Numa rua do Baixo Pinheiros que já foi mais calma, entre um bar e um concorrido restaurante do Oriente Médio, uma casa de 350 metros quadrados passou meses em reforma para abrigar distintas tradições japonesas e exprimi-las com rigor e ousadia.
Super clean, com muita madeira e luz natural, boa parte do espaço é ocupado pela Amay Pâtisserie, premiada confeitaria que recorre a técnicas do Ocidente para criar doces de alma e sabores orientais – coisa que Aya Tamaki faz com maestria e sem glúten, às vezes sem lactose e sempre com açúcar na medida.
A vitrine central com choux creams (R$ 19,20), bolos recheados (desde R$ 32,60), entremets (R$ 37,50) e criações como o tiramissu de matcha (R$ 30,70) tem de ambos os lados mesas com bancos e cadeiras confortáveis, onde toma-se café coado V60 (R$ 15 o médio), matcha latte (R$ 22,90) ou saquê (a partir de R$ 36 a experiência com 60 ml). Afinal, seguindo o labirinto e contornando a cozinha-ateliê, há o cantinho da Mega Sake, a loja do marido de Aya.
O responsável, Fabio Ota, é dos poucos sake samurais no Brasil e instalou nos fundos da doceria máquinas que servem três dosagens de mais de uma dúzia de saquês e alguns vinhos japoneses inéditos. As garrafas dispostas ali também podem ser levadas para casa, mas têm como principal função abastecer o omakase escondidinho na última porção da casa. “Na atual temporada, a harmonização conta com nove saquês, alguns servidos quentes. A ideia é mudar a seleção de acordo com eventuais mudanças de ingredientes e preparações para surpreender e fazer os clientes sorrirem”, explica Fabio.
Como é o omakase secreto
O Miyabi Sushi e Sake Pairing só abre para o jantar, que começa pontualmente às 19h. Em torno de uma jabuticabeira, o balcão em “L” acomoda 15 convivas dispostos a se entregarem a um menu de 15 tempos, sendo sete ou oito deles, sushis de Wallace Tsuyoshi Morita.
O itamae (chef de sushi) acaba de voltar a São Paulo depois de mais de uma década no Japão. Dez anos certinhos, esteve detrás do Sushi Kan de Tóquio, às vezes sonhando com uma moqueca, confessa. Tímido, ainda está se ambientando no restaurante que completa a primeira semana de vida.
É Wallace quem seleciona os peixes, prepara o blend de shoyu, decide quais receitas frias e quentes, invariavelmente sem glúten, acompanharão os sushis feitos com um shari morninho, com acidez equilibrada e um pontinho marcado de sal.
“Nosso objetivo era encontrar uma composição que valorizasse o equilíbrio entre o shari e o peixe, evitando extremos de leveza ou pungência. É comum encontrar aqui em São Paulo sharis que se inclinam para esses dois opostos: provamos muitos sharis leves e adocicados, típicos de casas mais tradicionais, mas também notamos uma tendência de sharis bastante salgados e avinagrados. Nesses casos, a pungência do vinagre aparece no nariz, na hora de comer e, por vezes, domina o ambiente”, explica o chef.
Na visita, chamou ainda atenção a entrada caqui/tofu, receita inspirada em templos zen. Grossíssimo modo, um salpicão vegano com o queijo de soja desidratado, a fruta fresca, óleo de gergelim e shungiku (folha de crisântemo). Na sequência, o delicado nabo/snow crab (caranguejo norueguês) brilhou graças ao saquê infusionado com katsuobushi. Aquecido a 50ºC, o Nanbu Bijin Tokubetsu Junmai é uma bebida premiada, de ligeiro dulçor, que realça as notas de umami do sofisticado ensopadinho.
A harmonização do Miyabi está a cargo da sommelière Camila Braz, que brinca com borbulhas, temperaturas, diferentes graus de acidez e aromas. Claro, o samurai Fabio dá seus pitacos. Mais que isso, no passo citado, ele compartilha sua coleção particular de ochokos (copinhos de saquê) com os clientes para essa ousada degustação.
Voltando à comida, nota-se também ousadia, seja na vieira graúda, servida bem quente, em folha de nori, na ponta dos dedos do comensal, permitindo um contato quase imediato com sua consistência; seja no sushi de bluefin, o nobre atum, aqui grelhado como um bifinho e temperado com wasabi produzido em Sorocaba.
Seguindo a toada, a sobremesa mostra audácia ao aliar shissô e cupuaçu. “Tem uma cama de chocolate branco caramelizado, texturas do cupuaçu, como a gelatina e castanha-do-pará ralada”, descreve Aya, feliz em elaborar pela primeira vez doce para restaurantes, “um trabalho bem diferente da sobremesa de vitrine”. Para ampará-la, a pedida é o Beau Michelle, saquê que inclui levedura de vinho e revela notas de frutas e flores brancas, como lichia e jasmim.
O omakase ainda está engatinhando, entrando no ritmo, dosando produtos brasileiros para não ofuscarem a técnica japonesa. Nem por isso deixa de ser uma bela experiência, sobretudo para celíacos. “Não é só a massa do tempurá, no Japão muita composição leva trigo, até o shoyu, por isso está sendo um grande desafio fazer preparos sem glúten”, explica Wallace.
A saber: somente ele custa R$ 700 e inclui matcha e petits fours ao final. A harmonização corresponde a outros R$ 330. Ah, água implica R$ 12 ou R$ 35 a mais, se nacional ou importada, e o serviço é de 13%.
Serviço:
Miyabi Sushi e Sake Pairing
R. Marcos Azevedo, 86, Pinheiros. Ter. a sáb., às 19h. Reservas: (11) 99600-7782