Cidades

Onde os serviços da Prefeitura de Cuiabá não chegam

(Fotos: Ahmad Jarrah)

Nem tão longe que possa ser ignorado, nem tão perto que incomode o poder público a ponto de resolver os problemas vividos em comunidades da periferia de Cuiabá. Essa é, basicamente, a realidade do bairro Parque Mariana, na região do Coxipó.

Fruto de ocupação, posteriormente legalizada, o jovem bairro tem cerca de cinco anos e ainda padece da falta de praticamente todos os serviços públicos básicos.

Sem saneamento básico, os moradores têm de apelar para o “gato” na água e fossas nos quintais.  Sem segurança, apesar da proximidade com a Academia de Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso (Acadepol), eles se viram com as perdas e pedem por dias melhores.

A falta de asfalto nem é tratada como problema, pois é visto quase como luxo entre os que vivem com a falta de tantos outros serviços, como um posto de saúde, uma escola, uma creche e um item simples: um CEP.

Mas nem tudo são sombras no Parque Mariana, pois os moradores, mesmo sem CEP, têm energia e agradecem pela iluminação pública já ter chegado ao bairro.

Keitielli Alves de Aguiar, 18 anos, dona de casa

Ex-moradora do bairro Santa Laura, Keitieli foi morar no Parque Mariana após se “juntar” com seu companheiro, dois anos atrás. Hoje ela tem uma filha de 1 ano e 3 meses com o servente de pedreiro. “Eu sonho em ter uma vida melhor. Ser alguém, terminar meus estudos e mais pra frente decidir a profissão que eu vou ter. Eu corri atrás, mas no colégio que fui só tinha da 8º série para cima. Eu parei na oitava série e com uma criança pequena não tem como ir muito longe. Também não tem nenhuma creche aqui para deixar ela”, conta a jovem, explicando que teve de parar os estudos por conta da gravidez.

No começo da entrevista a criança chora, chamando a mãe, que levanta de prontidão para buscá-la e volta com a pequena de olhar atento nos braços. Sem saneamento básico, ela e o esposo improvisaram uma fossa, cavando um buraco no quintal, para onde vão os dejetos sanitários do pequeno barraco.

Agradecida, ela fala alegre de não precisar mais puxar gambiarras de energia, já que o bairro recebeu a instalação de iluminação pública e toda estrutura de energia elétrica para regularização da transmissão e cobrança, mas reclama de outros problemas.

“Não temos um postinho aqui por perto e o ponto de ônibus mais próximo fica no bairro Osmar Cabral”, reclama, dizendo que leva cerca de meia hora para chegar lá.

Apesar de muito nova, Keitielli teve de aprender a lidar com problemas como a falta de segurança de uma mãe que fica o dia todo sozinha. “Uns tempos atrás tinha um rapaz que assaltava aqui direto, até aqui em casa ele já entrou. Mas aí pegaram ele e bateram nele e ele foi embora daqui”.

Adenil Evangelista – 63 anos, ex-costureira

Quando a equipe do Circuito chegou à casa de dona Adenil , ela estava carpindo a pequena horta que tem no quintal e, quando abriu a porteira de arame, tinha nas mãos uma abobrinha que acabara de colher.

Com problemas de saúde, Adevanil mora sozinha e não conseguiu o benefício da aposentadoria. Ela conta que vive de doações e da pouca ajuda que os filhos podem oferecer. Mãe de cinco, ela diz com ar de tristeza que dois deles estão desempregados.

“Passou em branco esse negócio de INSS, pois eu trabalhei muito tempo em casa, de costureira. A idade vai chegando e temos vários tipos de problema de saúde e fiquei sem poder trabalhar e sem o benefício”. A dona de casa explica que hoje não aguenta ficar sentada, pois tem desgaste no fêmur e dores na coluna advindas de osteoporose.

“Os filhos ajudam um pouquinho, mas todo mundo tem seus compromissos, né. Estou carpindo e limpando a horta para plantar o máximo de coisas que puder e ter o que comer sem precisar comprar no mercado. A terra é muito boa. Vou plantar alface, couve, rúcula. Já tenho tomate, pimentão, mandioca, abobrinha, cebolinha, quiabo e banana”, diz a senhora, explicando que a terra ali é muito boa e tudo que planta vinga e ela colhe.

 “O problema aqui é falta de segurança. Aqui é assalto toda hora. Eles entram nas casas durante o dia enquanto o pessoal está trabalhando e levam tudo. A pessoa está trabalhando e quando chega não acha mais nada. Você não pode vir com dinheiro para casa, senão você nem chega em casa. Caminhão de entrega de água e produtos de mercados nem vêm aqui por causa de assalto”.

Adenil também reclama do esgoto a céu aberto. “Trouxeram umas manilhas há alguns meses, estamos esperando elas serem colocadas, vamos ver quando vão fazer isso. Disserem que estavam esperando a chuva passar para as máquinas poderem entrar. A chuva passou e nada de máquina. Não sei o que acontece”.

