No domingo (17/01), durante longas horas, os canais de TV, jornais, revistas, blogs e emissoras de rádio concentraram suas atenções na Anvisa, que fazia a esperada reunião para análise das vacinas CoronaVac e AstraZeneca.
Os diretores estavam impecáveis: elas com vestidos elegantes, óculos marchetados e brincos vistosos. Eles com seus melhores ternos, creio que feitos para a ocasião. Alguns em cuidadoso dégradé, especialmente o chefe que vestia um paletó cinza claro sobre um colete da mesma cor, mas um tom abaixo. Sob estes, uma camisa impecavelmente branca e uma gravata vermelha, que, em contraste, destacava a delicadeza das cores claras.
Também não era pra menos: nunca em toda a história da Anvisa ela esteve em tamanho destaque e os seus diretores jamais foram alvo de tão grande interesse do público.
Não decepcionaram. Ao fim do longo encontro aprovaram por unanimidade o uso emergencial das vacinas, que imediatamente começaram a seguir o seu caminho e iniciar o cumprimento da missão de imunizar os brasileiros.
Mostraram ser profissionais competentes e austeros cumpridores da obrigação que o cargo lhes impõe.
O problema é que a situação em que o Brasil se encontra exige muito mais que profissionais cumpridores das instruções, normas e procedimentos. Neste momento em que a pandemia recrudesce, a inflexível obediência às normas burocráticas não é melhor escolha.
Em favor dos funcionários da Anvisa, diga-se que eles ocupam esses cargos elevados porque sempre defenderam a instituição e cumpriram suas normas. Assim, do ponto de vista profissional estão absolutamente certos.
Entretanto fica a dúvida: será que os diretores não sabiam há dias que as vacinas eram eficientes e seguras? É possível argumentar que a despeito de saberem, eles cumpriram protocolos e prazos e nós ficamos mais dez dias sem o imunizante enquanto pediam documentos, planilhas e análises. E o que é pior, continuarão a fazer assim nas próximas etapas, enquanto morrem pessoas aos montes no País.
Agora mesmo a vacina do Butantan aguarda liberação de novo lote e a Sputnik V, que está sendo produzida em Brasília. O fabricante recebeu de volta a documentação enviada, e por falta de aprovação da Anvisa para ser usada aqui, pode ser exportada para a Argentina.
Estamos no meio de uma batalha mortífera e, me parece que o líder diante da necessidade de tomar decisões rápidas, não deveria perder tempo consultando os prazos dos manuais burocráticos.
Mas, escrever é mais fácil que fazer: se os que decidem seguirem a normas vigentes e algo der errado, eles não serão responsabilizados. Entretanto se tomarem uma atitude “fora da bula” e der zebra, a punição é certa.
Os diretores da Anvisa são como todos nós. Estaríamos dispostos a arriscar o emprego e o status para salvar vidas anônimas? E mais, quem resistiria a fazer um terno novo ou comprar um brinco da hora, diante de tamanha exposição à mídia.
Enfim, eles não são heróis dispostos a se sacrificarem por uma causa, nem vilões responsáveis por mortes nesta pandemia. São burocratas eficientes, ciosos da responsabilidade que o momento impõe, o que não é pouco.