O advogado Mauro Benedito Pouso Curvo assumiu a procuradoria-geral do Ministério Público do Estado (MPE) em março deste ano após vinte anos como membro da instituição, que vem sendo, desde 2015, apontada como autora, através do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), da “Lava Jato de Mato Grosso”, pelo número de pessoas, principalmente do alto escalão do Poder Público, investigadas por corrupção. Ex-governador, ex-presidente da Assembleia Legislativa e vários secretários e empresários estão na lista das operações deflagradas nos últimos meses, em várias fases. O acolhimento pelo seu antecessor no cargo, Paulo Prado, também impulsionou a escolha por ele. Quase paralelamente ao cenário político policial, o “desequilíbrio” financeiro ronda o MPE por atrasos em repasses do duodécimo pelo Executivo. Outra situação que pode se arrastar até o fim de seu mandato em 2019. Curvo conversou com o Circuito Mato Grosso sobre seus planos de gestão e do quadro atual envolvendo o MPE em Mato Grosso.
Circuito Mato Grosso: Quais problemas terão foco em sua gestão?
Mauro Curvo: Estamos trabalhando dois desafios, muito bem definidos, que podem ser superados. Um caminho não é só do Ministério Público, mas do TCE (Tribunal de Contas do Estado), da AMM (Associação Mato-grossense dos Municípios), da Assembleia Legislativa, dos conselhos municipais de saúde. A ideia que partiu da gente é tentar melhorar a saúde pública melhorando a gestão da saúde, começando pela aquisição de medicamentos, equipamentos por parte dos municípios e do Estado. Assinamos um termo de cooperação técnica para criação de um consórcio que vai fazer a aquisição para os 141 municípios e para o Estado. Isso vai trazer muita economia. O primeiro é tentarmos montar essa estrutura este ano para que no começo do ano que vem possamos fazer a primeira ata de registro de preços coletivo. O segundo passo é aplicar essa economia nos hospitais regionais, fazendo que passem a prestar serviços que hoje não prestam. Por exemplo, Cáceres precisa de neurocirurgia, mas não neurocirurgião. Podemos credenciar um profissional para atender um paciente sem precisar sair de Cáceres. É fazer com que a prestação de serviço em algumas especialidades saia de Cuiabá e vá para o interior.
CMT: Qual é o segundo desafio?
MC: Combate à corrupção. A gente reforçar o Gaeco com pessoal, tecnologia e técnica. É um tripé necessário para dar resultado de gente capacitada, com técnica e instrumentos de ponta para aplicarmos as técnicas, os conhecimentos. O Conselho Nacional dos Ministérios Públicos avaliou nossa instituição muito bem, não só as de Cuiabá e Várzea Grande, mas as do interior também. Mas vemos que podemos melhorar.
CMT: Como está a situação administrativa do MPE por causa dos atrasos de duodécimos?
MC: Administrativamente a gente vem bem. Tivemos inspeção do Conselho Nacional dos Ministérios Públicos, que avaliou bem nossa situação na perspectiva dos ministérios do Brasil. É um resultado provisório a que chegamos por meio das inspeções do conselho, que nos fizeram algumas indagações e pelo teor a gente está reconhecidamente bem avaliado no campo administrativo, de prestação de serviço à comunidade. Agora, isso não significa que não precisamos reaver os atrasos dos duodécimos.
CMT: Qual é o valor em atraso?
MC: Um duodécimo inteiro mais 25% de outro que está atraso, que precisamos para programar o nosso crescimento. As demandas hoje são muito maiores que a capacidade de atender essas demandas. É um valor mais ou menos de R$ 23 milhões mais 25% de R$ 23 milhões. Entre R$ 27 e R$ 29 milhões.
CMT: Como está a negociação com o governo?
MC: Estamos encaminhando para uma reta final do teto [de gastos públicos] que vai ser proposto pelo Executivo. Vai depender da tramitação desse projeto na Assembleia Legislativa e também de uma negociação, porque não é só o Ministério Público que tem valor a receber. A Assembleia, o Poder Judiciário, todos ficaram sem receber esses recursos no ano passado. Então, vai depender de fazermos essa conversa em paralelo com o Executivo.
CMT: Qual é o tempo de atraso?
MC: Até o primeiro semestre do ano passado a coisa ia indo bem, começou a dar problema a partir de julho, agosto. Eram dois duodécimos atrasados do final do ano passado, e em início deste ano, conseguimos receber 75% de um duodécimo em razão da entrada do dinheiro do FEX (Auxílio Financeiro para Fomento da Exportação) 2016.
CMT: O ministério tem precisado refazer o orçamento, os planos de ações por causa desses atrasos?