Deusi Francisca de Souza, 58 anos, dona de casa

Deusi mora no local há cerca de quatro anos com seu esposo e, diferente de alguns vizinhos eles afirmam terem comprado o lote com um barraco de madeira, onde, depois de muito tempo, conseguiram construir uma casa de alvenaria.

“Aqui era um grilo, mas eu não grilei. Comprei um brejo por R$ 1500 reais e entrei num barraquinho de tábua para sair do aluguel, mas aí, com muita luta, conseguimos o direito da área, com uma documentação provisória”.

Ela e o marido confeccionam cadeiras de fio e fita e vendem em feiras. Foi com o trabalho da pequena serralheria que eles tiraram todos os tijolos da pequena, porém organizada, casa.

“Por ser um bairro novo acho que não está tão ruim. Precisamos que a prefeitura termine esse serviço com as manilhas que estão paradas aí há seis meses e que CAB, ou seja quem for, coloque a água aqui pra gente, pois temos ‘rabicho’ de água. No tempo da chuva alaga tudo e ficamos sem rua, mas manilhando ali resolve isso”.

Francisco Deodenis Carvalho, 57 anos, serralheiro

Francisco vai logo dizendo que quer regularizar a situação da água, pois não se sente confortável como o tal ‘rabicho’.

“Eu me conformo em pagar o que eu uso, não gosto de nada clandestino, pois é roubar. Se a CAB providenciar a água aqui vai melhorar muito, pois todo mundo vai receber e vai pagar. Outra coisa que precisa é um agente de saúde para poder cuidar das questões de dengue e até para fazer o cartão família, senão a gente não consegue nem ir no posto de saúde”.

De acordo com ele, no posto mais próximo eles não conseguem atendimento pela falta do cartão do SUS vinculado ao local. “Também não temos CEP, então não podemos receber nada aqui, nenhuma correspondência ou conta, temos que passar endereço dos outros”.

Muito orgulhoso, depois de fazer as críticas ele convida a reportagem para ver os trabalhos realizados em sua pequena serralheria no fundo de casa e comenta que no começo carregava as cadeiras produzidas nas costas ou carriola, cortando o ferro com serra de mão, até que conseguiu comprar equipamentos para otimizar a produção e vender mais. Com o lucro, além da casa, comprou um carro velho por R$ 4 mil. “O dinheiro do terreno foi na serrinha”.

Ele diz que o sonho dele é colocar piso na casa toda, fazer todo acabamento e, quem sabe, subir uma laje.

Lenilda Costa, 45 anos, dona de casa

Muito tímida e humilde, fala de cabeça baixa. Foi morar no local pois não tinha para onde ir, mas não deixa de reclamar. “Falta escola e creche aqui no bairro para meus netos”.

Adejair Marques da Silva, 37 anos, mora no bairro há 4 anos

 Pessimista para uns, realista para outros, Adejair afirma pontualmente que não acredita em melhorias. “Não vai vir asfalto aqui tão cedo e nem vai ter ônibus também”.

Aline Maria Lima de Moraes, 19 anos, mora no local há 3 anos

Mora com marido, filho e irmão em uma pequena casa, que tem a parede unida à casa da sogra, doadora do lar de Aline.

Abadia Moraes Nunes, 73 anos, aposentada

Abadia afirma ser uma das fundadoras do bairro, para onde levou também parte da família.

“Eu estou no bairro desde o início, o primeiro barraquinho de tabua daqui foi o meu. Eu estava morando na casa da minha filha, mas morar na casa dos outros não é bom. À noite eu pedi para Deus que eu conseguisse um lugar para morar, que lá não estava bom para mim. Levantei cedo e fui comprar pão e quando cheguei lá ouvi uma conversa de um pessoal que iria ocupar aqui. Eu nem conhecia quem iria vir, mas vim junto. Abriram uma rua e eu consegui um lote”, conta.

Apesar de ter o pedido de um lar realizado, Abadia explica que a situação não foi nada fácil. Ela revela que, quando começou a construir, teve de comprar madeira mais de três vezes, pois nas três primeiras tentativas foi roubada,  assim como os canos que comprara para a obra.

“Quando vim pra cá me perguntaram qual o motivo de, nessa idade, eu vir, e se era só para deixar para os filhos, mas não é, a gente quer ter o canto da gente, ter sossego e mesmo tendo morado aqui sozinha durante muito tempo e com medo eu não desisti”. 

Com o dinheiro da aposentadoria do marido, Abadia conseguiu ainda ajudar a construir outra pequena casa ao lado da sua para um de seus filhos e a nora, que hoje moram com um filho e o cunhado.

Ela conta que sonha que seja construída uma praça no bairro. “Tem que fazer muita coisa aqui, tem que asfaltar, pôr um ponto de ônibus mais perto, um postinho de saúde, um centro comunitário, uma creche. Meu neto é cadeirante. É muito difícil carregar ele pra baixo e pra cima”, desabafa.

Confira mais na edição 590 do jornal impresso 

Josiane Dalmagro

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