Instituído oficialmente pela Lei nº 12.519/2011, 20 de Novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, relembra a morte Zumbi dos Palmares, em 1695, líder do Quilombo dos Palmares, situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco. A data origina-se do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial que elegeu a figura histórica, capturada e morta por bandeirantes liderados por Domingos Jorge Velho, como símbolo da luta e resistência dos negros escravizados no Brasil e de direitos afro-brasileiros.
A comemoração, sem dúvida, reforça a mais que urgente necessidade de continuar em discussão o racismo estrutural e a branquitude diante aos assustadores dados estatísticos relativos à violência contra negros e pardos no Brasil e tantas outras violações pelas quais vêm passando há séculos. Lembramos das obras Racismo estrutural, de Sílvio Almeida, Pra quem já mordeu um cachorro por comida até que eu cheguei longe, E foi assim que eu e a escuridão ficamos amigas e Amoras, de Emicida, Como o racismo criou o Brasil, de Jessé de Souza, Pequeno manual antirracista, de Djamila Ribeiro, Pensando como um negro, de Adilson José Moreira, e de tantos outros livros que devem estar nas salas de aulas do Ensino Fundamental e Médio de escolas públicas e privadas. São refletores de realidades de mais da metade da população brasileira.
Recentemente, em Óculos de cor: ver e não enxergar, com ilustrações de Suzane Lopes, Lilia Moritz Schwarcz adentrou no universo infantojuvenil para discutir racismo e branquitude. Nesse ramo da literatura, a autora também assina O circo do amanhã, em coautoria com Heloisa Prieto e ilustrado por Thereza Howe, Reinações de Monteiro Lobato: uma biografia, em coautoria com Heloisa M. Starling, Da Colônia ao Império: um Brasil para inglês ver e latifúndio nenhum botar defeito, ilustrado por Miguel Paiva, Uma amizade (im)possível, ilustrado por Spacca, e as HQs D. João Carioca, Triste República: a Primeira República contada por Lima Barreto, As barbas do imperador: a história de um monarca e O príncipe triste.
Óculos de cor: ver e não enxergar apresenta ao público infantil e juvenil Ebony, uma menina negra, e Alvo, um menino branco, personagens centrais. Na história, ambientes e gentes ficcionais são demonstrativos da realidade do racismo que há séculos vem reforçando sociedades estruturadas com base na discriminação que privilegia algumas raças em detrimento das outras, ainda que existam leis que garantam a igualdade entre povos. A história criada por Schwarcz no espaço escolar põe à vista resultados de um processo histórico que infelizmente ainda representa fortemente a sociedade brasileira, desde a instauração do sistema escravocrata até os dias de hoje.
Estudos de Adilson José Moreira, autor de vários livros sobre Direito Antidiscriminatório, demonstram que o “Brasil é a sociedade mais racialmente desigual do mundo. O Brasil é a sociedade mais racialmente violenta do planeta Terra. O número de pessoas assassinadas pela polícia do Brasil – 77% delas são negras – é maior que o número de vítimas de guerras civis no mundo. Então, a discussão sobre justiça racial precisa ser o tópico fundamental de debate nas faculdades de Direito no Brasil”. E por que não nas escolas de Ensino Fundamental e Médio?
Em Óculos de cor: ver e não enxergar, Schwarcz leva ao público infantil e juvenil o racismo e a branquitude, temas ainda pouco abordado nas escolas. A seu modo, não menos importante, a historiadora e antropóloga se propõe a debater dentro da escola, temas que atingem negros e brancos. Não somente aos negros, mas aos brancos também, pois a branquitude desenvolve preconceito, racismo e discriminação.
O livro assenta-se em torno de uma proposta criada pela escola, logo no início das aulas: “Somos todos diferentes”. Nessa circunstância, Ebony e Alvo conhecerão mais de perto suas tão distintas realidades que, nos dizeres de Schwarcz, irão “familiarizar-se com a vida do outro e também estranhar a sua própria história”.
O projeto da escola de Ebony e Alvo é audaz. Ele conduz o alunado a assumir uma postura antirracista. Óculos de cor: ver e não enxergar é um instrumento de luta contra o racismo. Uma luta que precisa de aliados, muito aliados. Aliados de todas as cores.
Anna Maria Ribeiro Costa é etnóloga, escritora e filatelista na temática ‘Povos Indígenas nas Américas’.