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Operação contra facção é a mais letal da história do Rio; 64 morrem

Ao menos 64 pessoas, incluindo 4 policiais, morreram nesta terça-feira, 28, durante uma megaoperação no Rio de Janeiro nos complexos do Alemão e da Penha contra o Comando Vermelho (CV). A facção reagiu e lançou bombas por meio de drones, o que transformou a região em um cenário de guerra, com reflexos em importantes vias da cidade, como a Avenida Brasil e a Linha Amarela, que tiveram barricadas.

Essa operação foi a mais letal da história do Estado do Rio de Janeiro, e seus desdobramentos eram incertos, com a prefeitura chegando a pedir que as pessoas evitassem as ruas. O número de mortos em um único dia supera o total registrado entre 1º e 27 de outubro, quando 63 pessoas foram atingidas por tiros em toda a região metropolitana.

Em um vídeo divulgado nas redes sociais, o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), disse que a polícia seguirá nas ruas para que a população possa se deslocar do trabalho para casa nos próximos dias. “A polícia não sairá das ruas até que a situação esteja normalizada (…) Falamos com todas as concessionárias de transporte estadual: trem, barca, Metrô.”

Conforme o último balanço da noite, 81 suspeitos foram presos e 75 fuzis apreendidos. O governo estadual alegou que a iniciativa, parte da chamada Operação Contenção, foi desencadeada depois de mais de um ano de investigações. A Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) obteve os mandados de busca e apreensão e de prisão e mobilizou cerca de 2,5 mil policiais, civis e militares.

A ação teve tanto a logística quanto os resultados criticados por especialistas (Mais informações na página A20). Castro cobrou outras esferas de poder. “Não temos o auxílio nem de blindados, nem de nenhum agente das forças federais, nem de segurança, nem de defesa. A gente, sozinho nessa luta, está fazendo a maior operação da história do Rio”, afirmou. Questionado se havia solicitado ajuda federal para a operação, Castro disse que ela não foi pedida desta vez, porque houve três negativas anteriores.

O Ministério da Justiça disse que tem oferecido suporte contínuo ao Executivo fluminense. O ministro Ricardo Lewandowski declarou que a segurança pública nos Estados é responsabilidade dos governadores e que o combate à criminalidade “se faz com planejamento, inteligência e coordenação”. As rusgas ocorrem às vésperas do ano eleitoral

Guerra

O secretário da Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor Santos, por sua vez, descreveu a situação em entrevista à TV Globo, como um “estado de guerra”. “São aproximadamente 9 milhões de metros quadrados de desordem”, disse. “Criminosos dominaram essa região.”

Em meio ao conflito, não faltaram histórias de medo e caos. Uma mulher foi atingida por uma bala perdida enquanto estava em uma academia de ginástica, em Olaria, em área vizinha do Complexo do Alemão. Ela chegou a ser encaminhada para atendimento hospitalar, mas “passa bem”, segundo informações da Academia Marretão Fitness.

Na postagem da academia nas redes sociais, moradores e frequentadores destacaram que o local não é tão próximo de favelas alvo das operações policiais. “Fica numa rua sem saída (…). É assustador e inacreditável como esse tiro atingiu lá dentro”, diz um dos comentários.

As maiores universidades localizadas na cidade do Rio – Federal do Rio (FRJ), Estadual do Rio (Uerj), Federal Fluminense (UFF) e Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) – e mais de 80 escolas estaduais e municipais suspenderam as aulas. “A orientação é para que as pessoas evitem a Ilha do Fundão. Já os trabalhadores, estudantes e usuários que estão no câmpus devem se manter nos prédios. As aulas noturnas estão canceladas”, informou a UFRJ. A PUC-Rio alegou que a decisão foi tomada “em alinhamento com a orientação do Centro de Operações e Resiliência da Prefeitura do Rio”. “Destacamos que os diretores possuem autonomia para abertura e fechamento dos colégios a fim de garantir a integridade dos alunos e servidores e que o conteúdo pedagógico será reposto”, explicou a Secretaria de Estado da Educação, ao ser indagada sobre colégios públicos.

