Tu, só tu e ninguém mais! Apesar da multidão a beira-mar sem praia que me cerca nessa quinta-feira deadline, 21 de abril de 2016, aqui no Arpoador, Rio de Janeiro.
Preciso desenhar cada letra, compor palavra por palavra, sentir a caneta deslizando e seu leve atrito no papel. Preciso do caderninho. Da sensação do espiral incomodando a mão direita que o segura, enquanto com a esquerda escrevo empoleirada na ponta de um banco.
O mais próximo que encontrei dos borrifos aspergidos pelas ondas da ressaca monumental que castiga a costa. Incluindo o paredão sem as usuais gorduras areníticas do Arpex. Da infra usual restam encarapitado o posto de salvamento e a estrutura da guarda da rampa concretada. O resto está tomado pelas nervosas ondulações que chegam do Oceano Atlântico.
A maresia forma uma bruma que, pousada no horizonte, esmaece as imagens dramáticas da força poderosa do mar. A pedra vinha sendo cantada. A maré cada vez mais alta dos últimos dias com a chegança da lua cheia dessa noite de quinta-feira, a de escrever a crônica semanal…
Gritos a minha direita indicam visitantes molhados pelas franjas rebeldes da onda que bate na murada do Arpoador há dias sem areia, o aviso que o caldo ia engrossar sendo dado diariamente.
Por mais que a vontade de emendar o feriado e engolir a redação do texto da semana fosse uma tentação quase irresistível, a curiosidade – a que matou o gato – de ver com meus próprios olhos a revolução marítima e sua força descomunal certamente me trariam para uma ponta. Não a minha do Leme, mas aquela que me cabe no momento…
“Ô água mineral é 2, ô água, ô água e Guaravita…” recita o vendedor, anunciando os preços pós verão, de baixa temporada, re-pe-ti-da-men-te. Ancorou no banco ao lado. Uma poita de monotonia no ritmo desgovernado e inconstante dos pancadaços que seguem arrancando gritos de susto, exclamações de excitação e alguns poucos olhares de respeito. Com o mar não se brinca.
Depois de uma semana de acontecimentos quase nunca vistos na história desse país, a vontade de escrever era praticamente nenhuma e, por mais que tentasse, não conseguia encaixar os acontecimentos a serem narrados numa fabula brincante fabulosa. Era uma daquelas circunstâncias em que “quanto menos conversa nenhuma”. O melhor era guardar o fôlego para correr ladeira abaixo na frente da avalanche que não para de descer e ameaça nossas mais caras instituições.
E assim lá ia eu, observar a ressaca. Sentir o cheiro da névoa de maresia, ser abençoada pelos respingos purificadores do mar de Ipanema. Hoje, qual Maomé, chegando até a montanha da desumanidade em que habitamos…
Enquanto me arrumava vi a notícia do desmoronamento na Ciclovia Tim Maia, ligando o Leblon a São Conrado, inaugurada dia 17 de janeiro deste mesmo ano da graça. Um trecho foi “levantado” pela força das ondas que batem no Costão da Niemeyer. O Rio chora de tristeza, morre de vergonha! E a responsabilidade não é das ondas, da ressaca, do mar, das forças da natureza.
Foram elas, essas forças, que me grudaram hoje ao caderninho e ao desafio auto imposto de fazer o texto mais devagar, elaborar a escrita, desenhar o pensamento. E lamentar.
Como a ressaca, pedra cantada, força estranha presente quando menos se espera (mas sempre lá), só o caderninho é capaz de me salvar da ausência, preencher as lacunas da descrença, cimentar a escrita num esforço vão de descrever a imponderabilidade.
O resto já conhecemos. É o desprezo e o desleixo dos que deveriam zelar para preservar a segurança e o bem estar carioca. O nosso! Corpo e alma – ambos maculados – da sempre corajosa e destemida Cidade Maravilhosa.