalidade aplicada (aposentadoria compulsória) em desfavor das Magistradas Juanita Cruz da Silva Clait Duarte, Graciema Ribeiro de Caravellas e Maria Cristina Oliveira Simões, reconheço igualmente a manifesta desproporcionalidade da sanção disciplinar. Isso porque, para além de não terem sido processadas criminalmente diante do arquivamento promovido pelo Parquet local, as referidas Magistradas figuraram como simples beneficiárias dos pagamentos irregulares (de verbas legítimas) efetuados pelo Tribunal de Justiça de origem, bem como anuíram com o repasse dos valores mediante contrato de empréstimo firmado com a Loja Maçônica. (grifo nosso).

Some-se a tudo isso que a responsabilidade civil das impetrantes foi afastada na promoção de arquivamento do inquérito civil conduzido pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, in verbis:

“[…] Em que pese estar constatado o volumoso montante de recursos públicos discutidos nestes autos, não há que se falar em ressarcimento de dano ao erário, uma vez que os valores foram recebidos de boa-fé pelos magistrados aventados, que efetivamente tinham crédito diversos a receber, de forma que foram pagos pela Administração Pública em contraprestação aos serviços prestados nos anos que antecederam os pagamentos.

Ressalta-se, todavia, que os cálculos dos benefícios e verbas não foram realizados pelos magistrados, nem tampouco restou comprovado que tiveram qualquer influência em sua elaboração, pois a responsabilidade pelos cálculos das verbas devidas era da Coordenadoria de Magistrados e a autorização de pagamento foi determinada pelos desembargadores membros da Administração do Tribunal de Justiça deste Estado.

Logo, os magistrados receberam as verbas de boa-fé, confiando que os cálculos de seus valores eram devidos, uma vez que calculados por agente público competente para o ato, lotado no departamento responsável para tanto e autorizado 32 Em elaboração MS 28801 AGR / DF pela Administração do TJ/MT.

[…]

Do mesmo modo, não há elementos seguros a fim de comprovar que qualquer dos magistrados investigados neste Inquérito Civil exerceu influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada” (grifei).

Diante desse cenário, a manutenção da sanção disciplinar imposta às Magistradas Juanita Cruz da Silva Clait Duarte, Graciema Ribeiro de Caravellas e Maria Cristina Oliveira Simões traduzirá, quando menos, uma incoerência normativa em relação aos demais impetrantes (absolvidos, repise-se, na esfera criminal), revelando-se desproporcional, ademais, a incidência da penalidade de aposentadoria compulsória diante das condutas passivas, e de menor relevo, identificadas acima. (grifo nosso).

Isso posto, acompanho a divergência inaugurada pelo Ministro Gilmar Mendes, a fim de dar provimento aos recursos e conceder a segurança para declarar a nulidade das sanções aplicadas pelo Conselho Nacional de Justiça no Processo Administrativo Disciplinar 200910000019225, assegurando aos impetrantes o direito de serem reintegrados, com reconhecimento de tempo de serviço nos termos da legislação em regência.

E finalizando os debates pelo acolhimento dos recursos, o Ministro André Mendonça com sua experiência decorrente de anos de advocacia pragmaticamente anotou que sequer houve denúncia contra as impetrantes, de sorte que o Ministério Público verificou inexistir indícios mínimos de autoria e materialidade, razão pela qual acompanhava a divergência aberta pelo ministro Gilmar Mendes.

Nesse sentido, confira-se as singelas, mas precisas razões de decidir:

[…]

Em função desse dado da realidade, eu adiro à tese que foi trazida, em um primeiro momento, pelo e. Ministro Gilmar Mendes. E, a partir dele, em relação às juízas Maria Cristina Oliveira Simões, Graciema Ribeiro de Caravellas e Juanita Cruz da Silva Clait Duarte, sequer foram abertas ou instauradas as ações penais correspondentes. Então, sequer se verificou, por parte do Ministério Público do Estado do Mato Grosso, que haveria indícios mínimos de autoria e materialidade a justificar a denúncia criminal. (grifo nosso).

Ou seja, se em relação àqueles sobre os quais se pesou uma denúncia e houve toda uma instrução criminal para, depois, proclamar-se um julgamento final, em seara criminal, o dado da realidade impõe a revisão do julgado feito pelo CNJ no âmbito dos processos administrativos, penso, com mais razão, haveria em relação a essas juízas, como já bem apontado por Suas Excelências nos respectivos votos. (grifo nosso).

É bem verdade que remanescem – penso que o e. Ministro Gilmar Mendes trouxe isso no seu voto -, remanescem algumas condutas, que Sua Excelência chamou de acessórias. E revendo, aqui, a descrição dessas condutas, no próprio resultado final do processo disciplinar, que teve a condução do Ministro Yves Gandra, de fato penso que são condutas acessórias: participar de reunião etc., etc., etc., numa determinada comarca, o que não consubstanciaria, por si só, em crime, essas condutas. (grifo nosso).

Então, nesse sentido, eu acompanho a divergência, vamos dizer assim, que foi trazida, num primeiro momento, pelo Ministro Gilmar Mendes.