MC: Não vamos ter de refazer, mas estamos segurando algumas ações porque dependem desse dinheiro. Por ora, a gente imagina que esse dinheiro vai entrar e vamos conseguir fazer nossas ações. Não damos por perdido esse dinheiro em hipótese alguma. Por exemplo, imaginávamos que poderíamos lançar as obras da sede de Rondonópolis no ano passado, já estamos caminhando para meados deste ano e não temos nenhuma definição de como ficará.
CMT: Vai dar para pagar a RGA com esses atrasos do duodécimo?
MC: Vai dar para pagar mesmo com o atraso por causa do dinheiro deste ano. [A RGA] é incorporada no salário dos servidores, não dos membros da instituição. Como os repasses do duodécimo deste ano estão entrando, a gente consegue pagar. Se não entrar nenhum recurso deste ano, não é que não paga só RGA como não paga salário. A RGA nesse contexto não é o que dificulta ou facilita o pagamento. É simples de entender: entrou dinheiro, que está na lei, não estamos pedindo nenhum dinheiro a mais do que está previsto na legislação para despesa de pessoal; se não entrou, não tem dinheiro.
CMT: O ministério vai participar com o Executivo do congelamento dos gastos?
MC: Isso ainda vai ser conversado. Ainda não vi qual proposta será apresentada na Assembleia. Teto de gasto significa limitação de despesas e a gente vai ter que ver como podemos contribuir neste momento. Mas é o Poder Executivo que vem enfrentando dificuldade para fazer pagamento de seus servidores. Nós não estamos enfrentando porque ao longo do tempo estamos trabalhando aquém dos limites legais. O projeto da RGA cabe no orçamento, se não coubesse a gente não pagaria. Não contratamos além do que podemos pagar, não tivemos mudança no plano de cargos e carreiras que levasse para além do orçamento. O desequilíbrio está chegando por conta do atraso dos repasses. É de fora para dentro na nossa instituição.
CMT: Afeta operações do Gaeco?
MC: Não afeta diretamente. Mas, se observamos que esse recurso pode vir para compra de equipamentos, pode-se dizer que não prejudica as ações hoje, mas impede um avanço melhor, com equipamento, tecnologia para ações. Funciona como na casa de qualquer pessoa: a gente depende do dinheiro que entra para gastá-lo, não podemos gastar o que não temos. E quando o dinheiro não entra, a gente passa por dificuldades, é essa dificuldade que estamos enfrentando. O ministério tem gasto de R$ 400 milhões.
CMT: Como está a estrutura do Gaeco hoje?
MC: O Gaeco nosso vai servir de modelo para as ações e a estruturação do Gaeco brasileiro. Isso nós ouvimos do corregedor nacional, Cláudio Portela, e toda equipe que veio pra cá, eram quase 50 colegas do Ministério Público brasileiro, e todos ficaram impressionados ao ver a estrutura física, de pessoal, e a boa utilização dessa estrutura em operações deflagradas ao longo do tempo, que estão levando à igualdade de todos perante as pessoas que se achavam acima dessa situação legal. Nada é por acaso, a gente colhe hoje esses frutos porque houve estrutura para plantar e depois colher esses frutos.
CMT: Você tem números sobre o Gaeco, de quantas pessoas estão lá, de qual é a despesa?
MC: Não dá para dizer o quanto se gasta porque a folha de pagamento está dentro da nossa instituição. A gente não faz uma separação para falar que custa tanto e ninguém tem salário diferente para trabalhar lá. O caro é o pessoal, mais caro que o custeio e o investimento é o investimento em pessoal. Também é o melhor investimento que a gente faz porque consegue combater a corrupção, um dos graves problemas deste país. O custo-benefício é excelente.
CMT: O Gaeco tem pessoal o suficiente, equipamentos de ponta?
MC: Segundo o que foi avaliado, ele é hoje o que os outros Estados querem chegar daqui a alguns anos. Mas, como tudo na vida, ainda pode e deve ser aprimorado. Nesse momento temos um colega [Rodrigo de Araújo Braga Arruda] acumulando ações da promotoria dele com as do Gaeco. Isso não é o ideal. Mandamos um projeto à Assembleia para a criação de cargos, eles, sendo criados, a gente consegue trazer um promotor para o Ministério Público para substituir o colega que está acumulando cargo. Precisamos dar alguns passos, que dependem da aprovação desse projeto de lei, para melhorar o Gaeco e a instituição como um todo.
CMT: Quantos cargos serão criados?
MC: Encaminhamos um projeto com vários cargos, mas dos quais não vão ser nomeados nem 10% por agora. Nós aproveitamos a situação de que não estamos no limite prudencial de gastos com pessoal. Temos hoje gastos de 1,58% do orçamento com pessoal, quando nosso teto seria 2% e limite prudencial de 1,90%. Pegamos esse espaço que vai de 1,58% a 1,90% e o transformamos em cargos. Mas todos eles só vão ser nomeados daqui a seis, sete anos. Precisamos ter eles já criados para um dia nomearmos.
