Foto: Ahmad Jarrah
Cada vez mais invisíveis aos olhos do cidadão e fadados ao esquecimento. Essa é a realidade dos telefones públicos, popularmente conhecidos como orelhões. Eles já foram os responsáveis em unanimidade pela comunicação no País, mas com a explosão da telefonia móvel, esses aparelhos têm se transformado em uma relíquia digna de exposições em museus.
Em Mato Grosso, o número de terminais de uso público (TUPs/orelhões) é de 13.186 mil, sendo que nos primeiros sete meses do ano de 2015, foram danificados, em média, 3,4% desse total por atos de vandalismo.
Hoje, apenas 35% dos orelhões em funcionamento são usados, e os usuários falam menos de um minuto por dia. A reportagem do Circuito Mato Grosso esteve no centro de Cuiabá durante algumas horas para observar qual é o perfil do usuário deste serviço, e o intervalo entre uma utilização e outra do aparelho.
Após 30 minutos na Praça Alencastro, a recepcionista de uma empresa aérea, Thaiza da Costa, 24, utilizou o serviço. ‘’Eu precisava fazer uma ligação para a minha mãe, e como o meu celular descarregou decidi usar o orelhão já que tinha um cartão antigo na bolsa. Foi a alternativa mais fácil que encontrei, porém não costumo usar com frequência’’, conta.
Segundo a funcionária da Revistaria Gregório, Elins Gusmão – um dos poucos locais que ainda vendem cartões unitários para orelhões na Capital – o perfil dos consumidores é mais de idosos e pessoas que desejam fazer ligações para outros estados. Ela cita também outros casos, como aqueles que por alguma emergência – celular descarregado ou perdido – acabam utilizando o serviço de telefonia pública.
‘’Tem bastante saída cartão de orelhão, mas eles são usados mais por idosos e por pessoas que querem fazer interurbano, pois o custo é menor. Hoje eu vendo cartões de 20 unidades a R$ 4,00, de 40 unidades a R$6,50 e 75 unidades a R$11,00’’, explica.
A empresa de telefonia Oi, responsável pelos orelhões no Estado, registra queda de aproximadamente 44% ao ano, de 2013 para cá, no consumo de créditos em seus orelhões, o que representa uma redução de 96% nos últimos anos.
Atualmente, o uso da telefonia pública é esporádico, especialmente por conta da invasão, difusão e acessibilidade dos telefones móveis – celulares –, somada à ascensão das classes C, D e E, que culminou no desinteresse à atratividade dos telefones públicos.
‘’Quase ninguém mais usa, não tem mais necessidade, o orelhão já foi essencial, hoje, ele é necessário apenas para emergências, como quando acaba a bateria do celular. É um recurso que deveria ser aproveitado de melhor forma, mas é um alvo de depredação, um objeto de utilidade pública mal usado e mal conservado’’, diz a empresária, Regina Barros.
Em Mato Grosso há 4,7 milhões de telefones móveis – celulares – ativos para uma população de aproximadamente 3,2 milhões de habitantes. Isso significa que para cada grupo de 100 mato-grossenses, há pouco mais de 145 linhas em funcionamento, ou seja, 1,4 linha para cada habitante.
Plano Geral de Metas para a Universalização
A Anatel apresentou, no último semestre de 2014, o Plano Geral de Metas para a Universalização (PGMU) dos Modelos de Contratos de Concessão do Serviço Telefônico Fixo Comutado, que irá entrar em vigor somente em 2016 e seguirá até 2020. A agência propõe eliminar 461,3 mil orelhões, ou pouco mais de 60% das 807.516 mil unidades existentes no País.
As obrigações de universalização objetivam possibilitar o acesso de qualquer pessoa ou instituição a serviço de telecomunicações, independentemente de sua localização e condição socioeconômica e permitir a utilização das telecomunicações em serviços essenciais de interesse público.
O primeiro Plano, aprovado pelo Decreto 2.592/1998, previa metas graduais a serem atendidas pelas concessionárias do Serviço Telefônico Fixo Comutado prestado no Regime Público; em 2003 foi publicado o segundo Plano aprovado pelo Decreto 4.769/2003, alterado pelo Decreto n.º 6.424/2008. Atualmente está em vigor o Plano aprovado pelo Decreto 7.512/2011, com metas para o período de 2011 a 2015.
A nova meta para o próximo ano é a implantação de enlaces de backhaul – rede responsável por fazer a ligação entre o núcleo da rede com outros links – em fibra ótica, em municípios e localidades onde tal infraestrutura ainda não esteja disponível.
No Brasil, existem 5.565 mil municípios, dos quais apenas 2.631 contam com fibra ótica, menos de 50% do total do país. No Centro Oeste, dos 466 municípios, 270 contam com a fibra.
Mesmo sem a definição concreta de como irá funcionar a telefonia pública no País nos próximos quatro anos, a Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, já começou a se mobilizar para impedir a redução no número de telefones públicos disponíveis no Brasil.
A entidade encaminhou um ofício ao Ministério das Comunicações e Ministério Público Federal reforçando que o telefone público é um item essencial para a promoção de garantia de acesso ao serviço mais básico para os consumidores de baixa renda, e de pequenas cidades.
Na avaliação da Proteste, a baixa procura pelo serviço pode ser justificada pela falta de manutenção e de fiscalização para que os aparelhos não fiquem sem funcionar. Além disso, a associação destaca que o consumidor encontra dificuldades para adquirir os cartões para ligações.
Ainda conforme a Associação, a importância dos telefones públicos é incontestável, uma vez que 74,85% das linhas de celulares no País ainda são pré-pagas, logo, em muitos casos podem ficar sem saldo e, nessa situação, o usuário ainda tem o telefone público como refúgio.
Virando obra de arte
No início do mês de agosto, um tuiuiú ‘‘sodreniano’’ pousou no Palácio Paiaguás. O jardim do edifício-sede do Governo do Estado de Mato Grosso e residência oficial do governador recebeu um antigo orelhão de tuiuiú transformado em uma obra de arte pelo artista plástico, Adir Sodré.
Em São Paulo, ações como essa já foram realizadas, inspirando exposições onde o orelhão foi colocado como principal ícone. A curadoria dessas ações ressalta que incorporar a arte na telefonia pública, além de deixar a cidade mais bonita, volta os olhos do cidadão para preservar o patrimônio – vitima de depredação – e também retrata a importância do aparelho para a sociedade.
Primórdios
Os telefones públicos no Brasil existem desde 1920, mas foi só em 1934 que foi adotado um sistema que possibilitava a cobrança antecipada, feita por moedas. Naquela época, os aparelhos ficavam em postos telefônicos e estabelecimentos credenciados, como padarias, cafés e bares.
Somente na década de 1970 os telefones públicos começaram a ocupar as calçadas brasileiras. Primeiramente foram instaladas 13 cabines telefônicas circulares feitas com vidros e acrílicos, semelhante às cabines inglesas. Essa ideia não vingou pelo alto custo de fabricação e manutenção das cabines da época.
Buscando solucionar este problema, a arquiteta e chefe de Engenharia da CTB, Chu Ming Silveira, criou uma cúpula oval em fibra de vidro que foi acoplado a um suporte de metal, design adotado até hoje.
Segundo dados da Anatel, no primeiro ano de contagem (1972) do serviço de telefonia pública, existiam 10.500 orelhões no Brasil.