 

Conclusões

Todas as premissas utilizadas pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal nos julgamentos dos Mandados de Segurança 28743, 28.799 e 28.802 são absolutamente relevantes para demonstrar que, ainda que não se trate de sentença criminal absolutória na hipótese de não ser o acusado autor do fato típico, antijurídico e culpável, a repercussão da decisão interlocutória mista terminativa de arquivamento do procedimento investigatório, onde foi reconhecido pelo dominus litis da ação penal e confirmado pelo juízo competente inexistir mínimos indícios de autoria e materialidade, deve conduzir, na esfera disciplinar, ao simultâneo afastamento da pena aplicada, pois sustentar o contrário importaria em grave ruptura da racionalidade e unidade do sistema que compõem o ordenamento jurídico.

A integralização lógica das normas que o compõem visa, ao fim e ao cabo, dar a aplicação e interpretação do direito uma maior eficácia e segurança quando este é dito pelos órgãos judiciários nas situações concretas que lhe são apresentadas em juízo, de sorte que somente um ordenamento jurídico integrado, coerente e completo poderá ter legitimidade e como finalidade última a realização da verdadeira justiça. 

É o que o professor italiano Norberto Bobbio[7] apresenta como os pressupostos do ordenamento jurídico – único, coerente e completo – capaz de superar todas as antinomias e lacunas verificáveis, sem perder a autonomia, destacando-se que, nos casos concretos dos Mandados de Segurança 28743, 28.799 e 28.802, os doutos ministros do Supremo Tribunal Federal aplicando a interpretação por analogia extensivamente o brocardo latino “Minus dixit lex quam voluit”, ou seja, "A lei disse menos do que queria", conseguiram deixar hígido o nosso ordenamento jurídico em termos de legitimidade, finalidade e segurança na aplicação da norma como realização da verdadeira justiça.

Com efeito, o artigo 935 do nosso Código Civil atual afirma que “A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”. De acordo com os dados fáticos verificados nas impetrações em comento, tem-se que essa norma do Codex Civil disse menos do queria, exigindo a interpretação por analogia que foi dada pelo Pretório Excelso para unidade, coerência, lógica e completude do ordenamento jurídico.

No dizer do mestre Ferrara[8], “o procedimento por analogia radica no conceito de que os factos de igual natureza devem ter igual regulamentação, e se um de tais factos encontra já no sistema a sua disciplina, esta forma o tipo do qual se deve inferir a disciplina jurídica geral que há de governar os casos afins”.

No entanto, esse comando final, “quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”, não tinha o alcance necessário para produção de máxima justiça se não fosse interpretado, como fez a Corte Excelsa nos casos concretos dos Mandados de Segurança 28743, 28.799 e 28.802, no sentido que a hipoteticidade da expressão “decididas no juízo criminal” abarca não somente as sentenças absolutórias por inexistência do fato ou de autoria, mas também as decisões interlocutórias mistas terminativas que acolherem pleitos ministeriais de arquivamento de inquéritos policiais por inexistência de indícios mínimos de autoria.

Para finalizar, vale ser relembrado o ministro Celso de Mello, relator originário dos mandados de segurança onde proferida as salomônicas decisões de concessão, quando no último dia do julgamento da Ação Penal 470, narrou uma célebre frase de Rui Barbosa para definir o Supremo Tribunal Federal. Disse o ministro que, na sessão de 29 de dezembro de 1914, o senador Rui Barbosa realizava um debate com o senador Pinheiro Machado, que se insurgia contra uma decisão do STF.

Nas palavras de Sua Excelência: “Rui Barbosa interveio e definiu com precisão o poder da Suprema Corte em matéria constitucional”. E citou Rui Barbosa: “Em todas as organizações, políticas ou judiciais, há sempre uma autoridade extrema para errar em último lugar. O Supremo Tribunal Federal, não sendo infalível, pode errar. Mas a alguém deve ficar o direito de errar por último, a alguém deve ficar o direito de decidir por último, de dizer alguma coisa que deva ser considerada como erro ou como verdade.”

Nos casos concretos dos Mandados de Segurança 28743, 28.799 e 28.802 é possível se afirmar sem medo de errar que a Segunda Turma da Corte Excelsa, ainda que seja infalível, proclamou a mais pura e maior verdade ao conceder as ordens, reconhecendo dos direitos líquidos e certos das impetrantes e proclamando por último que a justiça seja feita, ainda que o mundo pereça e ainda que os céus caiam.

 

Antonio Horácio da Silva Neto é juiz de direito do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, presidente da AMA – Academia Mato-grossense de Magistrados. Especialista em Processo Civil pela Universidade Tiradentes. Especialista em Direito do Estado pela Universidade Cândido Mendes. Especialista em Constitucional e Eleitoral pela Universidade Nacional de Brasília. Especialista em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica-RS.

Giovane Santin é advogado, diretor presidente da ESA-MT – Escola Superior da Advocacia de Mato Grosso. Doutor em Ciências Sociais pela Unisinos. Mestre e Especialista em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica-RS. Professor da Universidade Federal de Mato Grosso.

 


[1] Bíblia, Deuteronômio 25:13.

[2] Bíblia, Provérbio 20:10.

[3] Curso de Direito Administrativo, 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 300.

[4] Direito Administrativo Brasileiro, 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 453⁄454

[5] Esta frase foi utilizada notadamente por Fernando I, Sacro Imperador Romano (1556-1564).

 

[6] Frase alternativa a frase Fiat justitia, et pereat mundus.

[7] Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Editora UNB, 1999, p. 22.

[8] FERRARA, Francesco. Interpretação e aplicação das leis, p. 158.

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