CMT: A quem diga que Mato Grosso tem uma Lava Jato própria, fomentada por ações do Ministério Público. Como você avalia isso?
MC: De repente é isso. A quantidade de pessoas envolvidas, de gente do alto escalão, não deixa de ser. Talvez se não houvesse a Lava Jato nacional, a gente teria uma repercussão na mídia nacional desse trabalho que fazemos em Mato Grosso.
CMT: Você tem alguma avaliação sobre uma eventual delação premiada do Silval Barbosa?
MC: Eu não sei se ele vai fazer a delação, por isso não sei do conteúdo do que ele vai falar ou está disposto a falar ou já falou. Mas existem situações, isso é uma premissa de qualquer deleção, cujo conhecimento só tem quem fazer parte da organização criminosa. E a pessoa [membro] só falar mediante um acordo de delação, de obter benefício que a lei prevê. Em tese, não tenha dúvida: a delação premiada é instrumento de avanço em qualquer investigação. A Lava Jato está aí para mostrar isso. Ela mudou de patamar na medida em que foram celebrados acordos de deleção premiada com pessoas que, num primeiro momento, eram dirigentes da Petrobras, e agora com pessoas responsáveis por empresas. E não sabemos até onde isso vai chegar.
CMT: Seria positiva uma delação dele?
MC: Tudo dependeria de quanto de informação concreta teria para nos passar. Não basta falar, tem que provar. Precisam do fato e da prova do fato, porque aquilo que a pessoa fala pode envolver uma pessoa inocente, alguém pode falar uma meia verdade que não deixa de ser mentira. A eficiência de uma delação premiada reside na prova que o delator tem. Os envolvidos na Lava Jato apontaram contas no exterior, para onde foi o dinheiro, os contratos em que ocorreram as fraudes.
CMT: Você acha que as operações do Gaeco vão dar um novo rumo para a gestão pública?
MC: Não tenho dúvida. Uma das coisas que movem a criminalidade – além, é óbvio, da fraqueza de caráter, da vantagem ilegal que procuram e tentam obter a qualquer custo – é a sensação muito grande, quase certa, da impunidade. No momento em que se mostra que não existe ninguém acima da lei, e isso é básico para uma democracia, se faz analisar a prática da conduta criminosa à luz de uma equação de custo-benefício. A pessoa começa a ver que o custo pode ser a liberdade dela e a equação pode ser que venha a dissuadir a pessoa da prática delituosa. É assim que o mundo caminhou e evolui em todos os países desenvolvidos. Não é porque as pessoas de lá são melhores que as de cá. As pessoas têm consciência que a lei será aplicada.
CMT: Qual sua avaliação da fiscalização dentro do Estado?
MC: A gente tem bastante ajuda do Tribunal de Contas, que tem obrigações bastante parecidas na defesa do patrimônio público. Também vemos, com satisfação, avanço na Controladoria Geral do Estado. Mas precisamos avançar nessas controladorias em nível municipal. O grande desafio que a gente tem é montar estrutura de controle dentro dos municípios. Precisamos de apoio de estrutura de fiscalização dentro dos municípios. A estrutura de controle é boa em todos os aspectos. Ela vai orientar e prevenir que o gestor bem-intencionado venha a pagar por erro, equívoco, por falta de controle; também porque dificulta a corrupção.
CMT: Diante de ações do Ministério Público em Mato Grosso e da própria operação Lava Jato, como você vê a proposta de abuso de autoridade em trâmite do Congresso?
MC: Se formos olhar o projeto que foi concebido e começou a ser debatido com o que foi aprovado, o que foi aprovado é muito melhor para a sociedade do que aquele com que se iniciou. Ele praticamente inviabilizava a atuação do Ministério Público e dos magistrados, porque havia possibilidade – por conta de a interpretação do membro do Ministério Público ou do magistrado não ser mantida em eventual segundo grau – de o réu processar a gente, numa ação privada. Esse absurdo não faz mais parte do projeto de lei que foi aprovado. O que foi aprovado ainda traz alguns problemas, mas com muito menor impacto.
CMT: Se aprovada a proposta, muda alguma coisa nas operações de Mato Grosso?
MC: No que está aí, não. Que prejudicaria, e muito, o Ministério Público, não só de Mato Grosso como toda a sociedade, era o projeto que estava em andamento como foi inicialmente concebido. Iria haver uma inversão de valores com muita facilidade. O réu iria deixar de ser réu e passaria a ser o autor, e aqueles que estavam movendo a ação, julgando aqueles que estão desviando dinheiro público, esses é que teriam de se preocupar em se defender. É algo duro de imaginar que alguém tenha concebido isso, escrito e colocado como proposta de lei.