Os italianos tem o seguinte ditado popular: condominio madre di tutte le disgrazie. Em nosso vernáculo simples “condomínio mãe de todas as desgraças”. Esse dito popular se caracteriza pela diversidade de pessoas que ocupam esses locais de habitação compartilhada, que por vezes causam divergências intransponíveis, as quais são levadas quase sempre ao Poder Judiciário para soluciona-las.
Uma dessas novas divergências entre condomínio e condôminos é a questão dos novos carros elétricos e a possibilidade de seus abastecimentos com postos de recarga nos condomínios, o que tem causado uma grande confusão, principalmente quando se está diante da instalação de uma singela tomada no local de estacionamento nas garagens dos condôminos.
Com efeito, é preciso diferenciar um e outro caso. Os postos de recarga que serão utilizados por todos os moradores exigem a realização de assembleia geral, a apresentação de projetos elétricos com a confecção de ARTs pelo CREA e serão custeados pelo ente formal.
Modo outro, a simples instalação de tomada na garagem do condômino exige a apresentação de projeto elétrico com a confecção de ART pelo CREA, prescinde de assembleia geral, mas apenas uma comunicação ao síndico para verificação dos documentos técnicos e será custeada pelo condômino, pois a ligação partirá diretamente da sua unidade consumidora.
Ocorre que, em alguns casos, síndicos ou membros dos conselhos diretivos ou consultivos atuam em erro, entendendo que deve ser convocada uma assembleia geral para o segundo caso, o da instalação de simples tomada na vaga de garagem, buscando impedir a instalação ou retirar a tomada que já foi realizada pelo condômino. Isso vai resultar, por óbvio, na discussão judicial.
No ponto nevrálgico, as decisões judiciais estão sendo produzidas pelos juízos e tribunais do país com dois entendimentos, onde os magistrados tem feito a distinção dos postos de recarga das tomadas simples. No caso dos postos de recarga tem os juízes entendido que o condomínio pode se negar a sua instalação enquanto não houver a definição assemblear, mas, no caso das tomadas simples no box de garagem, tem decidido que é direito do condômino fazer sua instalação com os cuidados técnicos necessários e exigíveis para a segurança condominial.
Sobre a segunda definição, o da instalação das tomadas simples, o que nos interessa nessa opinião escrita, vale ser citado o precedente do Tribunal de Justiça gaúcho no Recurso de Agravo de Instrumento Nº 5081515-30.2021.8.21.7000 /RS, assim ementado:
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – 20ª Câmara Cível
Agravo de Instrumento Nº 5081515-30.2021.8.21.7000 /RS
TIPO DE AÇÃO: Condomínio
RELATOR: Desembargador DILSO DOMINGOS PEREIRA
AGRAVANTE: CONDOMÍNIO EDIFICIO OLYMPIC HOME & RESORT
AGRAVADO: OSCAR WILLIAM PEREZ LOPEZ
AGRAVADO: MARGARETE REGINA ROCHA
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONDOMÍNIO. TUTELA DE URGÊNCIA ANTECIPADA. instalação de tomada para carregamento de bateria de carro elétrico. vaga de garagem. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 300 DO CPC.
I. Para a concessão do pedido de tutela de urgência antecipada, necessário o preenchimento dos requisitos elencados no art. 300 do CPC.
II. Hipótese em que existe verossimilhança na alegação dos condôminos autores, na medida em que a tomada para o carregamento da bateria do carro elétrico encontra-se localizada em área privativa (vaga de garagem titulada pelos demandantes). Além disso, houve a instalação de medidor de energia individual, a fim de que apenas os requerentes arquem com o consumo excedente de energia elétrica gerado. Nota-se, aqui, que inexiste qualquer indício de prova efetiva de incômodo aos demais moradores, ou de risco à sua segurança, causados pelos dispositivos elétricos em debate. Nesse andar, a despeito da demora no fornecimento de laudos e projetos da regularidade da instalação, os agravados acabaram por apresentá-los à administração.
III. No que tange à existência do perigo de dano, decorre, naturalmente, da impossibilidade de os recorridos alimentarem a bateria do automóvel e, por conseguinte, de utilizá-lo.
IV. por fim, pontua-se que a narrativa atinente ao descumprimento das notificações para retirada do aparato desborda dos limites do presente recurso, pois diz respeito à (in) exigibilidade das multas impostas aos recorridos. Pela mesma razão, não se irá adentrar, no presente momento, no mérito da (in) existência de permissão prévia do anterior síndico.
V. Assim, impõe-se a manutenção da decisão interlocutória que deferiu a tutela provisória perquirida pelos agravados, que visava à manutenção/recolocação das instalações elétricas retiradas pelo condômino requerido. Negaram provimento ao agravo de instrumento. Unânime.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 25 de agosto de 2021.
No caso concreto acima retratado algumas premissas devem ser realçadas para compreensão do que se decidiu. São elas as seguintes:
(i) o box de estacionamento localizado na garagem do edifício, sendo esta considerada como uma ‘área de uso comum de divisão não proporcional’, ou seja, é uma ‘área comum’, pertencente ao condomínio, composta por unidades autônomas, ou melhor, boxes de garagem, de propriedade dos condôminos é desprovida de qualquer respaldo legal, doutrinário e/ou jurisprudencial.
(ii) não há que se falar os condôminos estariam buscando conferir destinação diversa à vaga da garagem, porquanto apenas buscam possibilitar o carregamento de seu carro, cuja guarda é o objetivo precípuo do box.
(iii) Os condomínios, é inegável, deverão se adaptar à realidade do mercado de consumo de automóveis, em que a venda de híbridos é crescente, despontando estes como substitutos dos carros alimentados por combustíveis fósseis.
(iv) Deve-se, contudo, garantir a segurança dos condôminos em relação às instalações, o que, no caso concreto, não aparenta estar em risco (com base na opinião técnica emitida por profissional habilitado).
Desse modo, uma vez que o síndico ou os conselhos consultivos ou deliberativos se oponham a colocação das tomadas simples, desde que todas as providências técnicas acima indicadas (apresentação de projeto elétrico com a confecção de ART pelo CREA, comunicação ao síndico para verificação da regularidade dos documentos técnicos, custeamento pelo condômino, pois a ligação partirá diretamente da sua unidade consumidora junto a concessionária de energia), será totalmente possível o ajuizamento de demanda perante os juizados especiais ou juízos cíveis para solucionar esse impasse ante a evidente ilegalidade limitadora de direitos.
E pelo que observa da questão jurídica já decidida e acima retratada, em caso similar certamente o veredito virá a favor do condômino, ainda mais se forem observados também no caso concreto os princípios constitucionais da razoabilidade, proporcionalidade e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, a ser garantido pela utilização de tecnologia de carro elétrico menos poluidor.