O medo começou antes de qualquer medida de suspensão das aulas. “Os tiros começaram, pelo que ouvi, às 5 horas, mas teve gente que falou que começou às 4 e pouco. Estava escutando os tiros até ainda há pouco, agora está parando. Mas dá um pouquinho (de tiro) e depois para. De manhã estava demais, com barulho de bomba e tudo. Algumas casas foram destruídas com bombas. Cenário de guerra”, afirmou a professora Suellen Gomes, de 30 anos, que mora na região.

“Isso causa risco maior à população e obviamente aos policiais. Esses criminosos dominaram essa região. Hoje, por exemplo, utilizaram drones lançando artefatos explosivos contra os policiais e a população. Essa é a realidade, esse estado de guerra que a gente vive no Rio”, disse Suellen.

A docente dá aula de Português em uma escola da região do Complexo do Alemão, na zona norte do Rio, e contou que a unidade de ensino não abriu nesta terça-feira. “A (escola) onde dou aula fica na entrada da favela.” Segundo Suellen, o comércio local também fechou e as ruas tiveram pouco ou nenhum movimento.

Lohane Neves do Nascimento, de 29 anos, que também é professora, estava passando pela Linha Amarela, uma via expressa, que foi fechada de forma intermitente. “Eu estava indo para a Barra. Do nada, fechou e começaram a vir policiais tanto de carro como a pé. Quando passei e entrei no túnel, eles (os policiais) estavam revistando um carro branco com dois caras dentro”, conta a professora.

Os bloqueios de vias, por ações policiais e de criminosos, avançaram pela noite. Nas redes, a população de toda a cidade relatava falta de coletivos – até porque alguns foram usados em ações de barricada contra os agentes. Segundo a Rio Ônibus, mais de 120 linhas tiveram os itinerários alterados. De acordo com a MOBI-Rio, os corredores Transbrasil e Transcarioca do BRT, além dos serviços de conexão do BRT, foram afetados.

Vítimas

Não havia detalhamento até a noite desta terça sobre os mortos civis na megaoperação. Só foram identificados oficialmente os agentes mortos até 19 horas. Integrantes do Batalhão de Operações Policiais (Bope), os sargentos Cleiton Serafim Gonçalves, de 42 anos, e Heber Carvalho da Fonseca, de 39, morreram durante confrontos. Os dois foram encaminhados ao Hospital Getúlio Vargas, mas não resistiram. Outros dois policiais civis também morreram durante a operação. Marcos Vinicius Cardoso Carvalho, de 51 anos, conhecido como Máskara, foi baleado e encaminhado ao Hospital Getúlio Vargas, mas não resistiu aos ferimentos. Carvalho chefiava o setor de investigações do 53ª DP (Mesquita). O policial Rodrigo Velloso Cabral, de 34 anos, lotado na 39.ª DP (Pavuna) também morreu logo após chegar ao hospital. A delegacia da Pavuna fica localizada numa das áreas mais violentas da capital. Ele estava havia apenas dois meses na instituição.

Ao todo, oito agentes foram feridos durante a operação, segundo levantamento do Instituto Fogo Cruzado. Três policiais civis lotados na 38.ª DP (Irajá), na 26.ª DP (Todos os Santos) e na Delegacia de Repressão a Entorpecentes e outros cinco policiais militares.

Pesquisadores criticam a alegação do governador de que o Estado que comanda enfrenta o crime organizado “sozinho”. “Se você quer a presença do Exército, tem de ter planejamento conjunto. Não se pode tratar as Forças Armadas como um Uber que você pede na esquina. ‘Olha, me empresta aí 3 kg de açúcar’. Aí você vai lá e ‘pega’ um blindado”, afirma Jacqueline Muniz, do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF).

O Instituto Sou da Paz cobrou apuração rigorosa de todas as situações de confronto. “É necessário que haja uma apuração rigorosa com a devida participação do Ministério Público e de outras entidades para identificar responsabilidades individuais e coletivas diante dos resultados desastrosos desta operação.”

Para o instituto, o enfrentamento real do crime organizado e do domínio territorial ilegal depende muito mais de investigações profundas e do planejamento de operações focadas do que de tiroteios massivos.

Estadão Conteudo

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